Saúde: O cuidado e a «medicina narrativa» mudam relações e dão sentido às doenças e ao sofrimento – Mariana Abranches Pinto

Dinamizadora da Associação Compassio e fundadora do grupo «Ao 3º Dia» acredita que falar da morte «não deve ser um tabu» e «faz bem» e recorda «a vida completa» da filha Nini, falecida aos 18 anos

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 17 jan 2024 (Ecclesia) – Mariana Abranches Pinto afirmou que a introdução da “medicina narrativa” nos cuidados de saúde melhora as relações entre médicos e pacientes e que o acompanhamento espiritual, na pastoral da saúde, pode ser feito por leigos.

“A medicina narrativa procura que o profissional de saúde, ou quem cuida de pessoas doentes, possam refletir mais no ato de cuidar. É sugerida a elaboração de relatórios paralelos, ou seja, além do relatório médico, se escreva sobre o que se sente quando se está com a pessoa doente, ou sobre o que gostaríamos de dizer no próximo encontro. Trata-se de melhorar a relação entre o cuidador e a pessoa e seria muito importante apostar mais em tempos de paragem, de reflexão e de partilha”, explica à Agência ECCLESIA.

A co-fundadora da associação Compassio, em Portugal, e do grupo Ao 3º Dia acompanha pessoas espiritualmente e tem experiência em orientar Exercícios Espirituais, propostas de retiros segundo Santo Inácio de Loyola, e explica ser esta a faceta que lhe dá mais prazer na vida, sentindo-se chamada a essa vocação.

Eu gostava muito de ser assistente espiritual num hospital e faria essa assistência quer religiosa, se fosse a pessoas católicas, quer laica, se fossem pessoas sem fé, que há cada vez mais. A tendência será as pessoas virem ter comigo precisamente porque não sou padre. Está mais que na hora de os leigos também assumirem estas coisas – não é porque há poucos padres, mas porque temos essa capacidade, claro com formação, e conseguimos chegar às pessoas de outra maneira”.

Mariana Abranches Pinto dá conta que o seu sonho passa por tornar o cuidado, e as relações compassivas, uma realidade entre as pessoas doentes e os seus cuidadores e recorda que este sonho foi-se consolidando com o contacto com as doenças e o sofrimento que foi tendo na sua vida – consigo, uma vez que foi doente oncológica – e com a sua filha, Inês (tratada familiarmente por Nini), falecida em junho de 2023, devido a uma leucemia.

A associação Compassio, que integra uma rede internacional de comunidades compassivas, foi criada em Portugal em 2019, antes da leucemia da sua filha se ter manifestado, mas marcada pela sua história clínica Mariana Abranches Pinto recorda que, apesar de ser arquiteta paisagista de profissão, em determinada altura “só queria participar em congressos sobre a morte, ou sobre a pastoral da saúde, ou sobre acompanhar pessoas doentes”, percebendo, paulatinamente, que queria fazer disso a sua vida.

O movimento Portugal compassivo propõe a compaixão para o centro das relações humanas, “com um foco especial no fim de vida, na morte, no luto, no sofrimento, no envelhecimento”, apresenta, e o “conceito das comunidades compassivas” está presente em diversas cidades portuguesas que integram a rede: Porto, Amadora, Vila Nova de Gaia, Borba, Leiria, Cascais, São Miguel, Loulé, São Bras da Alportel, Faro e Coimbra.

“Importa falar sobre a morte, que é um tema tabu na sociedade. Faz parte da vida, devemos falar sobre isso porque vai acontecer e falar é libertador. Foi-o com a Nini –  o irmos falando sobre as coisas foi maravilhoso, não estar a esconder, perceber o que queria, como queria”, recorda.

Mariana Abranches Pinto diz que com “maturidade e crescimento” foi aceitando a doença da filha, percebendo que “Deus não manda as doenças, mas sustenta as pessoas”.

As doenças, uma doença mortal, fazem parte do risco maravilhoso que é estar vivo. É a vida e temos que aceitar furiosamente a realidade que não podemos mudar. E não se trata de nenhuma injustiça  – a doença que faz parte da vida. Quem me dera a mim, que não lhe tivesse calhado a ela, mas calhou. E eu só sinto gratidão por ter sido mãe daquele ser maravilhoso durante 18 anos, admiração pela forma como ela viveu a doença, que foi extraordinária, muita paz por termos feito tudo e não termos adiado nada”.

Nini criou uma página na rede social TikTok e um podcast chamado ‘A Morrer Comigo’.

Mariana Abranches Pinto sublinha que importa dar sentido ao sofrimento e à doença e pede uma mudança na pastoral da saúde e na linguagem que lhe está associada: “Lida-se mal com o silêncio, dizem-se coisas parvas como «Deus deve gostar muito de vós para a mãe e a filha estarem doentes ao mesmo tempo…», «vou rezar que isso vai passar»”.

“O meu sonho, e é para isso que trabalho, é que as pessoas doentes sejam mais bem cuidadas, de uma forma mais compassiva. Também por cuidadores que cuidem de si próprios, porque só cuidando de nós próprios é que podemos cuidar melhor dos outros”, indica.

A conversa com Mariana Abranches Pinto pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA na Antena 1, pouco depois da meia-noite, e escutada posteriormente no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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