Moçambique: Missionários alertam para «situação catastrófica» de mortes, destruição e pessoas em fuga em Cabo Delgado

«Nas aldeias não tem mais ninguém. Todos têm medo» – padre Edegard Júnior, missionário brasileiro

Lisboa, 11 nov 2020 (Ecclesia) – Missionários católicos alertaram que a “situação está catastrófica” em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, com “muitas mortes, pessoas decapitadas, pessoas raptadas” e em fuga dos ataques armados, em testemunhos à Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS).

“Nas aldeias não tem mais ninguém. Todos têm medo e eles [grupos que reivindicam pertencer ao autoproclamado Estado Islâmico] estão muito violentos nestes ataques. As pessoas estão ou no mato ou já conseguiram chegar a alguma cidade. Há muitas mortes, pessoas decapitadas, pessoas raptadas”, disse o padre Edegard Júnior, missionário brasileiro de 60 anos de idade, na informação enviada à Agência ECCLESIA pela AIS.

O sacerdote da Congregação de La Salette lembra que este é “sofrimento que dura há três anos” e praticamente toda a zona de Cabo Delgado está afetada, um cenário “desolador” e a exceção a norte é a cidade de Mueda onde o exército moçambicano tem um aquartelamento.

“Todas as outras [povoações] estão totalmente abandonadas. A ajuda humanitária não dá conta [de todos os pedidos] de lonas, barracas, remédios, alimentação. A situação está a ficar catastrófica”, conta o padre Edegard Júnior.

Segundo a Polícia moçambicana, citada pela Agência de Informação de Moçambique, na aldeia Muatide “mais de 50 pessoas” foram sequestradas e decapitadas; Também o jornal do Vaticano ‘Osservator Romano’ denunciou o “terror” que se vive em Cabo Delgado onde pelo menos vinte corpos decapitados, de cinco adultos e quinze adolescentes, foram encontrados esta segunda-feira nas florestas do distrito de Muidumbe.

A Fundação Ajuda à Igreja que Sofre informa que desde o início dos ataques armados, em outubro de 2017, tenham morrido mais de duas mil pessoas e padre Edegard Silva calcula que existem “cerca de 400 mil deslocados internos”.

O missionário brasileiro que agora está em Pemba conta que a missão da Congregação de La Salette em Muidumbe e a aldeia onde viviam Muambula que foi atacada por grupos armados no dia 30 de outubro.

Segundo o sacerdote “toda a infraestrutura da missão está danificada”: “A nossa casa, a casa das irmãs, a própria igreja, que já tinha sido atacada em abril, e a nossa rádio comunitária que fica no fundo da Igreja, toda essa infraestrutura foi danificada com os ataques.”

A irmã Blanca Nubia Zapata, religiosa da Congregação das Carmelitas Teresas de São José, testemunha a situação desesperada em que pessoas chegam diariamente à cidade de Pemba e, “nas últimas duas semanas, chegaram mais de 12 mil pessoas”.

“Não aguentamos. Estão a chegar mulheres e crianças, e pessoas mais velhas que andam há dias. Alguns morreram no caminho, nas estradas e nos trilhos florestais”, explicou, acrescentando que “é terrivelmente difícil andar por estes trilhos, e através do campo, três ou quatro dias a fio sem comida, sem água, carregando nas costas os filhos” e “há mulheres que deram à luz na estrada”.

“Estamos a fazer tudo o que podemos”, afirma a irmã Blanca Nubia Zapata, explicando que, “muitas vezes”, não podem fazer mais “do que ouvir, perguntar como se sentem e ouvi-las”.

A Fundação pontifícia AIS está a apoiar as dioceses moçambicanas envolvidas no acolhimento aos deslocados com uma ajuda de emergência no valor de 100 mil euros que “procura aliviar o sofrimento e trauma” das populações.

“Queimaram igrejas e destruíram conventos, e também raptaram duas irmãs religiosas. Mas quase ninguém prestou atenção a este novo foco de terror e violência jihadista em África, que está a afetar todos, tanto cristãos como muçulmanos. Esperemos que haja finalmente uma resposta a esta crise no norte de Moçambique, em nome dos mais pobres e mais abandonados”, disse Regina Lynch, chefe de Departamento de Projetos da Fundação AIS a nível internacional.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse esta quarta-feira estar “chocado” com os “recentes relatos de massacres perpetrados por grupos armados não estatais em várias aldeias na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, incluindo a decapitação e rapto de mulheres e crianças”.

CB

 

Moçambique: Bispo de Pemba pede «ajuda e solidariedade» para crise «muito forte» (c/vídeo)

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