Sociedade: Pessoas em situação de sem-abrigo são problema «de todos»

Amélia Simões Figueiredo é diretora da Escola de Enfermagem da UCP e responsável pela criação da consulta de enfermagem no Balneário público de Alcântara, local onde o rastreio de saúde é feito a par do rasteiro à solidão

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 18 set 2024 (Ecclesia) – Amélia Simões Figueiredo, diretora da Escola de Enfermagem, da UCP, disse que a realidade das pessoas em situação de sem-abrigo é um problema “de todos”, uma questão de “cidadania” que deve envolver diferentes respostas em rede.

“Isto é algo que não é da enfermagem, não é da academia, é de todos nós. Este tem que ser o primeiro conceito – é uma coisa de todos nós. E depois, ainda que pareça ser uma resposta mínima, faz a diferença. Isto é um trabalho muito grande, que é difícil articular, e em que o balneário é uma gota d’água – é uma gota d’água entre muitas gotas d’água”, explica à Agência ECCLESIA a especialista em Enfermagem Comunitária e Saúde Pública.

“Há uma rede que se estrutura num todo. Os recursos são poucos, mas há muitas pessoas preocupadas com esta situação. E muitos, fazendo pouco, fazem muito: uns preocupam-se com a alimentação à noite nas carrinhas; outros preocupam-se com a alimentação durante o dia; outros com a roupa; outros em encontrar uma casa; outros em dar formação se conseguir um emprego; outros em arranjar uma máquina ou uma ferramenta para a pessoa começar a trabalhar. É um problema de todos”, acrescenta.

A Faculdade de Ciências da Saúde e Enfermagem da Universidade Católica Portuguesa (UCP) abriu, em 2013, no balneário público de Alcântara, em Lisboa, a oferta de consultas de enfermagem, contando com a colaboração de alunos da instituição que “com pouco material, e sem se querem sobrepor a respostas do Serviço Nacional de Saúde”, estão disponíveis para atender quem procura aquele espaço.

Amélia Simões Figueiredo fala na solidão que acompanha as pessoas que procuram aquele local, a par da poupança de água ou eletricidade nas casas onde residem.

Esta consulta não tem nada lá dentro: tem uma balança, um aparelho para medir a tensão arterial e pouco mais, porque nós não queremos substituir o SNS. Queremos ser um espaço absolutamente livre, sem marcação, sem nada, onde as pessoas entram e podem falar connosco. Um dos diagnósticos de enfermagem que nós mais temos na consulta é ouvir e valorizar a história. As pessoas precisam absolutamente contar a sua história”.

O projeto que a Escola de Enfermagem ali desenvolve, ajuda a monitorizar questões de saúde pública e também de análise social.

“Fizemos um estudo sobre famílias em condição de sem-abrigo e há aspetos muito interessantes a ser estudados: as dimensões da família que se mantém apesar da situação, o crescimento da família, a consolidação da família, a constituição da família, apesar desta condição. Durante a Covid-19 fizemos rastreios a esta população e recentemente fizemos um estudo sobre os níveis de infeção da população em situação de sem-abrigo em dois abrigos de emergência social”, explica.

A UCP vai em breve colaborar com o Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) para realizar um novo diagnóstico sobre as pessoas em situação de sem-abrigo na cidade de Lisboa, uma vez que último data de 2019.

“O NPISA é uma organização que congrega uma série de estruturas e de recursos que se preocupam com as pessoas nesta situação: instituições religiosas, camarárias, Santa Casa da Misericórdia, Médicos do Mundo, enfim, são inúmeros parceiros, mais de 40 parceiros. Os recursos são poucos, mas há muitas pessoas preocupadas com esta situação”, indica.

Dedicada à enfermagem desde os anos 80, de depois de alguns anos a trabalhar no Hospital de São José em urgência e cuidados intensivos, Amélia Simões Figueiredo deixou-se fascinar pelas respostas de promoção de saúde e de prevenção da doença, reconhecendo que “se trata de uma filosofia que falta cumprir na totalidade” em Portugal.

A arte do cuidar holístico, também a formação holística a estudantes de enfermagem, o atendimento a pessoas “de quem não se sabe o nome” mas que necessitam de tratamento e o consolidar de um percurso que começou quando se confrontou com a doença da avó vão estar no centro da conversa com Amélia Simões Figueiredo.

O programa ECCLESIA é emitido hoje na Antena 1, pouco depois da meia-noite, e fica disponível no portal de informação e no podcast ‘Alarga a tua tenda‘.

LS

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