1.º de Maio – Contra o conformismo por mais justiça social

O trabalho que sindicatos, trabalhadores inconformados, cidadãos preocupados com a justiça social têm pela frente é de conhecer melhor o funcionamento da economia, os mecanismos de redistribuição da riqueza, para serem mais capazes de fazer propostas alternativas coerentes, justas e inovadoras susceptíveis de recuperar para a intervenção sindical e política muitos trabalhadores e cidadãos que dela se têm alheado. É difícil, num mundo globalizado e complexo, equacionar todas as dimensões e problemas que se colocam aos que persistem em acreditar que é possível um mundo mais justo para toda a Humanidade. Avançam-se algumas reflexões e desafios que marcam as relações da trabalho e a distribuição da riqueza nos dias em que nos é dado viver. Que significa, na actualidade, lutar pela dignidade e justiça no trabalho? A liberdade de organização e de expressão é ainda muito desigual no mundo. Em alguns países, com tradição democrática, os trabalhadores organizam-se e exprimem-se livremente. Adquiriram direitos e são tidos em conta na definição das políticas económicas e sociais. Em muitos outros, com um crescimento económico intenso, a democracia e a liberdade sindical são limitadas, ou mesmo inexistentes. Como o capital não conhece fronteiras, a concorrência global está desvirtuada. Na China, na Índia, na Tailândia e em tantos outros países do mundo em desenvolvimento os direitos dos trabalhadores no que se refere a horários, vencimentos, segurança na doença ou na velhice tal como os entendemos na Europa Ocidental não são respeitados, mas mesmo assim o nível de vida das populações tem evoluído positivamente, enquanto os trabalhadores europeus têm visto diminuir os seus direitos e poder de compra. O capital procura sempre as melhores condições para a obtenção do lucro. Os custos dos transportes têm diminuído e a circulação da informação sobre processos e tecnologias está muito facilitada. Portanto, assiste-se à deslocalização da produção em indústrias que requerem mão-de-obra intensiva. Mas já não foi assim com a indústria têxtil nos anos 60, quando as empresas do norte da Europa se instalaram em Portugal para aproveitarem o baixo preço da mão-de-obra e a contenção autoritária dos conflitos laborais? Só com uma intervenção consequente dos organismos internacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para impedir a exportação de bens produzidos com recurso a mão-de-obra infantil ou de trabalhadores sem direitos sindicais, ou mesmo escravizados, será possível criar um quadro mais justo para o comércio internacional. Os organismos sindicais internacionais como a Confederação Sindical Internacional ou a Confederação Europeia de Sindicatos não podem confinar a sua capacidade de intervenção aos interesses das organizações que representam e assumir a reivindicação de condições mais dignas e justas para os trabalhadores de todo o mundo. Lutar por melhores condições, mas com mais solidariedade Do mesmo modo, e no que concerne ao movimento sindical nacional, é urgente que os sindicatos e as confederações sindicais situem os seus programas de luta num horizonte de justiça social e de combate à pobreza. Se cada sindicato reivindica as melhores condições remuneratórias para os seus associados em função da sua capacidade reivindicativa, corre-se o risco de aumentar as desigualdades sociais porque o número de associados varia, a possibilidade de perturbar o dia-a-dia da sociedade é diferente, conferindo mais visibilidade e poder negocial a alguns sindicatos que daí retiram vantagens que podem ser injustas. Os sindicatos não podem abster-se de reflectir sobre a justa remuneração do trabalho, tendo em consideração a redistribuição da riqueza na economia nacional, abstendo-se de retirar benefícios injustificados só porque representam sectores cujo impacto no quotidiano é mais perturbador. É justo que lutem por melhores condições de trabalho para os seus associados, mas sempre num horizonte de solidariedade com todos os outros trabalhadores, mesmo os desempregados. Maior produtividade não tem significado maior qualidade de vida Há perguntas simples que não podem deixar de se fazer neste Primeiro de Maio. É inegável que a produtividade tem aumentado tanto em Portugal como no mundo. A riqueza produzida tem crescido, assim como os lucros do capital. Porque não se reflectem, pelo menos em parte, esses ganhos na remuneração dos trabalhadores ou na diminuição dos horários de trabalho? Já assim foi no século XIX… As desigualdades entre a minoria capitalista e a imensa massa de trabalhadores assalariados não parava de aumentar. A injustiça era tão evidente que foi possível unir esforços e desencadear prolongados processos de luta que se traduziram na redução dos horários de trabalho e na melhoria de condições de vida dos trabalhadores nas democracias ocidentais em diferentes momentos do século XX. Não foi um processo linear nem contínuo. Exigiu dedicação capacidade de organização e sacrifício, debate, reflexão, consciencialização, novas propostas de organização da sociedade e da economia. É esse o trabalho que sindicatos, trabalhadores inconformados, cidadãos preocupados com a justiça social têm pela frente. Quanto melhor conhecermos o funcionamento da economia, os mecanismos de redistribuição da riqueza, mais capazes seremos de fazer propostas alternativas coerentes, justas e inovadoras susceptíveis de recuperar para a intervenção sindical e política muitos trabalhadores e cidadãos que dela se têm alheado. A tarefa que temos pela frente não é fácil. Também não o foi a de milhões de trabalhadores ao longo dos últimos dois séculos ousaram acreditar e lutar por sociedades mais justas em que todos pudessem dispor de condições de vida mais dignas. Com um olhar abrangente e compreensivo, com análise séria, recorrendo a quem estuda as questões económicas e sociais com preocupações de justiça, é possível desenhar novos caminhos e mobilizar vontades para a mudança social. Manter viva a memória Em 1889, a Segunda Internacional Socialista, em reunião realizada em Paris, decide consagrar o primeiro dia de Maio à luta pela jornada de trabalho de 8 horas, convocando-se para o efeito manifestações nos mais diversos países. Muitas dessas manifestações foram duramente reprimidas e este dia acabou por ser dedicado à luta dos trabalhadores por melhores condições laborais, mesmo depois de se ter generalizado nas sociedades capitalistas do ocidente a jornada de trabalho de 8 horas. Assim se homenageava os trabalhadores que a 1 de Maio de 1886 se manifestaram em Chicago, reivindicando a redução de 13 para 8 horas de trabalho por dia. A repressão que se abateu sobre a manifestação provocou mortos e feridos. As greves e manifestações continuaram nos dias que se seguiram e o rebentamento de uma bomba que feriu e matou vários polícias a 4 de Maio desencadeou um verdadeiro massacre sobre os manifestantes operários com centenas de mortos. Vários dirigentes do movimento operário e sindical foram presos e julgados. Cinco foram condenados à morte e três a pesadas penas de prisão. Seis anos depois, as autoridades reconheceram a precipitação e parcialidade do julgamento e libertaram os três dirigentes que estavam presos. Mantendo viva esta memória, mais uma vez, no próximo primeiro de Maio um pouco por todo o mundo, os trabalhadores vão ser convocados para celebrar e lutar. Em alguns países, não democráticos, arriscam ainda, como os trabalhadores de Chicago na final do século XIX, a repressão. Temos, no entanto, que reconhecer que há grandes ganhos no que respeita à liberdade de associação e aos direitos dos trabalhadores em vastas regiões do mundo e não se prevêem centenas de mortos e feridos, nem líderes sindicais condenados à morte. Paulo Melo, Jornal Voz do Trabalho

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