Setúbal: Homilia de D. Américo Aguiar no Domingo de Páscoa

Foto: Diocese de Setúbal/Ricardo Perna

Irmãs e irmãos em Cristo, saudações fraternas a todos, todos, todos.

«Ressuscitou… Não está aqui… Ressuscitou».

Ainda ecoam nas paredes das nossas igrejas, da nossa igreja catedral, das igrejas e catedrais do mundo inteiro, as palavras do jovem vestido de branco, dirigidas a Maria Madalena, a Maria, mãe de Tiago, e a Salomé:

“Ressuscitou. Não está aqui. Ressuscitou!”

São estas as palavras que ecoam nas ruas e nas estradas, nos campos desertos, nas cidades destruídas, nas praças cheias de gente, nos bairros da nossa diocese. E, assim o acredito, ecoam nos nossos ouvidos e nos nossos corações.

Como explicar esta surpresa e alegria?

A primeira vez que Jesus falou da cruz e da ressurreição aos seus discípulos, enquanto desciam do monte da Transfiguração, todos se interrogaram sobre o que queria dizer «ressuscitar dos mortos» (Mc 9, 10). (Papa Bento XVI, Vigília Pascal 2006).

Mas as dúvidas, os medos, as incertezas abandonaram aqueles homens.

Acabamos de ouvir Pedro nos Atos dos Apóstolos. Sem dúvidas, sem hesitações, sem medos.

E quando Jesus afirma: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”, tudo ganhou um novo sentido. O sentido da Vida dada por inteiro, da Vida Daquele que faz novas todas as coisas. A Vida do Ressuscitado, o Jesus Vivo, o Filho de Deus.

Agora sim, aqueles homens tinham os seus corações plenos do Espírito do Senhor, que lhes ensinou e explicou todas as coisas.

Graças às mulheres e aos homens daqueles primeiros momentos da Boa Noticia da Ressurreição, graças a tantas e tantos que até hoje não deixaram de O anunciar, estamos hoje aqui, para “pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus, juiz dos vivos e dos mortos… quem acredita n’Ele recebe pelo Seu nome a remissão dos pecados”.

Precisamos de saber que, como aqueles primeiros, muitos, muitíssimos continuam a derramar o seu sangue, mártires dos nossos dias. Precisamos de reconhecer esta realidade, tantas vezes pouco conhecida.

Graças a Deus, nós estamos aqui reunidos em Seu nome. Escutamos a Sua Palavra, celebramos a Eucaristia, cantamos, rezamos e saímos à rua sem medos, tranquilos, em Paz.

Não é assim em todo o mundo. Não foi assim que muitas irmãs e irmãos nossos viveram esta Páscoa. Uns com medo, outros com fome e sem casa, outros ainda escondidos.

Peço-vos que nunca esqueceis o sofrimento de quem é perseguido pela sua Fé.

Voltando ao Evangelho proclamado, permiti que vos fale dos movimentos de corrida, da pressa, naquela manhã da Ressurreição.

Maria Madalena correu e foi ao encontro de Simão Pedro. Pedro e o outro discípulo correram mais depressa. Não queriam acreditar.

Ainda não tinham entendido a Escritura segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos…

O anúncio do Evangelho, da Boa Nova da Ressurreição pede-nos pressa, celeridade, inquieta-nos na urgência do Anúncio.

Não podemos retardar, adiar ou simplesmente calar a descoberta extraordinária que a Escritura nos narra, a descoberta que o mundo não deixa de fazer há mais de dois mil anos: CRISTO VIVE.

Jesus de Nazaré, o Crucificado, não ficou nem está no sepulcro, Ressuscitou! Aleluia!

Permitam-me que vos diga de novo: é este o testemunho, a senha, que cada atleta, cada homem e mulher que corre, transporta na sua vida.

Mas também transporta o testemunho para o passar ao próximo, de coração a coração, dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano, século após século e milénio após milénio. Assim tem sido, assim continuará a ser até quando Deus quiser.

Eles ainda não tinham entendido… e nós? E eu?  E cada um de vós que saiu de sua casa para estarmos aqui em comunhão, à volta do altar do Senhor?

Vivemos unidos a Semana Santa de 2024.

Os nossos ramos saudaram a entrada de Jesus em Jerusalém, Rei dos Reis, aclamado com palmas.

Reunimo-nos à volta da mesa de Jesus, revisitando aquela última Ceia; os doze discípulos à volta do Mestre; o pão e o vinho partilhados na promessa de se repetirem para sempre; beijei-vos os pés, manifestando assim a humildade que Jesus me ensina, nos ensina a todos nós.

Acompanhámos a prisão, a paixão, a morte na Cruz do Salvador do Mundo. O Menino de Belém, adorado por reis e pastores, fez-se homem, falou nas ruas e nas praças, curou doentes e paralíticos, deu vida aos mortos. E acabou pregado numa Cruz entre malfeitores.

Ficámos em silêncio no Sábado. Não fechados em casa, mas acredito que durante o dia de ontem muitos de nós nos recordámos desta palavra: silêncio.  Naquele tempo, a espera silenciosa, triste, desorientada de quem perdeu o sentido da vida.

E regressámos aqui, a esta Igreja Catedral, já de noite. Para celebrar de novo a Vida Nova! A Ressurreição de Jesus é a nossa âncora, a nossa rocha,  a força da Fé que atravessa a História e toca o coração de todas as mulheres e homens, sem olhar à raça, à idade, à condição de vida, à saúde ou falta dela.

Eles não tinham entendido. E nós, que fizemos de novo todo este caminho nos passos de Jesus? Entendemos verdadeiramente o que significa a Ressurreição, o impacto que tem e pode ter na vida de cada um de nós, a descoberta de que Jesus está Vivo, Ressuscitou?

Esta é a pergunta mais difícil que podemos colocar a nós mesmos, a pergunta que a Humanidade não se cansa de fazer, de procurar compreender.

Mas acredito que, ao mesmo tempo, é aquela cuja resposta pode parecer demasiado simples… a resposta está na descoberta de nos sabermos Amados. Não com um amor de letra pequena, que começa e termina, que não transforma, nem perdura.

Não. Este Amor é um Amor maior.

Jesus nasceu, viveu e morreu por Amor, Amor por mim e por cada um de vós aqui presentes. Um Amor que nos acompanha desde o levantar ao deitar, que nos faz sorrir de alegria mesmo quando estamos sós. Um Amor que nos dá força e esperança a cada dia que passa.

Um Amor capaz de nos salvar, de nos dar a eternidade, esse encontro face a face com o Senhor Ressuscitado.

A Páscoa de Jesus traz esse anúncio de eternidade, que nos lembra o anúncio da Primavera, quando tudo recomeça e se renova.

Quero agradecer-vos estes dias que partilhamos, esta minha primeira Páscoa convosco. Partilhar a Páscoa implica sempre partilhar o coração, permitir que outros vejam e sintam o nosso Amor por Jesus. Só assim faz sentido aquela pedra rolada, o túmulo vazio.

Mas agora este é o tempo de nos darmos por inteiro ao povo que nos está confiado e de nos darmos uns aos outros como irmãos.

Que Nossa Senhora da Graça rogue por nós.

Sé de Setúbal, 31 de março de 2024

Cardeal D. Américo Aguiar, bispo de Setúbal

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