O Evangelho, luz que atrai o coração e o liberta

“Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais verdadeiro. Aqui está a fonte da acção evangelizadora. Porque, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?”. Com estas palavras da Evangelii Gaudium (n.8), o Papa Francisco evoca a nossa divinização, essa elevação que nos é concedida como um dom de Deus. Em Cristo descobrimos quem é a pessoa humana e qual a grandeza da sua vocação (cf. Gaudium et Spes, 22). Do encontro com Jesus nasce o desejo de partilhar essa alegria com os outros (cf. EG 3). O Papa Francisco convida-nos a “sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (EG20).

A “saída” que o Papa nos propõe, expressa o que a Igreja tradicionalmente designa com os termos “apostolado” e “evangelização”: tarefa que se caracteriza, entre outras coisas, por um absoluto respeito pela liberdade, e se afasta da acepção negativa que, principalmente no século XX, a palavra “proselitismo” ganhou. É o que o Papa aponta no n.14 ao afirmar que “a Igreja não cresce por proselitismo, mas «por atracção»”. Nos ensinamentos de Cristo há uma evidente exclusão de qualquer atitude que desrespeite a liberdade alheia e ignore a dignidade da pessoa. Deus quer ser amado com verdade, e isso pressupõe uma decisão livre. Toda a vocação é uma história de amor e um encontro de duas liberdades: a chamada de Deus e a resposta do homem.

A chave que define uma atitude autenticamente cristã está no Amor. O Papa Francisco usa palavras e gestos evangélicos que o manifestam: “convido” (EG 3, 18, 33, 108), “insisto” (EG 3); fala de “coração transbordante” (EG 5) e anima-nos a entrar “nessa torrente de alegria” (EG 5) que é a comunidade cristã, incentiva a não impor condições desnecessárias à recepção do baptismo e ao sacramento da confirmação.

“Entrar”. Jesus Cristo censurou duramente os escribas e os fariseus: “nem entrais vós nem deixais entrar os que o querem fazer.” (Mt 23,13). Deixar entrar, permitir que se entre, convidar a entrar: essa força que atrai é, no dizer de São Josemaria, “abundància de luz”, simpatia humana, oração e sacrifício pessoal, presença de Cristo no cristão: “amor verdadeiro é sair de si mesmo, entregar-se” (Cristo que passa, 43). É este o sentido do apostolado cristão, no sentido original do termo proselitismo, como tradicionalmente se entendeu na Igreja, herdado do judaísmo. Lacordaire usava esta forma lapidar: “Assim como não há cristão sem amor também não há amor sem proselitismo”.

O apostolado de pessoa a pessoa supõe dedicar tempo ao próximo e não tem outra força que a da oração, da paciência bondosa, da compreensão, da amizade, do amor pela liberdade. Supõe um sair de si mesmo para preocupar-se com os outros e partilhar com eles o mais verdadeiro, bonito e belo: a nossa vocação cristã. O “segue-me” de Cristo, longe de forçar, respeita a liberdade de cada um. Manifesta-o de modo tristemente eloquente o diálogo com o jovem rico. E hoje? Francisco assinala que “1uando mais precisamos dum dinamismo missionário que leve sal e luz ao mundo, muitos leigos temem que alguém os convide a realizar alguma tarefa apostólica e procuram fugir de qualquer compromisso que lhes possa roubar o tempo livre.” (EG 81).

A luz do Evangelho é “uma luz que atrai” (EG 100) pois é a lei do amor que nos convida a fazer o bem (EG 100-101). Ao ver as boas obras do cristão, o próximo será levado a dar glória a Deus (cf. Mt 5,16): descobrir e louvar o inefável amor de Deus, uma luz divina, não simplesmente humana. Nesse sentido, o apostolado, o santo zelo pelas almas, é dar testemunho da luz, como diz S. João (1, 7), dar abundância de luz, sem a mais mínima sombra de imposição, com muita delicadeza, pois Deus só quer amor e, por isso, actua com mansidão: com vigor e benignidade (cf. Sab 8, 1). Na Mensagem para a XX Jornada Mundial de oração pelas vocações (2 de fevereiro de 1983), João Paulo II afirmava: “não deve haver qualquer medo em propor directamente a uma pessoa jovem ou menos jovem a chamada do Senhor. É um acto de estima e confiança. Pode ser um momento de luz e de graça”. Vence-se a possível timidez, que podia revelar uma falta de fé e de humildade, com a luz de Cristo que transmite cada Cristão.

Que luz? Bento XVI concluía a sua primeira encíclica com estas palavras: “aquele amor divino é a luz — fundamentalmente, a única — que ilumina incessantemente um mundo às escuras e nos dá a coragem de viver e agir. O amor é possível, e nós somos capazes de o praticar porque criados à imagem de Deus. Viver o amor e, deste modo, fazer entrar a luz de Deus no mundo” (Deus caritas est, 39). Em perfeita continuidade, Francisco assinala na sua primeira encíclica que “O movimento de amor entre o Pai e o Filho no Espírito percorreu a nossa história; Cristo atrai-nos a Si para nos poder salvar (cf. Jn 12, 32)” (Lumen Fidei, 59).

Nos antípodas de um proselitismo mal-entendido que não respeita a pessoa, está o apostolado concebido como atracção, isto é, a proposta, transparente e respeitosa, de uma dedicação generosa – justamente aquela a que se refere o Papa – que envolve um testemunho plenamente consciente da liberdade e dignidade da pessoa, e faz que o coração do cristão participe do amor divino e humano de Jesus. Um coração que não pode conter os desejos de comunicar a alegria do Evangelho. 

Javier Echevarría, Prelado do Opus Dei 

 

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