Saúde Mental: Sociedade tem de superar «estigma» que culpabiliza os doentes – Vítor Cotovio

Especialista apela a maior investimento público, para reforçar respostas na área

Foto: RR/Sofia Moreira

Lisboa, 10 out 2021 (Ecclesia) – O psiquiatra e psicoterapeuta Vítor Cotovio disse à Agência ECCLESIA e Rádio Renascença que o “estigma” em relação à saúde mental persiste em Portugal, apelando a maior investimento público, para reforçar respostas na área.

“Uma razão para as pessoas não irem ao tratamento é porque não têm os serviços acessíveis, outra é porque, às vezes, em determinados sítios, ou por vergonha, ou por culpa, podem adiar a ida aos serviços. Isso empobrece o prognóstico”, adverte o diretor clínico da Casa de Saúde do Telhal.

“Ainda há hospitais gerais que ainda não têm serviços de Psiquiatria. Têm de ter. Até para se desmontar o estigma, não é preciso por os doentes isolados”, acrescenta.

O convidado da entrevista semanal conjunta fala no Dia Mundial da Saúde, assinalando que “as pessoas têm de uma vez por todas perceber que não são culpadas por ter uma doença mental”.

“Todos nós somos responsáveis e isto que estamos a fazer também conta. É literacia em saúde mental. Porque os órgãos de comunicação social não podem só aparecer quando de repente alguém mata alguém”, aponta.

O especialista aborda o impacto da pandemia destacou que a crise da Covid-19 apanhou muitas pessoas “em barcos diferentes, por situações económicas, laborais e familiares diferentes”.

“Eu costumo dizer que a pandemia atacou aquilo que eu chamo a mão existencial estruturante”, indica, destacando a perda de capacidade de “lidar com o incontrolável e o imprevisível”.

A entrevista aborda a situação dos mais novos, afetados pela falta dos seus contactos habituais, sobretudo no percurso educativo.

Nas escolas, agora no pós-pandemia, devia haver uma atenção serena, não uma atenção desesperada, porque não temos de psiquiatrizar tudo na vida, mas também não devemos fazer o contrário”.

Vítor Cotovio identifica, em Portugal, um grande problema de “acessibilidade e da rapidez da resposta”, com muitas pessoas que não tiveram a primeira consulta de forma atempada.

“É preciso que existam mais serviços para que a acessibilidade melhore, a proximidade, a continuidade de cuidados”, defende.

“Vêm aí os 85 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para a Psiquiatria e Saúde Mental. Vamos ver como é que são arrumados, como é que isto melhora os serviços”, prossegue.

O diretor clínico da Casa de Saúde do Telhal, das Irmãs Hospitaleira do Sagrado Coração de Jesus, pede uma revisão dos acordos com o Estado e a atualização do que foi acordado em 1983 com as religiosas e os Irmãos de São João de Deus.

“O que o Estado nos paga são 42 euros de diária, mas num hospital psiquiátrico do Estado, os doentes de superior complexidade são pagos a 75 euros. Só que os doentes de superior complexidade, os chamados doentes difíceis, muitas vezes são encaminhados para nós, porque não têm lugar nos serviços dos hospitais gerais”, exemplifica.

O psiquiatra adverte que em 2030 a depressão será o maior responsável pela “carga global de doença”.

“Não podemos andar a dizer isto à boca cheia e depois não criar serviços que respondam a estas realidades”, assinala.

Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

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