Semana Santa em Óbidos

Falar de Óbidos é deixar levar o pensamento até às características especiais que, em particular a vila histórica, oferece. Ruas antigas, bem conservadas, que remetem os visitantes para décadas atrás. Também as celebrações da Semana Santa ganham um cariz especial quando conjugadas a este cenário de ruas estreitas, que se cruzam e “ajudam a criar o cenário na organização das celebrações”, explica à Agência ECCLESIA, quem cresceu com as tradições da Semana Santa em Óbidos. O Diácono Maximino Martins é natural de Óbidos e há muito que acompanha as preparações e a própria vivência da semana. Na região, existem outras paróquias que organizam também as celebrações mas “nenhuma com a tradição de Óbidos, que conta já com vários séculos”. A vila típica mantém os contornos tradicionais, de pequena localidade, “muito pitoresca e característica”. Aspectos que ganham um maior impacto quando rentabilizados para contextualizar a Semana Santa e que “não permitem que as pessoas dispersem ou haja lugar a alguma desordem”, durante as celebrações. Nos últimos anos, a par das celebrações religiosas, têm-se consolidado actividades de cariz cultural, mas que em nada ferem a mensagem principal. O próprio pároco Paulo Gerardo, afirma que as actividades culturais ajudam a preencher “alguns vazios”, pois Óbidos tem habitualmente muitos turistas e as actividades “inserem-se dentro da mensagem da Páscoa”, juntando assim, crentes e não crentes nesta vila “museu”. A tradição de Semana Santa em Óbidos remonta à década de 60. Desde aí, todo o trabalho tem vindo a ser consolidado, por parte da comunidade local, dos paroquianos mas também por parte da autarquia, “ o que actualmente permite viver um aperfeiçoamento organizativo, um respeito pela forma como se realizam algumas manifestações religiosas, uma fidelidade, um rigor na recriação histórica e também a necessidade de se complementar do ponto de vista cultural”, explica o Presidente da autarquia, Telmo Faria. A oferta qualitativa atingida ao longo dos anos, testemunhada pelo aumento do número de pessoas que a procuram, “enchem de entusiasmo os organizadores”. O presidente da autarquia chama a atenção para as celebrações tradicionais como o Auto do Descimento da Cruz, “de teatralização religiosa”, sendo este um dos ponto altos da semana que conta com “milhares de pessoas”. Nas actividades culturais, destaque para a apresentação da Escultura de São Martinho, precisamente na Capela de São Martinho, “a que pretendemos dar continuidade numa exposição maior, ainda a ser preparada” e também para a exposição de pintura de Maria Pena Monteiro. Está também programada uma visita guiada da “Semana Santa em Óbidos”. Será re-editado um livro de 1929, «Óbidos: Guia do Visitante», “com grande enfoque no património religioso”, destaca o Presidente Telmo Faria. A linguagem e filosofia que segue a programação cultural, relaciona-se intimamente com a vivência religiosa. Concertos de música clássica, exposições, “são ofertas que não se desviam da mensagem central, sendo assim um complemento à programação religiosa”, sublinha o presidente da Câmara de Óbidos. A Semana Santa ganha destaque quando comparada com outras actividades preparadas nesta cidade. As próprias pessoas entram no espírito “sem haver necessidade de fazer apelos ao respeito”, recorda o Diác. Maximino Martins, assimilando a solenidade das actividades propostas. De tal forma este clima toma parte, que em determinados dias não é exagero afirmar que “toda a vila se transforma numa capela”, sugere. Passo a Passo A Procissão dos Passos é disso exemplo. A sensibilidade e a fé transportam os participantes em Óbidos até Jerusalém, “e às ruas onde Jesus passou carregando a cruz”. As celebrações atraem crentes e não crentes. “Alguns participam, outros assistem, mas sempre em silêncio e com o maior respeito”. Desde sempre a “seriedade” imperou nos preparativos e celebrações. O Diácono Maximino Martins destaca esta postura como um dos segredos da atracção. “Há uma grande preparação a anteceder as celebrações”. A procissão da Mudança das Imagens, marcada para dia 31, como o nome indica “trata de mudar as imagens do local onde estão habitualmente para os locais onde vai partir a Procissão dos Passos”. Nesta procissão, a imagem de Nossa Senhora das Dores e a imagem do Senhor dos Passos não se cruzam, tomando percursos diferentes na vila. “É também uma tradição”, afirma o Diácono, apesar de não ter a afluência de outras mais típicas, “mas onde marcam presença várias pessoas de fora”. É uma procissão que se realiza com as luzes apagadas, apenas à luz dos archotes, acompanhada por um banda que enceta marchas fúnebres. O dia seguinte, Domingo de Ramos, é marcado tradicionalmente pela bênção e Procissão dos Ramos. Desde a Igreja de São João até à entrada da porta da vila – que actualmente é o Museu Paroquial – realiza-se a bênção dos ramos e segue-se, em procissão e ao som de cânticos alusivos, até à Igreja de Santa Maria, onde se celebra a Missa de Ramos na Paixão do Senhor. “Aqui é personificada a entrada de Jesus em Jerusalém”. Segue-se depois o sermão do Pretório. “É a condenação de Jesus e o início do caminho para o Calvário”, descreve o Diácono Maximino Martins. Transporte no tempo A Via Sacra percorre toda a vila, evidenciando o percurso que “Jesus faz com a cruz às costas”. Um cântico, uma leitura alusiva e uma figura típica “Verónica, a padeirinha que canta «a vós todos que passais, que passais pelos caminhos, parai e vede se há dor semelhante à minha dor»”, relembra o diácono, evidenciando a dimensão e simbologia forte. No Largo de São Tiago realiza-se o sermão do encontro que “em determinado momento junta num encontro Nossa Senhora com o seu filho”, explica, recordando anacronicamente o que se passou há quase dois mil anos. O procissão caminha até à porta da vila onde se concentram “as mulheres a chorar por Jesus”. Entrando novamente na vila, percorre-se a rua direita e a “procissão recolhe à Igreja da Misericórdia onde é feito o sermão do Calvário”, explica. À procissão dos passos, juntam-se “milhares de pessoas em Óbidos para participar ou para ver”, uma vez que muitos turistas se concentram por esta altura na vila. A ela se juntam para, também fazer o percurso, ou alguns grupos vão passando e juntam-se apenas em alguns momentos. No dia 4, Quinta-feira, “entra-se no Tríduo Pascal, momento alto nas celebrações da Quaresma”. À noite evoca-se a Ceia do Senhor “com a celebração que institui a Eucaristia”, com o lava pés “evocando a acção de Cristo aos apóstolos”. Na Sexta feira tem lugar a Celebração da Paixão, seguindo-se depois o Auto de Descimento da Cruz, sendo esta uma cerimónia com muitos anos e que ilustra a retirada do Senhor da Cruz. “Sempre recordo este auto, que nas ruas se realiza desde os anos 60”. O ambiente aqui vivido “é muito forte” e decorre em “absoluto silêncio”, sublinha o Diác. Maximino Martins ao ponto de a emoção tomar conta dos participantes. «Eram três horas da tarde quando Jesus morreu», assim começa o Auto, ao som das badaladas, que testemunha as cenas depois da morte de Jesus no Calvário. Os amigos de Jesus, crianças, o povo, soldados romanos juntam-se em cena, tendo como pano de fundo o Castelo de Óbidos. “O cenário em si ajuda muito a que uma pessoa se transporte à época e evoque a morte de Jesus”, afirma o Diác. Maximino Martins. O Calvário, com Jerusalém ao fundo, “cenicamente fica uma imagem muito bonita”. Cenário este, que se estende até à noite. Quando se desce a imagem, caminha-se em procissão, “onde só se ouve o silencio”, e a imagem do “Senhor segue para a Igreja da Misericórdia”. Será a partir daqui que se realiza a Procissão do Enterro. À luz dos archotes, os soldados romanos seguem à frente para o enterro do Senhor, onde o silêncio “mais uma vez impera”. Cultura e Religiosidade Todas as celebrações da Semana Santa “têm momentos muito fortes”, sejam as procissões ou a Vigília Pascal, no Sábado à noite, ou a Missa da Ressurreição, marcada para Domingo. O Diácono refere que “há pessoas que sempre me recordo de ver nas celebrações da Semana Santa”. Algumas por fé, outras com curiosidade “mesmo essas não procuram o «folclórico»”. Muitos estrangeiros, em especial espanhóis, aguardam esta altura para visitar Óbidos. Todas as actividades estão imbuídas do espírito da Semana Santa. Algumas propostas culturais decorrem mesmo dentro de igrejas, “havendo uma continuidade na mensagem que toda a semana pretende passar”, aponta o Diácono Maximino Martins. Quem procura as actividades religiosas “acaba por ficar para as culturais, e vice versa”. A colaboração entre a autarquia e a paróquia já é longa. À dignidade da mensagem se junta a procura dos turistas, “e ambas as vertentes se alimentam”, sublinha o Diácono. Está também agendada uma palestra para Segunda-feira com o Cónego Luís Silva sob o tema “Páscoa: dias de passagem, dias de ressurreição”. Nem só de celebrações vivem os fieis. “Importa que eles saibam o que estão a fazer. É uma proposta mais catequética para os adultos”. Uma proposta dirigida às crianças marca já a tradição há alguns anos. “Nos passos de Jesus” acontece durante a semana que resulta num «peddy paper» onde as crianças da catequese são convidadas a representar personagens bíblicas e que “gera um grande entusiasmo entre os mais jovens”. Pela primeira vez a viver, a Semana Santa em Óbidos, encontra-se o Pe. Paulo Gerardo, na paróquia há cerca de seis meses. Espera uma grande multidão, porque “sei que já é um hábito”. Pelo que foi a preparação, “fui percebendo a seriedade e a dignidade impressa às actividades”, sugere. Uma postura que “rejeita o folclore e é imprescindível dada a dignidade da mensagem”. Este é também um momento de evangelização e mesmo as celebrações exteriores “com mais aparato, conduzem a uma vivência das celebrações litúrgicas e da Páscoa”, destaca.

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