Santarém: Carta de D. Manuel Pelino Domingues sobre linhas de acção pastoral

 “ONDE MORAS?”

 

 “Vinde e vede!”

(Jo 1,38-39)

1. O homem à procura de Deus

Nestes tempos de descrença parece que Deus não mora na cidade dos homens. Em que notamos a Sua falta? Como procurá-lo e encontrá-lo?

Na peregrinação que realizou no Ano Santo a Santiago de Compostela, a 6 de Novembro de 2010, Bento XVI afirmou que o homem, no íntimo do seu ser, está sempre a caminho, anda à procura da verdade. E a verdade simples e decisiva que a Igreja propõe à Europa é de que “Deus existe e é ele quem nos deu a vida… É uma tragédia que na Europa se afirmasse e divulgasse a convicção de que Deus é o antagonista do homem e inimigo da sua liberdade…Nós homens não podemos viver às escuras sem ver a luz do sol”(homilia em Santiago). De facto, Deus é como a luz do sol nascente que ilumina os que vivem nas trevas.

Na mesma linha, declara o Papa, na entrevista publicada no livro “Luz do mundo”, “hoje o importante é voltar a ver que Deus existe, que nos diz respeito e que nos responde”. Pois “quando Deus é suprimido o homem perde a sua dignidade e a sua verdadeira liberdade e, por consequência, o essencial desmorona-se”. Notamos, na verdade, que, quando as pessoas perdem Deus do horizonte, caem na idolatria, adorando realidades efémeras, fecham-se no materialismo e no individualismo, empobrecem em todas as dimensões. Sem a luz de Deus não temos orientação no caminho tempestuoso da vida.

Caros amigos que partilhais comigo a preocupação de caminhar na luz da fé e levar ao mundo uma maior esperança e amor: o ateísmo que Bento XVI lamenta chegou também até nós e penetra nas mentalidades e no estilo de vida dos nossos contemporâneos. Tornou-se uma moda fácil. Mesmo onde perduram ritos católicos e sobrevivem expressões de religiosidade tradicional, Deus, frequentemente, não influencia os critérios e a orientação da existência. Parece ausente da vida quotidiana, não mora na nossa cultura. Onde mora Deus?

É preciso enfrentar o eclipse de Deus na cultura contemporânea e descobrir o Seu verdadeiro rosto de Pai, Criador, Amigo e Guia do homem. O ambiente de indiferença ou de descrença tem condicionado fortemente a convicção e a prática do cristianismo e reflecte-se na dificuldade de transmitir a fé. A ausência de Deus repercute-se igualmente na ausência de referências éticas e no desmoronar dos valores humanos. É preciso descobrir o rosto de Deus porque, encontrando-O, encontramos o rosto do homem, a grandeza e a dignidade da pessoa. Esse é o papel importante que a Igreja deve prestar à sociedade actual: “Velar por Deus e velar pelo homem a partir da compreensão que de ambos se oferece em Jesus Cristo” (homilia em Santiago). Como bem compreendeu Santa Teresa de Jesus: “Só Deus basta”. Basta quando o Seu amor nos enche o coração de luz e de esperança, como confessava Santo Agostinho: “Criaste-nos para Vós e o nosso coração anda inquieto enquanto não vos encontrar”.

É o desafio que faço na presente Carta Pastoral: procurar a morada de Deus, aprofundar a nossa experiência de comunicação com Ele. Deus caminha à nossa frente, sempre novo e diferente do que imaginamos. Na medida em que crescemos na verdade e no amor de Deus, podemos purificar continuamente as imagens sempre provisórias com que O representamos e testemunhar a nossa fé com humildade e credibilidade. Na verdade, como afirma o documento do Concílio Vaticano II, “Gaudium et Spes”, “os crentes podem ter alguma responsabilidade no ateísmo, na medida em que pelo descuido na educação da fé, ou pela exposição incorrecta da doutrina ou ainda pelas falhas da sua vida religiosa, moral e social, escondem em vez de revelar o verdadeiro rosto de Deus e da religião”. (GS 19).

Esta proposta integra-se na grande preocupação da Igreja actual, tanto a nível universal como nas dioceses do nosso país, em encontrar caminhos para uma nova evangelização. De facto, o secularismo, a indiferença religiosa e, ainda mais, a idolatria tornam difícil viver e transmitir a fé. Os tempos mudaram e o cristianismo tradicional necessita de se renovar no sentido de maior esclarecimento e irradiação. A nova evangelização desafia-nos a descobrir as grandes mudanças da sociedade e a dar um novo vigor ao anúncio do evangelho, realçando o fundamental: procurar Deus, pôr-se a caminho para descobrir o Seu rosto, ver e aderir à novidade do evangelho. Na verdade, só podemos evangelizar a partir do que vimos e vivemos, a partir da experiência pessoal de fé.


“Vós sois um Deus escondido, Deus de Israel Salvador” (Is 45, 15).
A existência e a imagem de Deus não são evidentes. Como afirma São Paulo aos atenienses, “Ele quis que o homem O procurasse mesmo “às apalpadelas”, embora não se encontre longe de cada um de nós” (Act 17, 27). Somos, realmente, peregrinos à procura da morada de Deus, criaturas em busca da graça, da beleza, da paz e do amor. Vamos aprofundar este mistério de Deus e do homem a partir da narrativa do evangelho de São João sobre o encontro de Jesus com os primeiros discípulos. Será o ícone inspirador do plano e programa pastoral de 2011/2012.

2. Que procurais?

Jo 1, 35- 40: “No dia seguinte, João encontrava-se de novo ali com dois dos seus discípulos. Então, pondo o olhar em Jesus, que passava, disse: «Eis o Cordeiro de Deus!» Ouvindo-o falar desta maneira, os dois discípulos seguiram Jesus. Jesus voltou-se e, notando que eles o seguiam, perguntou-lhes: «Que procurais?» Eles disseram-lhe: «Rabi – que quer dizer Mestre – onde moras?» Ele respondeu-lhes: «Vinde e vede.» Foram, pois, e viram onde morava e ficaram com Ele nesse dia. Eram as quatro da tarde.

André, o irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram João e seguiram Jesus. Encontrou primeiro o seu irmão Simão, e disse-lhe: «Encontrámos o Messias!» – que quer dizer Cristo. E levou-o até Jesus. Fixando nele o olhar, Jesus disse-lhe: «Tu és Simão, o filho de João. Hás-de chamar-te Cefas» – que significa Pedra”

A primeira interrogação que Jesus coloca aos seus seguidores, e neles a todo o homem, segundo este texto do evangelho de São João, relaciona-se com o sentido da vida: “Que procurais?”. Eles respondem: “Onde moras”? A atitude interior de procura da morada de Deus é fundamental no percurso da existência para descobrir a boa nova de Cristo e o sentido da vida humana.

A pessoa humana vive numa procura constante de algo que lhe falta para encontrar a plenitude. Procura a paz, a alegria, anseia por uma vida bela e realizada, perfeita. Onde pode o ser humano encontrar estes frutos que habitualmente associamos à fé em Deus? Sentimos, no nosso íntimo, carências indisfarçáveis, solidão existencial, limitações e fragilidades insuperáveis, tentações para o pecado. Onde podemos encontrar a resposta ao anseio profundo de plenitude, de dignidade e fraternidade?

A tentação é confiar apenas nas riquezas económicas, nas possibilidades do progresso, nos poderes do mundo, nas vaidades, nas capacidades humanas. A crise que atravessamos e a experiência que vamos amadurecendo revelam, porém, a inconsistência destes alicerces materiais e humanos. A idolatria do dinheiro não só afasta de Deus mas escraviza e desumaniza, levando as pessoas a fecharem-se em si mesmas. A crise actual manifesta como são enganadores os projectos e as realidades materiais quando absolutizados.

De facto, para além da crise económica, nota-se também uma crise existencial, de sentido da vida humana; bem como uma crise social de confiança na vida, nas pessoas e nas instituições; é notória igualmente uma crise moral de valores e de responsabilidade; e, no fundo e como origem, uma crise espiritual. As pessoas vivem para si mesmas, fecham-se nos seus interesses. Sem Deus, não encontram um apoio firme a que agarrar-se, nem uma referência objectiva da bondade e da verdade. A fraude e a corrupção parecem generalizar-se. Experimenta-se grande insegurança e instabilidade. Tudo parece relativo e inconsistente. Em que âncora podemos encontrar segurança para a nossa existência?

Deus é a rocha segura que dá solidez à vida humana e fundamenta os valores éticos que lhe dão sentido. Os grandes buscadores ou peregrinos de Deus que a Bíblia nos apresenta já no Antigo Testamento como, por exemplo, Moisés, Isaías, Elias, mostram que, se encontrarmos Deus, encontraremos também o amor, a paz, a fraternidade, numa palavra, o sentido do mundo, da história e da vida humana. Neste contexto entendemos a promessa de Jesus Cristo: “Eu vim para que tenham a vida em plenitude”. O Novo Testamento inaugura uma relação de aliança ainda mais próxima e interior com Deus presente na natureza humana através de Jesus Cristo.

Deus é a luz da vida, sem Ele andamos nas trevas, desorientados. É o sentido do nosso percurso existencial. Sem Deus andamos à deriva. É o Criador e o Senhor da vida humana. Sem Deus faltam referências. Falta sobretudo o apelo ao amor verdadeiro, à liberdade e à fraternidade. Precisamos de Deus como a terra árida precisa de água: “a minha alma tem sede de Vós, meu Deus…”(Sl 42,3)

3. Onde moras?

 “Onde moras”? Perguntaram os discípulos. Jesus não tinha palácio para mostrar, nem morada permanente neste mundo. Nem sequer uma pedra onde reclinar a cabeça. Ele é o peregrino que caminha com os crentes e os segura pela mão. Mora no coração dos que O amam e O seguem. Descobrir a Sua morada, como aprendemos com os discípulos de Emaús, é acreditar que Ele se cruza connosco e nos acompanha no nosso caminho, é escutar a Sua palavra que aquece o coração e saborear a Sua presença na “fracção do pão”, é associar a comunhão com Ele à participação na vida da comunidade. O encontro com o Deus vivo transforma a vida dos crentes e motiva-os a comunicarem a outros a descoberta feita: André, quando descobriu a morada de Jesus, foi comunicar ao irmão Pedro e levou-o ao Messias.

“Onde moras” é uma interrogação existencial que se levanta no coração humano de todos os tempos. Onde mora e como podemos encontrar Deus? Nos céus proclamam os cristãos quando rezam “Pai Nosso que estais nos céus”. O céu, porém, não é um lugar geográfico. Significa sim que Deus está para além da nossa vista e das capacidades dos nossos sentidos. Mas está próximo de quem O invoca. Através de Jesus Cristo, Deus estabeleceu a sua morada entre nós: “O Verbo encarnou e habitou entre nós. E nós vimos a sua glória”(Jo 1,14)… Pela vinda de Jesus ao mundo, realiza-se, portanto, o pedido de Moisés que, tendo-se levantado muito cedo e subido ao monte Sinai para se encontrar com Deus, lhe pediu: “Se encontrei Senhor aceitação a vossos olhos, digne-se o Senhor caminhar no meio de nós” (Ex 34, 9).

Procurar a morada de Deus é pôr-se a caminho do Seu mistério, como Moisés e Elias subiram ao monte Sinai, ou como os primeiros discípulos seguiram Jesus, é prestar atenção aos sinais da Sua presença, buscar o Seu rosto verdadeiro, ofuscado por tantas caricaturas e ídolos, esforçar-se por entrar em comunicação com Deus. Não é uma questão de pesquisa científica ou de investigação do raciocínio humano. Deus não é uma hipótese teórica. É uma pessoa que tem a Sua morada entre os homens e vem ao nosso encontro, procurando-nos também. “Estou à tua porta e bato. Se abrires entrarei e cearei contigo”.

Num ambiente de indiferença é urgente pormo-nos a caminho ao encontro de Cristo, procurando a morada de Deus e amadurecendo uma experiência pessoal de fé. Deste modo, podemos seguir o caminho da vida, crescer na verdade, na esperança e no amor, viver a alegria da Sua presença e anunciar o evangelho da paz: “Eu sou a luz do mundo. Quem Me segue não anda nas trevas, mas terá a luz da vida”. (Jo 8, 12).

4. “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”

As pessoas do nosso tempo, à partida, não se mostram motivadas para a procura de Deus. Como despertar nos nossos contemporâneos o interesse por Deus e abrir o coração à procura da Sua morada?

No trecho do evangelho referido, a atitude de procura é motivada pela apresentação de Jesus feita por João Baptista: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Éo primeiro anúncio que leva ao primeiro passo do percurso da fé.

A apresentação de João Baptista situa-se num contexto concreto: João pregava a conversão e baptizava as pessoas que mostravam arrependimento e desejavam alcançar uma vida nova: “João Baptista apareceu no deserto, a pregar um baptismo de arrependimento para a remissão dos pecados. Saíam ao seu encontro todos os da província da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém e eram baptizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados” (Mc 1,4-5). A pregação e o baptismo de João levam ao reconhecimento do pecado e à vontade de vencer a sua força e de recomeçar uma existência nova.


“Cordeiro de Deus”
é uma imagem bíblica, colhida em Isaías (Is 53, 7), que realça o sacrifício do Messias pela salvação dos pecadores. Está relacionada com o cordeiro pascal que os judeus imolavam como memória da libertação do Egipto. Jesus entregou-se por nós na cruz na altura da Páscoa judaica. Podemos, portanto, entender esta imagem como anúncio da cruz de Cristo onde se manifesta a beleza do amor que salva. A apresentação do Baptista desperta interesse e motiva os discípulos para o encontro com Jesus. Vai de encontro a um problema religioso e humano que só Deus pode solucionar: tirar o pecado do mundo. O pecado que parece reinar no mundo gera uma verdadeira escravidão.

A obra de Jesus é erradicar o pecado do mundo. Ele tem as chaves do perdão e da transformação de vida de cada um e do mundo. O mundo novo que Ele vem construir começa pelo reconhecimento do pecado e pela vontade sincera e eficaz de reconstruir a existência.

A força do mal faz-se sentir em todos os tempos. Embora hoje se tenha diluído ou por vezes perdido a consciência de pecado, as pessoas têm percepção da crise moral, da força da corrupção, do poder da violência, da exclusão, das desigualdades e injustiças, da ausência de esperança e de alegria. Não serão estas as marcas do pecado do mundo? Jesus vem como luz para iluminar todo o homem que vem a este mundo de trevas. Rejeitar a sua luz, segundo São João, é a origem do pecado: “A Luz veio ao mundo e os homens preferiram as trevas à Luz, porque as suas obras eram más” (Jo 3,19). De facto, o Deus da santidade torna-se incómodo a quem se deixa escravizar pelos ídolos do mundo.

Precisamos de apresentar Jesus ao mundo como aquele que pode trazer uma nova existência e vencer o poder do mal. É preciso erguer a cruz de Cristo, sinal do Seu amor que salva e liberta da idolatria, como Moisés ergueu a serpente no deserto. “Cordeiro de Deus” é a imagem do rosto misericordioso de Jesus num mundo de violência. O Papa João Paulo II via na misericórdia de Deus a mensagem capaz de iluminar e contrabalançar as ideologias do mal e os sofrimentos da humanidade. 

 5. Vinde e vede

<span>A proposta de Jesus aos primeiros discípulos “vinde e vede” mostra que, afinal, Jesus também os procura. Deseja dar-se a conhecer em profundidade e estabelecer uma relação de amizade pessoal com aqueles jovens que estão dispostos a encontrar a sua morada. Como se dissesse “Vinde, caminhai comigo. Vede, verificai vós mesmos, pela vossa experiência pessoal a apresentação de João Baptista”. Várias vezes no evangelho encontramos este desafio de Jesus: “Vinde a Mim, vós que andais sobrecarregados e encontrareis a paz!”; “Vinde após mim!” “vem e segue-me”</span>

Deus vem ao nosso encontro e cruza-se connosco se caminharmos também ao encontro d’Ele. Pôr-se a caminho é desprender-se dos apegos e dependências, desinstalar-se do comodismo e das ideias feitas. Não se faz caminho sem renúncia a si mesmo, ao pecado, ao egoísmo. “Preparai o caminho do Senhor” pregava João Baptista, “endireitai as suas veredas”. Procurar a morada de Deus não é apenas conhecer a doutrina cristã. A fé é, sobretudo, um encontro com uma pessoa. Deus não é uma verdade teórica ou uma ideia. É alguém com quem podemos comunicar. Não é apenas um Deus de quem falamos mas um Deus a quem falamos e a quem seguimos.


“Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8, 34).
Precisamos de recuperar a dimensão catecumenal da formação cristã que nos conduz à configuração com Jesus Cristo, através de exercícios espirituais como a oração, a celebração, o serviço ao próximo, a prática fiel do evangelho. Recomendamos, nesse sentido, as orientações pastorais diocesanas “Celebrar os sacramentos na fé da Igreja” que aplicam a pedagogia catecumenal à preparação dos sacramentos de iniciação cristã e à formação cristã em geral.

Quando nos pomos a caminho, descobrimos novos horizontes, vemos novas realidades. ”Vede”: A fé é adesão a realidades invisíveis (Heb 11,1) mas a existência e a vontade de Deus manifestam-se em sinais visíveis. A proposta da fé em Deus é apoiada em fundamentos visíveis, em vestígios da Sua presença e acção. Para acreditar e caminhar ao encontro de Deus invisível, precisamos de “ver” os sinais da Sua presença e do Seu desígnio. As pessoas têm necessidade de ver e experimentar os sinais de Deus. Quais são mais credíveis e significativos para os nossos contemporâneos?

O sinal ou sacramento fundamental é a Igreja na sua vida e acção, ou seja: a união e a ajuda fraterna dos fiéis; o sentido de comunidade, a unanimidade no afecto e na acção; a vida nova dos cristãos, diferentes do mundo, livres das dependências das riquezas, da vaidade, da sensualidade e de outros ídolos; a pregação do evangelho da paz e da esperança; a celebração litúrgica dos dons de Deus; a piedade popular, etc. Pela imagem comunitária e pelas obras de evangelização, de caridade e de misericórdia, a Igreja manifesta-se como a morada de Deus entre os homens, como o templo em que Deus se torna presente no mundo.

No conjunto das actividades que a Igreja realiza, devemos reconhecer o relevo da liturgia, principal epifania da Igreja (Cf SC 2). Ora a liturgia parece ter diminuído a capacidade de convocação e de atracção. Tem diminuído a prática dominical em várias comunidades, a presença dos jovens é reduzida, as crianças apresentam dificuldades para participar. Como tornar as celebrações da liturgia mais vivas e festivas, respeitando as normas da Igreja e relacionando-as com a vida? 

A procura de Deus cultiva-se quotidianamente pela oração. É a elevação da alma para Deus, o exercício para vencer a nossa distracção e dispersão e entrarmos em comunicação com o “Deus escondido” mas próximo de nós. Comunicar com Deus impele-nos a sair de nós mesmos e a vencer a solidão: Quem reza não está só mas na companhia de Deus.

A oração leva-nos por outro lado a ver na luz de Deus e a identificarmo-nos com o seu projecto. Não nos afasta da vida mas leva-nos a entender os acontecimentos na perspectiva da fé e a empenharmo-nos por construir o Reino de Deus que “é justiça, paz e alegria no Espírito Santo”(Rm 14, 17). Por isso, é urgente promover a oração pessoal, em família e nas comunidades. Na educação para a oração são fundamentais os retiros.

A árvore conhece-se pelos frutos. Quando os frutos do Espírito Santo adornam  a vida dos fiéis, a Igreja apresenta-se bela como um jardim com flores e frutos. “Vede como eles se amam” deveriam exclamar também hoje os que observam os cristãos. Um amor traduzido na bondade, na alegria, no perdão na misericórdia. Um amor que salva e que cura as feridas. Vemo-lo na vida dos santos. Precisamos de os ver também na vida dos fiéis. São os frutos do Espírito Santo que mostram a qualidade da árvore que é a Igreja.

 6. Levar a Jesus

Depois de seguir Jesus e ver onde morava, o discípulo André foi ter com o irmão Pedro “e levou-o até Jesus”. É hoje urgente retomar esta dinâmica de evangelização: primeiro pôr-se a caminho e ver, ou seja, fazer uma experiência pessoal de encontro na fé; depois levar os outros a Jesus. Quem faz uma experiência ou exercício de vida cristã, procure depois chamar e levar outro (participação num percurso de formação; retiro; preparação para um sacramento; curso intensivo de vida cristã; celebração da fé, etc.).

Há muita solicitação para o afastamento da Igreja e de Deus. Há muitas forças e realidades que desviam da morada de Deus. Há quem chame para fora e desencaminhe da fé e da esperança, da comunidade e da verdade. Anda muita gente desorientada, vazia, às escuras. Deus precisa de quem chame para o bem, para a luz da verdade e do amor, quem guie para a comunidade e para o caminho da vida. Sem este empenho em chamar, em esclarecer e dar razões da esperança não evangelizamos nem transmitimos a fé.

É urgente uma nova evangelização que retome o dinamismo da transmissão da fé. Será o tema do próximo Sínodo. Por isso devemos colocar como prioridade na acção pastoral diocesana cultivar a dimensão missionária da vida cristã. Ser discípulo de Cristo é ser testemunha da fé, é chamar outros e levá-los a Jesus, como fez André em relação a Pedro. O empenho pela missão deve estar presente nas várias dimensões da vida cristã: em cada fiel; nas famílias; nas comunidades; nos movimentos e organismos eclesiais.

Comunidades missionárias

Formar discípulos. Cada comunidade cristã, no conjunto dos seus membros, é chamada a pôr-se a caminho, a fazer o itinerário de crescimento espiritual assente nas assiduidades características da comunidade cristã modelo: na escuta orante da Palavra de Deus; na união fraterna e partilha de bens; na participação fiel e frutuosa da eucaristia; nas orações e no apostolado (Cf Act 2,2-47).

A renovação das comunidades, no sentido de comunhão e missão, exige a formação de pequenos núcleos de cristãos qualificados, zelosos, com boa relação e capacidade de irradiação que, no interior da comunidade, sejam “fermento na massa” e funcionem como pólo dinamizador. Temos, graças a Deus, Movimentos e percursos de formação que podem prestar ajuda notável na formação destes “fermentos” (iniciação cristã de adultos; “lectio divina”; cursos alpha e de cristandade; caminho neocatecumenal; renovamento carismático; movimentos familiares, etc.). Uma comunidade missionária precisa de fazer constantemente propostas de formação, proporcionado exercícios de fé, dando importância aos organismos da pastoral especializada (Secretariados Diocesanos). 

O percurso espiritual de cada cristão na configuração com Cristo deve traduzir-se na comunhão fraterna: “Completai a minha alegria, tende entre vós os mesmos sentimentos, conservai a caridade, unidos numa só alma, considerai os outros superiores a vós mesmos, sem olhar cada um aos seus interesses mas aos interesses dos outros”. (Cf Filip 2, 3.4). A união fraterna e superação de divisões alcança-se se cultivarmos a renúncia a nós mesmos e uma atitude positiva e construtiva, de compreensão e acolhimento mútuo. Uma comunidade cristã será missionária se mostrar a todos um testemunho de união fraterna e de acolhimento.

Como concretização prática é recomendável organizar em cada comunidade “grupos de acolhimento e missão”. Propostos já no Ano Paulino (Cf guião diocesano do Ano Paulino, 121), estes grupos dedicam-se a fazer face ao anonimato e à solidão, visitando e integrando pessoas isoladas, a acolher os participantes na eucaristia, a ir ao encontro de idosos, doentes ou necessitados. Serão assim um rosto visível da missão e do chamamento ao caminho do evangelho.

Onde há caridade e amor aí mora Deus: “A Deus nunca ninguém O contemplou. Se nos amamos uns aos outros Deus mora em nós…Sabemos que moramos em Deus e Ele em nós porque nos deu o Seu Espírito” (1 Jo 4, 12-13). Neste mundo onde abunda o pecado, o egoísmo, a idolatria do dinheiro, a corrupção, a injustiça, procurar Deus é procurar a beleza do amor que salva. “A caridade na verdade …é a força propulsora principal para o desenvolvimento verdadeiro da pessoa e da humanidade inteira … é uma força extraordinária que impele as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz” (Caritas in Veritate, 1). Procurar a morada de Deus é crescer no amor e encontrar, assim, a perfeição do homem e a salvação do mundo.

+Manuel Pelino Domingues, Bispo de Santarém

 

LINHAS DE ACÇÃO PASTORAL 2011 2012

A Carta Pastoral é o suporte de um programa de actividades eclesiais a pôr em prática ao longo do ano pastoral. Destacamos algumas:

Pôr em prática a nova evangelização para a transmissão da fé

Aprofundar e esclarecer continuamente a fé.

Viver e testemunhar a fé num mundo de indiferença.

Exercer os ministérios, designadamente o ministério ordenado, de forma missionária.

Procurar novos caminhos e pedagogias para anunciar Jesus Cristo como Salvador

 Expectativas e procuras

Conhecer objectivamente a realidade que constitui o ponto de partida da evangelização.

Identificar os principais obstáculos que se colocam a acreditar em Deus e a viver a fé.

Descobrir as aberturas à fé e a pedagogia adequada para a despertar.

Prestar atenção aos sinais dos tempos.

 A fé cristã como caminho

Procurar continuamente o rosto de Deus fazendo da fé um caminho para a luz em confronto com as dúvidas.

Exercitar ritmos de vida cristã dentro da pedagogia catecumenal.

Pôr em prática as orientações pastorais diocesanas “Celebrar os Sacramentos na fé da Igreja”.

 Vinde e vede

Valorizar os sinais visíveis da fé cristã (arte sacra e diálogo com a cultura; peregrinações a santuários; vidas de santos; etc).

Promover exercícios de fé que levem a experimentar a comunicação com Deus: oração; retiros; recolecções; celebração de vigílias e exéquias pelos defuntos; sacramento da reconciliação.

Celebrar a liturgia, sobretudo a eucaristia, de forma cativante, fiel às orientações da Igreja e bem preparada em todos os aspectos.

Estruturar os órgãos de participação na vida comunitária, designadamente os conselhos económicos e pastorais.

Chamar para o caminho de Deus

Oferecer aos fiéis experiências do Primeiro Anúncio da Fé e dar-lhes continuidade.

Realçar a pedagogia catecumenal da catequese e na formação dos fiéis.

Favorecer o despertar religioso dos mais novos (3, 4 anos).

Promover a EMRC na escola pública.

Dinamismo missionário

Cultivar a dimensão missionária na vida de cada fiel e incentivar à evangelização pelo contacto pessoal.

Desenvolver a perspectiva missionária em cada comunidade.

Promover uma experiência missionária em cada vigararia.

Incentivar os organismos diocesanos a imprimir a preocupação missionária nas áreas a que se dedicam (catequese; liturgia; caridade; família; juventude e vocações…)

Promover e apoiar a formação da família como comunidade de amor e de vida e como lugar de educação humana e cristã.

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