Santo Egídio e a paz em Moçambique

4 de outubro 1992. Domingo. Verdadeiramente a paz é ressurreição. A guerra é morte. A paz é vida. Festa de São Francisco, homem de paz. A paz é o fim de um pesadelo. É um nascimento. Por isso a celebramos. Nós assistimos à tentação de recurso à guerra para resolver as tensões. Não. Diálogo não é fraqueza ou fazer pacto com o mal! É a única via para pôr verdadeiramente fim á violência para não aceitar que cresçam as infinitas sementes de divisão ou se alimentem as intermináveis cadeias de violência e de vingança. Para nós de Sant’Egidio a mediação moçambicana foi a prova da força débil dos crentes e dos homens de boa vontade, fruto do facto de não se ter outro interesse senão o da paz, o do diálogo, o da felicidade dos homens. É uma forca que não pode impor e que deve fazer as contas com os enormes interesses e as razões da guerra. Para os crentes esta força vem do imperativo evangélico de não ter inimigos. Do sonho de Deus que recolhe as lágrimas dos homens e não deixa de esperar que as espadas se possam transformar em foices, desarmando as mãos e os corações dos homens. Força que une os que crêem no valor insubstituível da vida humana. Um segredo do acordo é mesmo a sinergia, poderemos dizer a complementaridade. Devemos reflectir como, pelo contrário, se perdem oportunidades de paz mesmo por uma lógica perso-nalista de países e organizações. O acordo de Roma é um dos poucos assinados e respeitados, sem revisões. A mediação (governo italiano, Comunidade de Sant’Egidio e D. Jaime Gonçalves) era variada na sua composição, com actores não em concorrência ou com lógicas paralelas, mas unidos numa saudável e eficaz complementaridade. Pela Comunidade de Sant’Egidio não foi fácil criar esta sinergia; orientar o apoio de toda a comunidade internacional: a sinergia precisa de humildade e paciência. As partes apressaram-se desde o início a reconhecer-se partícipes de “uma mesma família”, encontrando, assim, mesmo no nacionalismo, um denominador comum importante, um alfabeto para escrever as regras da futura convivência pacífica. Chaves do sucesso Porquê em Roma? Em Moçam-bique existia uma indubitável presença italiana sobretudo no âmbito da cooperação. Políticos de diversas proveniências tinham sempre seguido com interesse Moçambique, ajudando, por exemplo a escolha de Maputo para uma adesão pragmática ao Ocidente sem rupturas dolorosas e difíceis. Estes elementos apesar de serem importantes, não teriam sido suficientes para motivar a escolha de Roma. Pelo contrário: poderiam desencadear na Renamo a suspeita para com um país tido como neutro, como grande parte da comunidade internacional. A escolha de Roma deriva do intenso e contínuo trabalho de relações e de confiança desenvolvido pela Comunidade de Sant’Egidio, primeiramente com a FRELIMO (na década de 80 através de múltiplas iniciativas de solidariedade – assim como os dois navios com milhares de toneladas de ajudas para as vítimas da seca – e de valorização do País tais como a investigação histórica para doar aos Arquivos moçam-bicanos as fontes existentes nas congregações religiosas ou as exposições em Itália para dar a conhecer a arte do País e não apenas os seus problemas) e seguidamente com a RENAMO. A Comunidade trabalhou em estreita colaboração com as Igrejas, apoiando e recolhendo o trabalho feito por estas para começar o diálogo. Quando, secretamente, é bom recorda-lo, as duas delegações se encontram em Sant’Egidio em Julho de 1990, dando assim início à mediação verdadeira, elas falaram de “divina coincidência”: Com efeito, seja o Governo, com uma missão autorizada pelo Presidente Chissano em Março de 1990, seja a Renamo, em Junho do mesmo ano, tinham pedido para realizar o primeiro encontro directo mesmo em Sant’Egidio. O texto do Acordo de Paz é um complexo, um conjunto de mecanismos e garantias, fruto de discussões as vezes extenuantes, “passo a passo”, sobretudo os aspectos da discussão. Os negociadores quiseram deixar pouquíssimas ambiguidades no texto, mesmo para evitar o risco de interpretações divergentes e garantir-se uma aplicação do acordo ao abrigo de possíveis e perigosas discussões. O método era claro, extremamente flexível ao mesmo tempo, escolhido mesmo pelo Governo e pela Renamo: encontros directos; nenhum contacto entre eles fora destes; eventuais reuniões informais só na presença da facilitação; nenhum contacto com a imprensa; identificação de uma agenda e soluções dos diversos pontos um por vez. A chave de todo o Acordo está, na minha opinião, no Preâmbulo. Era necessário conjugar a preocupação legítima do Governo sobre a continuidade das instituições com a aspiração da RENAMO de criar novas regras comuns, nas quais confiar, sentidas como o fruto da sua luta. No Preâmbulo o Governo comprometia-se a suspender de facto todas as leis que eventualmente estivessem em contradição com o que fosse acordado em Roma; por seu lado, a RENAMO aceitaria o quadro institucional do país logo que fosse assinado o Acordo de Paz. Para se chegar a isto foram necessários mais de 12 meses. O método do diálogo e da reconciliação tem de se reforçar a todos os níveis: não afirmar a sua convicção sem ter em conta o outro; não impo-la; procuramos sempre, como método, o que une. Pe. Matteo Zuppi Comunidade de Santo Egídio

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