O imperativo ético na comunicação

Profissionais da área comentam o desafio de Bento XVI, assumem dificuldades e propõem mudanças O desafio da infoética, lançado por Bento XVI na sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, assinalado no próximo dia 4 de Maio, é unanimemente recebido como oportuno e urgente. O Código Deontológico pelo qual o jornalista se rege “é cada vez menos cumprido”. Isto mesmo assinala à Agência ECCLESIA José António Santos, Secretário Geral da Agência Lusa, que regista “muitos atropelos”. Francisco Sarsfield de Cabral, Director de informação da Renascença assume que gostaria de ver a sua profissão manifestar “padrões deontológicos mais elevados, mas neste momento, é realista dizer que não tem”. Como “velho jornalista, conhecedor da área há muitos anos, tenho pena de verificar que a profissão tem vindo a baixar os padrões éticos e deontológicos”. Mas este não é um problema exclusivo de Portugal. Relacionado com a intensificação da concorrência, o Director de informação da Renascença indica que vários factores contribuem para a perda deontológica no jornalismo. Com o advento da Internet, a UNESCO já havia apelado a uma infoética, perante os problemas jurídicos, económicos e sociais que as novas tecnologias vieram criar. Esta questão é “muito oportuna”, assume José António Santos, pois o Papa convoca “os jornalistas do mundo inteiro a reflectirem sobre os problemas colocados ao exercício da sua profissão”. Esta reflexão, “vinda de quem vem, é uma responsabilidade acrescida”. “O Papa coloca a pessoa humana no centro da comunicação social”, facto muitas vezes esquecido. “Se o jornalista pensar que o principio e o fim do seu trabalho é a pessoa humana, têm meio caminho andado para cumprir o Código Deontológico”. Joaquim Franco, jornalista da SIC reflecte que antes de haver um Código Deontológico está a ética, “inerente a uma cultura, de onde advêm as normas e regras com que nos vamos sintonizando e onde podemos inserir os códigos deontológicos”. Paquete de Oliveira, Provedor do Telespectador da RTP, assinala que os códigos valem “na medida em que são aplicados” e este – Código Deontológico – “quer em relação aos media tradicionais como aos novos, não é posto em prática, sobretudo em relação à verdade e à objectividade possível”. O Provedor do Telespectador da RTP explica que a falta de aplicação do código deontológico nos media tradicionais, aumenta em “larga escala nas novas tecnologias”. Educar para receber Paquete de Oliveira assume que a responsabilidade é comum tanto a jornalistas como a quem recebe informação. “O próprio Papa assinala que o mundo segmentado entre os que informam e recebem informação, tem as fronteiras cada vez mais ténues”. O grande controle – no sentido positivo – sobre a informação terá de vir sempre da parte de quem é informado. “Este é que deve saber escolher onde está a informação mais correcta e exacta e que possa servir todos os interesses em geral e não apenas particulares”, deseja Paquete de Oliveira. Enquanto Provedor do Telespectador, Paquete de Oliveira acredita que o espectador, leitor ou ouvinte está cada vez mais exigente no aperfeiçoamento e exigência informativa. O Director de informação da Renascença acredita que o actor decisivo neste campo não são “nem jornalistas, nem patrões mas os que utilizam a informação”. Sarsfield de Cabral reconhece que os jornalistas por vezes são acusados de comportamentos menos correctos e a culpa é das empresas que os mandam agir de determinada forma. Também o Director de Programas da Renascença, Nelson Ribeiro, aponta a necessidade de uma pedagogia com vista a criar uma literacia para os media. “No sistema educativo faltam noções base de como funcionam os meios de comunicação”. Uma formação para o consumo dos media é também sublinhada por Joaquim Franco, que assume a necessidade de reverter uma “cultura acrítica que se está a criar”, que abre espaço ao condicionamento. Joaquim Franco pede formação para jornalistas e comunicadores, firmando a diferença entre ambos. “O jornalismo carece de técnicas de comunicação mas são questões diferentes” e é a comunicação no geral que “precisa de uma ética”. O jornalista assinala a importância de os consumidores conhecerem as regras com que os meios de comunicação se movimentam, para terem formas de descodificação. “Mais do que impor regras ou códigos, deve-se formar de base o consumidor para ele próprio ser auto regulador, conhecendo as linguagens”. Joaquim Franco acredita que também as entidades reguladoras deveriam orientar-se por uma conduta ética. Mas adverte “que muitas entidades reguladoras não conhecem a dinâmica mediática” e acabam por questionar áreas que sendo técnicas, são incompreendidas e põem em evidência um desconhecimento da linguagem mediática. “Quando os próprios reguladores não percebem a lógica mediática e os dinamismos técnicos, vai ser difícil encontrar uma sintonia. Não nos podemos esquecer que os grupos de comunicação social são empresas e como tal lutam com as suas melhores armas para sobreviver”. “Se temos muito telelixo é porque há quem os veja”, explica Sarsfield de Cabral. A solução “há-de vir do lado da procura, não da oferta”, adianta. De qualquer forma, Francisco Sarsfield de Cabral não rejeita a “responsabilidade do jornalista”. Mas acredita que a educação nas escolas pode ser um caminho para ajudar a “receber informação”. Precariedade e condicionamento Um dos problemas que Joaquim Franco aponta à área jornalística, evidente numa cultura do século XXI a somar a um sistema acrítico, é a precariedade laboral. “O jornalista encontra-se mais susceptível e condicionado”. Sob este ponto de vista, o papel do patrão sobrepõe-se e ele próprio assume o papel de «polícia sinaleiro» – enquanto responsável por indicar chaves e caminhos de interpretação. O jornalista da SIC afirma haver a necessidade de “reforçar o papel reivindicativo do jornalista como ser pensante”, representando o ideal da profissão. Neste reforço, deve ser o jornalista a assumir a posição de «polícia sinaleiro», “mais do que sintetizar, o jornalista pode indicar caminhos de interpretação”. Mas Joaquim Franco assume que dada uma situação de precariedade laboral, este papel é “particularmente difícil”. Nelson Ribeiro afirma que o desafio ético é extensível à lógica empresarial no mundo da comunicação. “A ética não se cinge à relação patrão/jornalista. No entanto, os patrões devem estar englobados e eles próprios serem incentivadores do pluralismo de ideias, que contrarie o «afunilamento» de ideias e ângulos”. Aura Miguel, jornalista da Renascença reconhece também que “quem tem uma casa para cuidar e precisa de trabalhar está, de alguma forma obrigado a condicionamentos e pressões, que acabam por ir «moendo» as consciências de quem está no terreno”. Aura Miguel assume, igualmente, a necessidade de os destinatários estarem envolvidos na lógica comunicacional. “Este é um trabalho de fundo que pede um respeito e honestidade a vários níveis, não só para jornalistas mas para todos os que se envolvem no meio da comunicação”. A jornalista da Renascença acredita que o apelo infoético do Papa se deve às circunstâncias actuais de “uma mentalidade onde vale tudo, em especial no Ocidente”. Implicações pessoais Dada a vertigem e corrida em que a comunicação social se transformou, “onde nem sempre as formas mais correctas imperam”, a infoética “é uma provocação para a própria vida pessoal que se reflecte na vida profissional”, indica a profissional da Renascença. Enquanto jornalista, Aura Miguel assume que “a vertigem é grande e lutar contra ela é difícil, pois temos a tentação de chegar primeiro”. Mas na “subtil lâmina entre o que posso fazer e até onde ir, é difícil aguentar, quando nem as razões da própria vida conseguimos dar”. Diogo Paiva Brandão, jornalista da “Voz da Verdade”, assume a o desafio ético também como pessoal. “A defesa da pessoa e da dignidade humana estão sempre em primeiro lugar”. O jornalista afirma que “a infoética terá de passar por todos – mas mesmo todos – os comunicadores e pessoas ligadas à comunicação, mas também pelo público consumidor”.

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