Setúbal: Homilia da Vigília Pascal 2024

Homilia da Vigília Pascal, Sé de Setúbal, 30 de março de 2024

Irmãs e irmãos em Cristo, saudações fraternas a todos, todos, todos.

Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e Salomé.

Coloquemos os nossos olhos e o nosso coração nestas três mulheres da Galileia.

Durante muito tempo, foram elas que acompanharam Jesus e os seus discípulos. Partilharam momentos alegres e felizes, comovedores e difíceis. Pelo que viam e ouviam, pelo que foram testemunhando, em conversas nas suas casas, em desabafos de confidências. Tal como terá acontecido com os discípulos, Jesus foi ocupando cada vez mais os seus corações e as suas vidas. Jesus de Nazaré era diferente de todos os homens.

Percorreram muitos caminhos, uns planos outros pedregosos, sorriram e choraram; foram surpreendidas com “os milagres” e ficaram preocupadas com as reações e comentários que se faziam nas costas do Mestre.

Como Maria, guardavam no coração o que ouviam dos discípulos. Acredito que elas saberiam responder acertadamente à pergunta de Jesus «e vós quem dizeis que eu sou?»…

A certo momento rumam a Jerusalém. É a Páscoa que a todos convoca.

E de um momento para o outro tudo se precipita. Jesus é traído, preso, condenado, negado, crucificado e morre numa cruz.

Como terá estado o coração de cada uma destas mulheres? À distância e empurradas pela multidão, mas tão perto de Jesus.

Numa noite de Vigília Pascal, disse-nos o Papa Francisco:

(Hoje) «É a noite (…) do discípulo que se sente (…) paralisado, sem saber para onde ir diante de tantas situações dolorosas que o oprimem e envolvem.

É o discípulo de hoje, emudecido diante de uma realidade que se lhe impõe fazendo-lhe sentir e – pior ainda – crer, que nada se pode fazer para vencer tantas injustiças que vivem na sua carne muitos dos nossos irmãos.

É o discípulo perplexo porque imerso numa rotina avassaladora que o priva da memória, faz calar a esperança e habitua-o ao «sempre assim se fez».

(Papa Francisco, Homilia da Vigília Pascal de 2018)

Nos corações de Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de Salomé, habitava uma preocupação – era necessário fazer o que os rituais determinavam para o corpo sepultado de Jesus e que o sábado tinha interrompido. Providenciaram tudo o que era necessário e puseram-se a caminho, para tratarem o corpo do seu Jesus. «o Corpo do homem amado que tinha morrido.» (Papa João Paulo II, Vigília da Pascoa 1984).

O sepulcro tinha sido fechado com uma pedra grande e pesada. “Quem nos irá revolver a pedra da entrada do sepulcro?” terão pensado.

Mas o último obstáculo intransponível já não existia, a pedra tinha sido removida. Não sabemos  quanto tempo terão ficado quietas e silenciosas perante aquela pedra. Só sabemos que entraram. Os seus olhos e os seus corações estavam “preparados” para tudo, menos para o que aconteceu…ficaram assustadas.

Nos rostos destas mulheres podemos espelhar os rostos das mulheres, crianças e idosos da Ucrânia, da Rússia, da Terra de Jesus e de tantas outras guerras nações que vivem diariamente a guerra.

No rosto destas mulheres podemos encontrar os rostos de tantas mães e avós, os rostos de crianças e jovens que suportam o peso e o sofrimento de tanta desumana injustiça.

Nos seus rostos, vemos refletidos os rostos de todos aqueles que, caminhando pela cidade, sentem a tribulação da miséria, a tribulação causada pela exploração e o tráfico humano.

Neles, vemos também os rostos daqueles que experimentam o desprezo, porque são imigrantes, órfãos de pátria, de casa, de família; os rostos daqueles cujo olhar revela solidão e abandono, porque têm mãos com demasiadas rugas.

Na sua tristeza, elas têm o rosto de todos aqueles que, ao caminhar pela cidade, veem a dignidade crucificada. No rosto destas mulheres, há muitos rostos; talvez encontremos o teu rosto e o meu. (Papa Francisco, Homilia da Vigília Pascal 2017).

Disse-lhes um jovem com uma túnica branca, disse-lhes um Anjo: «Não temais, não vos assusteis, Procurais a Jesus de Nazaré, o Crucificado? Ressuscitou, não está aqui…agora ide dizer aos seus discípulos e a Pedro que Ele vai adiante de vós para a Galileia. Lá O vereis, como vos disse».

«Ressuscitou… Não está aqui».

Na Páscoa, alegramo-nos porque Cristo não ficou no sepulcro, o seu corpo não conheceu a corrupção; pertence ao mundo dos vivos, não ao dos mortos; alegramo-nos porque – como proclamamos no rito do Círio Pascal – Ele é o Alfa e simultaneamente o Ómega, e, portanto, a sua existência é não apenas de ontem, mas de e por toda a eternidade (cf. Heb 13, 8). (Papa Bento XVI, Vigília Pascal 2006).

«Agora ide dizer… Ele vai adiante de vós para a Galieia. Lá O vereis, como vos disse.»

Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e Salomé, não sabiam que os seus corações tinham sido “moldados” pela Mãe de Jesus. As conversas, os sorrisos, as lágrimas, a Esperança, os silêncios. Todas elas foram, sem o saberem, discípulas da Mãe do Redentor.

E eis que são as primeiras a receber tal missão, quais primeiras apóstolas, enviadas a dar a Boa Noticia aos apóstolos.

Irmãs e irmãos, regressemos à indicação do Anjo, segundo as instruções de Jesus Ressuscitado, regressemos à Galileia e ouçamos o Papa Francisco na sua Vigília Pascal de 2021:

«Ir para a Galileia significa, antes de mais nada, recomeçar. Para os discípulos, é voltar ao lugar onde inicialmente o Senhor os procurou e chamou para O seguirem. É o lugar do primeiro encontro e o lugar do primeiro amor. Desde então, deixadas as redes, seguiram Jesus, escutando a sua pregação e assistindo aos prodígios que realizava.

Ir para a Galileia significa, em segundo lugar,  percorrer caminhos novos. É mover-se na direção oposta ao túmulo. As mulheres procuram Jesus no túmulo, isto é, vão recordar o que viveram com Ele e que, agora, se perdeu para sempre. Vão repassar a sua tristeza. É a imagem duma fé que se tornou comemoração duma coisa linda mas que acabou, apenas para se recordar. Muitos – nós também – vivem a «fé das recordações», como se Jesus fosse uma personagem do passado, um amigo da juventude já distante, um facto sucedido há muito tempo quando, ainda criança, frequentava a catequese.

Ir para a Galileia significa, além disso, ir aos confins. (…) E todavia Jesus começou de lá a sua missão, dirigindo o anúncio a quem carrega fadigosamente a vida diária, dirigindo o anúncio aos excluídos, aos frágeis, aos pobres, para ser rosto e presença de Deus, que incansavelmente vai à procura de quem está desanimado ou perdido, (…) porque, a seus olhos, ninguém é último, ninguém está excluído. »

E hoje Jesus também nos pede para irmos para a Galileia, para esta «Galileia» real. É o lugar da vida diária, são os caminhos que percorremos todos os dias, são os recantos das nossas cidades onde o Senhor nos precede e Se torna presente, precisamente na vida de quem se encontra ao nosso lado e partilha connosco o tempo, a casa, o trabalho, as fadigas e as esperanças.

Na Galileia, aprendemos que é possível encontrar o Ressuscitado no rosto dos irmãos, no entusiasmo de quem sonha e na resignação de quem está desanimado, nos sorrisos de quem exulta e nas lágrimas de quem sofre.

Irmãs e irmãos, estamos disponíveis para nos colocarmos a caminho da Galileia?!

Ficaremos maravilhados ao ver como a grandeza de Deus se revela na pequenez, como a sua beleza resplandece nos simples, nos pobres, nos marginalizados.

Tudo isto nos ensinam as mulheres discípulas de Jesus. Elas estiveram de vigia naquela noite, juntamente com a Mãe. E Ela, a Virgem Mãe, ajudou-as a não perderem a fé nem a esperança. Deste modo, não ficaram prisioneiras do medo e da angústia, mas às primeiras luzes da aurora saíram, levando na mão os seus perfumes e o coração perfumado de amor. Saíram e encontraram o sepulcro aberto. E entraram. Vigiaram, saíram e entraram no Mistério. Aprendamos com elas a vigiar com Deus e com Maria, nossa Mãe, para entrar no Mistério que nos faz passar da morte à vida. (Papa Francisco, Vigília Pascal 2015).

Este é o tempo de nos darmos por inteiro ao povo que nos está confiado e de nos darmos uns aos outros como irmãos.

Que Nossa Senhora da Graça rogue por nós.

+ Cardeal Américo, Bispo de Setúbal

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