Saúde Mental: «Pessoas que não via há 10, 15 anos retomam as consultas», afirma o psiquiatra Vítor Cotovio

Médico salientou importância de contar história e que “não se confunda distanciamento físico com distanciamento afetivo e social»

Lisboa, 08 out 2020 (Ecclesia) – O psiquiatra e psicoterapeuta Vítor Cotovio disse que a pandemia do coronavírus Covid-19 afetou a saúde mental dos portugueses e “há mais situações, quer agravamento de situações prévias” e destaca que “o contacto está a favor da saúde mental”.

“Apanhei situações novas e de pessoas que não via há 10, 15 anos e retomam as consultas porque a pandemia trouxe à sua situação uma vulnerabilidade”, disse em entrevista à Agência ECCLESIA, no contexto do Dia Mundial da Saúde Mental que se assinala este sábado, dia 10 de outubro.

Segundo o diretor clínico da Casa de Saúde do Telhal, do Instituto de São João de Deus, “há mais situações” de pessoas com “alguma patologia” associada à saúde mental como o “agravamento de situações prévias, pessoas que viram pela inquietação que representa a pandemia o agravamento de alguns sintomas”.

Por causa da pandemia Vítor Cotovio reencontrou pessoas que não via há 10 anos, que “estavam estabilizadas”, e “é um reencontro muito dominado pelo “medo e ansiedade” e lembrou também “histórias que não esquece mais, e que fazem parte da natureza do ser humano pela positiva”, como uma paciente que marcou uma consulta para a mesma hora do que a sua mãe, uma senhora “com alguma idade” que teve “uma descompensação (psicótica) por estar confinada”, e como está num lar não estavam juntas desde março.

“A pandemia mobiliza medo e mobiliza ansiedade que são coisas diferentes: Medo é a resposta emocional e fisiológica a uma ameaça real, ou eminente, e que a pessoa perceciona com ameaça para ela que é ser infetado ou infetar”, explica Vítor Cotovio, assinalando que algumas pessoas “vivem num registo de infecto-ansiedade”, que é o medo de infetar ou ser infetado, e a ansiedade “é a antecipação de uma ameaça futura”.

O médico psiquiatra lembra que se cruzou com a pandemia uma crise sanitária, “com o medo que provoca”, com uma crise económica, “e, portanto, a ansiedade perante a ameaça futura” e se existem pessoas que “vão com as suas ferramentas passando pela pandemia de uma forma mais saudável, depois há pessoas com as suas fragilidades, com as suas suscetibilidades” aparecem com o que chama “uma angústia existencial pandémica, ou angústia existencial ‘covidica’, que tem várias roupagens”.

Para Vítor Cotovio a pandemia é “um desafio à comunicação não-verbal”, destaca a importância do “resgate do olhar, o resgate da comunicação não-verbal” mas também a “importância da palavra”, a forma como “é dita”, a “emoção na palavra”.

“É fundamental para que não se confunda distanciamento físico com distanciamento afetivo e social. Isso também previne o nosso adoecer; O não haver rede de suporte social faz com que a probabilidade da doença também aumente muito”, acrescenta, lembrando D. José Tolentino Mendonça e a necessidade de “resgatar” o “sentimento de pertença e as situações de emergência também fazem isso”.

O psicoterapeuta observa que mesmo antes da pandemia vivia-se “uma sociedade pós-moderna e pós-narrativa que é complexa, porque o ser humano precisa da narrativa” e defende que “é fundamental resgatar os contos” e o ser humano ser “menos de contas”, como “os números da pandemia”.

Segundo o especialista “há mais procura” dos serviços do Instituto São João de Deus, que, de vez em quando, também tem de fazer as suas “quarentenas, isolamentos”, de tratar dos seus utentes que “são dois mil, com medidas de proteção e segurança”, bem como os 1100 colaboradores, os cuidadores também precisam de “ser cuidados”.

“Temos de gerir isto com prudência, no sentido aristotélico, com sensatez, com lucidez e com alguma ousadia. É um desafio complexo, é um desafio stressante, é um desafio de todos os dias, temos equipas de crise nos nossos centros a reunir todos os dias, a pensar, a criar soluções, a antecipar, é fundamental que as lideranças antecipem, sejam éticas e empáticas para que o colaborar perceba que está com ele e que se percebe as angustias das pessoas”, salienta.

Este sábado, 10 de outubro, assinala-se o Dia Mundial da Saúde Mental, o tema que vai vai estar em destaque na emissão do Programa ECCLESIA, no domingo, na Antena 1 da rádio pública (06h00).

“A importância do dia tem muito a ver com isto: Olhem agora de uma forma mais específica e mais focada para a sua mental, tem essa importância”, salienta o médico psiquiatra e psicoterapeuta Vítor Cotovio.

CB/PR

Dia Mundial da Saúde Mental – 10 de outubro

“Os dias têm sempre uma coisa ambivalente, que é, não se pode pensar a saúde, nem as políticas de saúde, sem pensar a saúde mental, não se devia. E, nesse sentido, não era preciso haver dias mas como na prática as coisas não são assim é importante que existam dias para sinalizar. Pelo menos que naquela altura as pessoas no geral fiquem sensibilizadas para a importância da saúde mental naquilo que são todos os outros âmbitos da saúde, e para as políticas de saúde mental naquilo que são as políticas todas.

O que é que me interessa ter uma boa política económica se não ligar à saúde mental e tiver as pessoas todas estouradas em casa depois a política económica também entra em falência porque as pessoas não estão preparadas para trabalhar. As várias políticas devem incluir esta visão, temos corpo, temos mente, não podemos deitar isto fora, devia ser pesando numa forma sistémica.”

 

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