O papel da mulher na Igreja

Frei Márcio Carreira, ofm

A participação das mulheres na vida da Igreja ainda está longe de ser totalmente concluída. É uma problemática ainda em aberto. Pode parecer que o progresso da sociedade civil, onde as mulheres assumem cada vez mais papéis de responsabilidade, possa ditar a necessidade de uma mudança na Igreja. Na verdade, esse é apenas um motivo adicional, que estimula a reflexão. Pois a razão fundamental para exigir uma mudança na Igreja é muito mais profunda e tem outra natureza. Não se trata de mais ou menos democracia, porque a Igreja não é uma democracia. A Igreja, como comunidade visível e espiritual, é ao mesmo tempo “uma única realidade complexa, formada pelo duplo elemento humano e divino” (LG 8). Consequentemente, no caso de uma sociedade divino-humana, os motivos que justificam uma verdadeira participação das mulheres na Igreja, e que podem ser exigidos, são de natureza teológica, visto que as também são membros do Povo de Deus, chamadas  a ser discípulas.

A mulher procura hoje em dia uma maior visibilidade na Igreja, quer nas decisões, quer no seu envolvimento pastoral e litúrgico e não ser utilizada apenas como uma mera serviçal. Não devemos reduzir a sua visibilidade apenas ao acesso à ordenação presbiteral, pois não deve ser o único problema, pois esta não vai dignificar mais a mulher. Para a ordenação, é necessária vocação e é apenas um serviço à igreja. A dignidade, a que todos temos direito, envolve toda a pessoa e isso deve ser reconhecido por toda a comunidade eclesial e social. Explorar positivamente todas as capacidades da mulher e usufruir do que ela pode oferecer são instrumentos essenciais para a descoberta de novas formas de ver o mundo, bem como ter em conta o contributo fundamental para a solução de vários problemas eclesiais e sociais. A mulher e o homem devem complementar-se, entregando-se reciprocamente ao serviço da Igreja, com tudo aquilo que são e possuem.

Para as mulheres – como para todo o fiel – o direito inalienável de participar plenamente da vida da Igreja deriva do baptismo: é por isso que falamos de igualdade e dignidade na Igreja. A este respeito diz-nos o Papa Francisco: “o papel da mulher na Igreja não é feminismo, é direito! É um direito de baptizada com os carismas e os dons que o Espírito concedeu. Não se deve cair no feminismo, porque isto reduziria a importância da mulher”. A tentativa de demonstrar a necessidade de uma maior participação das mulheres, com base no seu carácter espontâneo e materno, também é inadequada. Essa visão é o resultado de uma interpretação parcial e redutora que o documento Mulieris dignitatem de São João Paulo II faz. De facto, esta mentalidade fez com que não houvesse mudanças substanciais na Igreja e que certas formas de marginalização fossem favorecidas, como se a participação das mulheres na Igreja pudesse ser resolvida com a imagem arcaica e angelical da mulher modesta e silenciosa.

Na actualidade, o Papa Francisco traz à consciência eclesial um modelo de mulher que é tudo menos submissa e secundária, mas antes determinada e participativa, com uma missão, dirigida aos próprios apóstolos pela vontade de Cristo. A solução para a problemática da participação da mulher, portanto, não deve ser encontrada externamente, em teorias e ideologias contra a fé, mas deve ser encontrada internamente e em diálogo com as ciências sociais. Trata-se de redescobrir o que já faz parte da herança da fé e discernir como ler essa herança em relação à Igreja dos dias de hoje. Partirmos da dignidade baptismal comum não é ideologicamente negar os diferentes modos pelos quais cada um participa da missão eclesial e realiza a vocação para a santidade. É, sim, uma diversidade que pertence à vitalidade da Igreja.

A necessidade de progresso é essencial e urgente! No entanto, recorrer a soluções precipitadas não favorece as mulheres. A tarefa deste pontificado é ainda mais difícil, pois é marcada pela consciência de que, como Francisco afirma, “o tempo é sempre superior ao espaço” (EG 222). A eficácia de Francisco, perante o seu trabalho a favor das mulheres, passa por um delicado exercício de discernimento. Num recente estudo que realizei, muitas mulheres objectam que já esperaram o suficiente e que mais atrasos não são toleráveis, que a paciência das mulheres em muitas situações eclesiais atingiu o limite, as mulheres esperam um avanço da parte da Igreja. Efetivamente, ainda que não seja assim tão visível, já existem lugares e espaços onde há uma presença das mulheres e a sua plena participação, como sinal da igualdade baptismal. Todavia, esta presença visível poderia se tornar parte integrante da normalidade da vida na Igreja. A questão do papel da mulher não pode continuar a ser um assunto posterior, mas algo que deve permanecer em reflexão, com a ajuda de uma teologia saudável, em que se considere as diferenças antropológicas, masculinas e femininas, para explicar, em toda a sua riqueza, o que, nesse sentido, a fé e o discernimento têm a dizer.

Antes de ser criar espaços para uma maior presença feminina, deve olhar-se para a mulher, reconhecendo, com firmeza, a sua dignidade. Reflectindo, com clareza, sobre a fecundidade nos seus trabalhos apostólicos, não podendo olhar para a mulher como uma mera serviçal ou instrumental, mas sim alguém que está disposta a trabalhar com o homem e não para o homem. A sua participação pode ser desempenhada na missão, no acolhimento, na protecção e no conselho. A mulher, auxiliando o povo de Deus pode cooperar na direcção espiritual, na evangelização, no ministério da Palavra, na gestão das paróquias, cooperando sempre com o homem na condução de todo o povo de Deus.

Para terminar, a mulher e o homem são chamados a complementarem-se, trabalhando juntos no serviço da Igreja e do mundo, numa entrega recíproca de si, com todas as suas potencialidades e características. Não poderá haver espaço nem para subalternidade, nem para discriminação. O contributo do feminino e do masculino devem unir-se de forma a ler os sinais dos tempos e a dar respostas na resolução dos problemas mundiais. Todavia, é altura de começar a mudar e a colocar os carismas e talentos do género feminino ao serviço de toda a comunidade eclesial.

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