Presidente da ERC apela a «ética das audiências»

Debate sobre mensagem de Bento XVI lança celebração do Dia Mundial das Comunicações Sociais José Alberto Azeredo Lopes, presidente da Entidade Reguladora da Comunicação (ERC), deixou esta Terça-feira, em Lisboa, um apelo em favor da “ética das audiências”, desafiando os cidadãos a procurarem educação para “para podermos interpretar” a oferta mediática que chega todos os dias. Num debate em torno da mensagem de Bento XVI para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, que a Igreja Católica celebra no dia 4 de Maio, Azeredo Lopes lamentou a “gradual responsabilização do actor jornalista e desresponsabilização do actor individual”. Nesse sentido, o presidente da ERC destaca que o texto do Papa tem como maior contributo“chamar a atenção para a responsabilidade individual dos utilizadores dos media, também em benefício próprio”. Para Azeredo Lopes, qualquer código deontológico dos jornalistas faz mal quando “incide apenas sobre os jornalistas”, pedindo, por isso, uma ética empresarial. José Manuel Fernandes, director do jornal “Público”, referiu que o jornalista “deixou de ser apenas um intermediário”, mas tem de desempenhar um papel mais exigente, “de alguma forma o polícia sinaleiro, que indica o que é mais ou menos importante, que faz com que pontos de vista minoritários não desaparecem”. Por isso, destaca, é cada vez mais importante a “credibilização do lugar de alguém que diz que a informação é verdadeira ou que uma opinião é válida”, bem como a existência de um quadro de valores, sem o qual não teremos “uma boa imprensa”. Este responsável apresentou os media como “contrapeso” no sistema do poder, “não devendo querer quarto, terceiro, segundo ou primeiro poder, embora com real poder”, mas fazendo funcionar os outros contrapesos ao “fazer circular a informação”. Para o director do “Público”, é fundamental “privilegiar a importância do pluralismo, mas tendo como pano de fundo que pluralismo não é sinónimo de relativismo”. Numa referência directa à mensagem de Bento XVI, que se centra na questão da infoética, José Manuel Fernandes admite que “muitos jornalistas farão equivaler infoética a deontologia”, mas considera que “isso seria um equívoco”, dado que os códigos não podem prever todas as situações e são menos exigentes do que “um julgamento ético”, que é “informado por valores”. D. Manuel Clemente, presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais (CECBCCS), lembrou que vivemos num tempo em que qualquer pessoa, independentemente da idade, já teve mais informação do que qualquer geração anterior. “Não estamos capacitados para termos imediatamente um juízo sobre os acontecimentos que nos são apresentados”, admite. Comunicação e espectáculo Neste debate, promovido pela CECBCCS na UCP, Azeredo Lopes destacou a necessidade de não considerar como tal “tudo que é apresentado como jornalismo”, advertindo para o “efeito de contaminação” entre informação e espectáculo, negócio e serviço fundamental de interesse público. Para José Manuel Fernandes “não há fronteiras definidas, porque temos de comunicar a informação, lógicas e regras para comunicar bem são necessárias ao ofício de informar”. Neste campo, por várias vezes, a pressão de “ser o primeiro” faz passar por cima de alguns critérios éticos. “Apesar de tudo, mesmo em directo, somos mediadores”, defendeu este responsável, pedindo um “tempo de reflexão mínima” A médio prazo, indica, “essa coerência acaba por pagar positivamente”, ao contrário da “corrida pela caixa”. A este respeito, o director do “Público” indicou que bastaria “olhar para a sucessão de títulos que foram manchete de jornal sobre o caso McCann e as contradições e os excessos em que se entraram, como se não houvesse memória”. Já o presidente da ERC indicou que o “mito da liberdade comunicacional”, global e quase deificada, não deve evitar uma reflexão sobre o “excesso de informação”, que impede de “destrinçar o produto plausível” e que pode, “mais do que tornar-nos mais capazes, mais informados, tornar-nos mais incapazes”. “O mito da proximidade do outro é algo que nos pode levar, precisamente, a desconhece-lo”, acrescentou, frisando que “a presunção do conhecimento leva, muitas vezes, à indiferença”, sem gerar processos colectivos de intervenção. “Não acredito nas virtudes miríficas que advêm da ideia que cada um de nós é um interventor num espaço público cada vez mais universal”, disse Azeredo Lopes. Também D. Manuel Clemente insistiu na ideia de que “saber só não chega”, referindo-se, como exemplo, às situações do Darfur e do Tibete. Novas perspectivas da Igreja Na abertura do debate, D. Manuel Clemente aludiu à “relativa novidade” presente na mensagem do Papa, que é a de considerar os meios de comunicação como “parte constitutiva” dos processos em curso na sociedade actual. Azeredo Lopes quis também sublinhar esta “concepção nobre da comunicação social, promovida de instrumento a algo constitutivo”. O Bispo do Porto indicou que este “carácter mais essencial” dos media, que traz uma “responsabilidade acrescida”, salientando a contribuição dos Meios de Comunicação Social em campos como a alfabetização ou os avanços da democracia. Apesar desses contributos, existem “ambiguidade”, dado que há “riscos” de que os media se transformem em “sistemas” subordinados a interesses particulares, refere o presidente da CECBCCS. Este responsável citou algumas passagens da mensagem papal, nas quais Bento XVI escreve, entre outras coisas, que “a humanidade encontra-se hoje numa encruzilhada. Vale também para os media aquilo que escrevi, na Encíclica Spe salvi, sobre a ambiguidade do progresso, que oferece inéditas potencialidades para o bem, mas ao mesmo tempo abre possibilidades abissais de mal que antes não existiam”. Para D. Manuel Clemente, estamos a debater, no fundo, uma questão antropológica, não uma questão interna da Igreja ou técnica. “O papel que os instrumentos de comunicação assumiram na sociedade é já considerado parte integrante da questão antropológica, que surge como desafio crucial do terceiro milénio”, refere explicitamente a mensagem de Bento XVI. O próprio Papa considera que “é indispensável que as comunicações sociais defendam ciosamente a pessoa e respeitem plenamente a sua dignidade. São muitos a pensar que, neste âmbito, é actualmente necessária uma «infoética» tal como existe a bioética no campo da medicina e da pesquisa científica relacionada com a vida”. “O quadro de referência é a pessoa humana”, sintetiza D. Manuel Clemente, para quem “todos nós estamos envolvidos, de alguma maneira, na comunicação social”. Bento XVI acena a esta realidade ao escrever que “todos, nesta época da globalização, somos utentes e operadores de comunicações sociais. Os novos media, sobretudo os telemóveis e a Internet, estão a modificar a própria fisionomia da comunicação”. No final dos trabalhos, Paulo Rocha, director da Agência ECCLESIA, apresentou uma edição especial do semanário desta Agência, onde as notícias, as reportagens, as entrevistas e as opiniões têm como temática a presença da religião nos media e da Igreja nos meios de comunicação. Com cor e fotografia, a Edição Especial 2008 da Agência Ecclesia procura ser também um documento de referência para a Igreja e para os media no que respeita ao processo de comunicação nos tempos actuais. Mensagem de Bento XVI para o 42.º Dia Mundial das Comunicações Sociais • «Os meios de comunicação social: na encruzilhada entre protagonismo e serviço. Procurar a Verdade para compartilhá-la»

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top