Que sentido tem a Igreja elogiar a Igualdade?

Pe. Tolentino Mendonça, director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura

 

No próximo dia 25 de Junho em Fátima, a Igreja Portuguesa, através da sua Pastoral da Cultura Nacional, vai debater o tema da Igualdade. No ano em que se comemora o centenário da implantação da República, os católicos portugueses são chamados a confrontar-se com o ideário republicano da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, e a lê-lo a partir da especificidade da tradição cristã. Esta leitura que a Igreja faz é sem qualquer complexos. De facto, a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade inscrevem-se, desde sempre, no património mais íntimo da própria formulação cristã. Hoje, o desafio que os católicos portugueses são chamados a enfrentar, é o de uma tradução culturalmente criativa e existencialmente profética destes valores que partilham com outros, numa sociedade plural e aberta.

Cristianismo e Igualdade

A Igualdade é um motivo culturalmente incómodo, mas não é de agora. Podemos mesmo dizer que no processo de auto-consciência do movimento cristão das origens, a questão da Igualdade emergiu, aos olhos dos contemporâneos, como uma reivindicação algo bizarra da mensagem cristã. Quando, por exemplo, Paulo de Tarso sintetiza num enunciado igualitário as implicações da experiência cristã, «não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus» (Gal 3,28), isso imediatamente colocou o cristianismo numa trajectória cultural de contra-corrente. Mas é sempre essa a relação que o cristianismo é chamado a manter com o horizonte cultural de todos os tempos: dialogar sem deixar de interrogar, absorver sem baixar o sentido renovador e profético, ser consonante sem perder a ousadia de declarar-se em alternativa, não apenas no discurso sobre Deus, mas também na visão da Pessoa Humana.

Em relação às origens do cristianismo, o quadro era este: a condição humana regulava-se prevalentemente pela proveniência étnica e familiar, pela detenção ou exclusão da cidadania, pelo género ou pelo acesso aos bens materiais e ao conhecimento. Neste acentuar de particularismos vários, não havia lugar para a igualdade. Ora, contrariando e transformando este contexto, o cristianismo das origens levantou, em nome da universal pertença a Jesus, a bandeira da igualdade. Uma reclamava a outra: para haver universalidade era preciso afirmar a consideração de uma igualdade fundamental. Desde o princípio, não houve dúvidas na Mensagem cristã que todos os Seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus e salvos por Cristo, são radicalmente iguais em dignidade.

Ora, se esta é hoje uma questão teologicamente resolvida, sabemos como cultural e socialmente continua em aberto e em ebulição. Velhos e novos desafios se colocam hoje às nossas sociedades e requerem a actualização da frescura profética que o cristianismo disseminou. Como disse por diversas vezes o Papa Bento XVI na sua passagem entre nós, «nestes últimos anos, alterou-se o quadro antropológico, cultural, social e religioso da humanidade». E um dos sintomas mais preocupantes deste quadro em mudança é precisamente a tentativa de marginalizar e privatizar o sentido da vida, desvalorizando-o e implantando novas injustificadas assimetrias.

Igualdade na Alteridade

É claro que a Igualdade, em chave cristã, não se confunde com um igualitarismo que não tenha em devida conta o carácter pessoal e único de cada experiência humana. A Igualdade tem de ser uma coreografia inclusiva, capaz de integrar, em salutar equilíbrio, o horizonte das singularidades e convocando-as para uma construtiva e interminável relação. Como escreveu D. Manuel Clemente, lançando precisamente o Encontro que a Pastoral da Cultura promove: as nossas diferenças são «possibilidades de ser com os outros, dando e recebendo mutuamente, porque os outros são na verdade outros e nós os outros dos e para os outros… Quererá isto dizer que a igualdade só pode acontecer entre seres distintos que partilhem o que têm».

No fundo, só acolhemos o outro como igual, quando atendemos profundamente, e até ao fim, à sua alteridade infinita.

P. José Tolentino Mendonça

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