Papa assume viagem de risco

Bento XVI decidiu assumir o risco e promover uma viagem apostólica à Turquia, visita que entrará certamente para a história deste pontificado. À margem da polémica gerada pelas manifestações de protesto de nacionalistas e radicais islâmicos – que nunca receberiam bem um Papa, da mesma maneira que prefeririam ver o Patriarca de Constantinopla desterrado na Grécia -, a Santa Sé preparou detalhadamente um programa que gira em volta de três eixos: o ecumenismo, o diálogo com o Islão e a situação da comunidade católica no país. “A Turquia, que acolhe em si diversas tradições religiosas, é como uma varanda sobre o Médio Oriente, desde a qual se pode reforçar os valores do diálogo inter-religioso, da tolerância, da reciprocidade e da laicidade do Estado”, pode ler-se na apresentação da visita papal, divulgada pelo Vaticano. Ecumenismo Esta terceira deslocação de um Papa à Turquia, depois de Paulo VI (1967) e João Paulo II (1979), responde à prática do Patriarcado Ortodoxo de Constantinopla, já com meia centena de anos, de receber cada novo Bispo de Roma após a sua eleição, para a Festa de Santo André, a 30 de Novembro. Neste caso, a iniciativa foi de Bartolomeu I. A aproximação ao mundo ortodoxo tem sido uma prioridade do pontificado de Bento XVI e, neste contexto, o contributo do Patriarca de Constantinopla – empenhado em promover o diálogo entre Igrejas Ortodoxas – é fundamental. Ambos irão assinar uma importante declaração comum sobre o caminho ecuménico. Por causa desta relação, as relações entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas estão a melhorar de forma significativa. Prova disso foi o retomar, em Setembro, dos trabalhos da Comissão mista internacional para o diálogo teológico católico-ortodoxo, sobre o tema “A Teologia da comunhão”. A nona sessão plenária da Comissão para o diálogo teológico ocorreu em Belgrado, após quase seis anos de paragem, devido a desentendimentos sobre o estatuto das Igrejas Católicas do Oriente, chamadas “uniatas” pelos Ortodoxos. A comissão mista de diálogo entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa conheceu fortes dificuldades na última década, mas o empenho do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla permitiu o regresso aos trabalhos. Foram reorganizadas as duas Comissões de diálogo, compostas por 30 membros de cada parte, e o comité de coordenação, que é um instrumento técnico que prepara as sessões plenárias da Comissão. No mundo ortodoxo, contudo, há discussões interna e relativas ao primado de honra da sede de Constantinopla entre as Igrejas Ortodoxas. Moscovo acusa a sede turca de lhe retirar protagonismo e impõe a um diálogo directo com a Santa Sé, tendo mesmo feito questão de anunciar, antes da viagem do Papa, que não está ainda disponível para receber Bento XVI na Rússia. Islão Bento XVI tem uma estratégia própria em relação ao Islão e não hesita em levantar questões desconfortáveis sobre os fundamentos religiosos e a influência política e cultural do Islamismo nos nossos dias. Seria errado pensar a questão do diálogo com o Islão à luz da polémica gerada pelo discurso do Papa na Universidade de Regensburg (Alemanha). A citação do Imperador Bizantino não chega, nem de perto nem de longe, à problemática central: se os muçulmanos vêem a revelação do Corão como literalmente divina e imutável, como pode o Islão comprometer-se com o mundo moderno e aceitar conceitos como a democracia? Mais do que partilhar a crença comum em Deus, o Papa quer que o diálogo enfrente temas delicados, como a relação entre violência e religião ou a ausência de reciprocidade na liberdade religiosa, de que os cristãos não gozam em muitos países de maioria muçulmana. A “estima e respeito profundo” pelo mundo islâmico, que Bento XVI várias vezes declarou, não estão em questão, até porque ele sabe que o diálogo entre as duas maiores religiões do mundo é fundamental para o futuro da humanidade. Desafio europeu Antes de viajar para a Turquia, o Papa recebeu no Vaticano o Presidente do Chipre que lhe levou um álbum com fotografias das igrejas destruídas na parte turca da Ilha. Esta “coincidência” ajuda a iluminar uma das principais dificuldades nesta viagem: muitos turcos consideram a aproximação à União Europeia – com a consequente resolução do problema de Chipre – como uma “traição” ao Islão. O congelamento, total ou parcial, das negociações de adesão da Turquia à União Europeia parece, aliás, inevitável, depois do fracasso hoje das conversações da UE com Ankara sobre a abertura das fronteiras turcas a Chipre, um dos novos Estados comunitários. A liberdade religiosa é outra das condições para a entrada da Turquia na UE, mas apesar de se assumir como um Estado laico, as minorias não encontram espaço para sobreviverem no contexto dum país em que 98 por cento das pessoas professam o Islamismo. O clima de intolerância para com os cristãos agravou-se desde 2005, especialmente após a publicação das caricaturas de Maomé nos meios de comunicação ocidentais. Acusados de praticarem proselitismo (conversões forçadas) entre os muçulmanos, os sacerdotes católicos são alvo de agressões (são cada vez mais frequentes os casos de violência), difamação pública e temem pela sua segurança.

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