O mês do Nuno

Lígia Silveira, Agência ECCLESIA

Podia ser dezembro, porque 30 era o dia do seu aniversário, mas a verdade é que desde 2005 que junho passou a ser o mês do Nuno.

Foi nesse mês que nos reencontramos e nos perdemos.

Vou recordar sempre aquele final de tarde de domingo, em que eu, com uma amiga, comentava não ter vontade nenhuma de ir à missa. Mas fui – cumpri o preceito. Não recordo nada dessa celebração, como disse cumpri o preceito, mas recordo o nosso encontro, depois de tantos anos sem nos vermos, sem nos acompanharmos.

Sabia que tinha conseguido ser jornalista, trabalhava numa revista, mas nada mais que isso – perdi-lhe o rasto, o número de contacto.

«Por aqui? Há quanto tempo… que andas a fazer?»

«Venho buscar a minha mãe. Tinha combinado com ela que a apanhava no final da missa, mas pelos visto não está aqui.»

Conhecemo-nos no grupo de jovens ligados à Igreja, crescemos juntos, quando a vida era uma descoberta, ainda idealizada, ainda incerta, desconhecida também, mas com planos e sonhos.

Voltamos a trocar contactos – «Vamos encontrar-nos» – ficou a promessa.

No dia seguinte liguei-lhe. Seria 16h da tarde, talvez antes, não sei. «Vem ter comigo à praia, estou cá». «Não posso, estou a trabalhar». Seguiram-se mais umas palavras, tão habituais nele, sobre a minha boa vida contrastante com as tarefas em que ele estava metido.

Depois disso, o telefone tocou já de noite. A mesma amiga da véspera, com quem eu comentava que iria cumprir um preceito, foi ela que me deu a notícia.

«O Nuno faleceu. Foi um acidente de mota».

«O quê? Mas eu falei com ele há algumas horas atrás?!»

E assim ficamos em suspenso. E a verdade é que não há junho que surja, no calendário e na vida, que me esqueça do que nos uniu e separou. Porque quando o inesperado acontece, toma conta de regras, planos, decisões. E assim ficamos, a querer, com as mãos agarrar, o plano que já se alterou e não se encontram as palavras para o encarreirar novamente.

«Não existe um poeta dentro de mim, há sim um pedaço de Deus em mim que poderia desenvolver-se até se tornar um poeta. Num campo assim tem de haver contudo um poeta que experimente a vida lá, e lá também a possa cantar». Etty Hillesum

Cantemos a vida, também neste mês do Nuno!

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