Renovar a espiritualidade do sofrimento

Pe. José Nuno, Coordenador Nacional das Capelanias Hospitalares, fala sobre as muitas questões ligadas à relação entre Fé e sofrimento. Uma área em que não há respostas óbvias, alerta. ECCLESIA (E) – Estamos a viver o tempo de Quaresma, também marcado pelo sofrimento. A Igreja é acusada de incidir demasiado no sofrimento quaresmal. Esta é a visão que a sociedade tem da Igreja? Pe. José Nuno (JN)- A sociedade tem uma imagem falsa sobre a forma como a Igreja encara o sofrimento. Mas também a Igreja tem muitas imagens falsas na interpretação do sofrimento. Ao falarmos da Quaresma devemos falar da exercitação quaresmal. Tudo o que fazemos na Quaresma, que implique alguma renúncia, é uma exercitação. Enquanto exercitação, é um meio não um fim. A exercitação quaresmal tem sentido porque nos torna capazes de acolher a verdade que a Páscoa oferece em cada ano. O nosso discurso sobre o sofrimento nem sempre é consentâneo com esta vertente luminosa e branca da Páscoa da ressurreição. E – A celebração da Páscoa incide numa perspectiva mais sombria? JN –Tendemos a um discurso do sofrimento pelo sofrimento, que às vezes, e com razão, é apelidado de masoquismo. Há algumas correntes de espiritualidade que atravessam a história da Igreja e que talvez ainda subsistam, que valorizam o sofrimento em si mesmo. Mas o sofrimento em si é um mal, que pode ser oportunidade de algumas coisas boas. O sofrimento não é pascal em si mesmo. Precisamos de reformular a nossa linguagem e perceber que o sofrimento tem um potencial pascal. No entanto, para que este potencial pascal actue e seja transformador, é preciso evangelizar a vivência cristã do sofrimento e, tendo Jesus Cristo como exemplo, ver o modo como ele viveu o sofrimento. Jesus Cristo lutou contra tudo o que foi sofrimento e aceitou o inevitável, transformando-o em esperança e amor. Esta é a espiritualidade do sofrimento que devemos saber viver e apresentar. Na exercitação quaresmal é isto que nos é proposto como renúncia e penitência, para desenvolver capacidades interiores que nos tornam incapazes de percorrer este caminho. E – O sofrimento tem respostas ou é caminho? JN – Não podemos pensar que a fé oferece uma resposta óbvia. Quem assim o pretender, aumenta apenas o sofrimento. A fé oferece um caminho para atravessar a experiência do sofrimento. Mas oferece enquanto caminho, não como resposta adquirida. Jesus na cruz pergunta «meu Deus, onde estás? Porque me abandonaste?» Ele percorre o caminho, não o ilude. É este o caminho que precisamos percorrer. Partir da experiência do sofrimento que nos faz perguntar por Deus, e também por nós próprios, pela nossa verdadeira identidade, de forma a tornarmo-nos mais conscientes sobre quem somos, da nossa insuficiência e da necessidade que temos de Deus, e nos faz chegar ao fim e dizer «entrego o meu espírito, tudo está consumado». Mas isto é um trajecto não é uma resposta óbvia.

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