Miséria envergonhada na capital algarvia

Semanário diocesano denuncia situação que atinge, na sua maioria, pessoas idosas. Muitos remexem nos contentores do lixo Em plena capital algarvia existem pessoas que vivem, ou melhor, sobrevivem discreta e envergonhadamente numa pobreza profunda, rodeadas de uma total ausência de condições dignas para a sua vivência diária e que tentam subsistir com pensões de miséria. O semanário da diocese do Algarve, Folha do Domingo, foi procurar conhecer algumas destas situações e percebeu que, aliadas à falta de condições financeiras e de habitabilidade, existem ainda quase sempre associados problemas familiares e de integração na própria sociedade. Na maior parte dos casos, a ausência de uma habitação condigna dá origem a situações humilhantes, de promiscuidade e também de perigosidade até para a saúde pública. Todas as famílias têm em comum o facto de viverem em casas alugadas, altamente degradadas, que oferecem riscos para quem lá vive. Pressionados pela dura realidade dos fracos recursos disponíveis, alguns dos seus membros caem, por vezes nas teias da marginalidade e deixam-se apanhar pelos vícios. “Maria”, chamemos-lhe assim, vive numa situação difícil. Com 78 anos de idade tem agora consigo 3 netos (de 9, 12 e 17 anos) mas já teve a seu cargo 10. Uma das suas filhas teve 7 filhos e outra, toxicodependente, já esteve presa. “Vivo com uma pequena reforma”, esclarece “Maria”, lamentando que, apesar de ter trabalhado 36 anos na indústria hoteleira, só recebe pensão relativa à última unidade onde esteve empregada. Por isso, trabalhou até há 5 meses atrás, nas limpezas da construção civil para conseguir um rendimento extra. A idosa dorme num sofá degradado numa das duas divisões da habitação. As telhas, visiveis do interior, estão nalguns casos partidas, conseguindo-se ver o céu. A dois passos dali, uma vizinha sua, com 85 anos, é protagonista de outra situação de miséria. Sem ter como sobreviver, a octogenária aceita ainda alguns trabalhos de costura para poder reunir alguns trocados. Com um filho enredado nas malhas da droga, a idosa não tem qualquer familiar que lhe possa valer. A casa também não apresenta melhores condições que a primeira, sentindo-se à distância o forte cheiro a humidade denunciado pela pintura das paredes a descamar. Perto dali, uma outra situação degradante. Com 69 anos, “Ana” habita com o marido doente, explica que vive de uma “reles pensão” e garante que muitas vezes tem de recorrer ao lixo para ter o que comer. “Se vejo o panito dentro de um saquinho limpo, trago-o para casa e faço umas sopas de tomate”, refere, acentuando o contraste existente na sociedade. “As pessoas agora jogam tudo fora: roupas, comida, tudo… Então isto está mau? Isto não está mau, as pessoas são é mal governadas”, constata, lembrando que trabalhou muito no campo no tempo em que não se faziam descontos para a Segurança Social. Em plena baixa de Faro, vivendo numa habitação que do exterior disfarça o que se esconde lá dentro, “Manuela” aceita cuidar de animais que lhe vão entregar para poder, em troca, receber alguns géneros alimentícios que a pensão mensal de 223 euros não lhe permite adquirir. “Só como uma vez por dia. À noite bebo chá e como um bocadinho de pão com manteiga”, frisa a idosa de 69 anos, escondendo o olhar triste por detrás dos óculos partidos com as lentes estilhaçadas. Divorciada e acompanhada pelas netas que tem de sustentar e por uma das 3 filhas que vê frequentemente os bens penhorados pelo tribunal, “Manuela” vive com muitos gatos e cães que tornam o ar no interior da habitação nauseabundo e quase irrespirável e que vão defecando pelas várias divisões. Os 18 gatos e os seis cães que tinha consigo no dia em que a visitámos servem também – segundo explicou – para proteger a família dos muitos ratos que pela casa deambulam. “Como não tenho condições para cuidar de crianças, tomo conta de animais” explica, salientando que sempre ganha qualquer coisa. “A senhoria – esclareceu – não faz, nem quer que se faça obras porque tem medo que as paredes caiam”. Moradora há 59 anos na habitação alugada por 15 euros mensais e que em certas divisões ameaça ruina, “Manuela” garante que, dentro de casa, “quando chove a água chega pelo joelho”. A somar a estas já degradantes condições de habitabilidade, junta-se ainda o facto de a habitação não ter qualquer casa de banho a funcionar. “Está entupida”, concretiza “Manuela”, explicando que “a água do banho é deitada num cano que existe no quintal”. “Fazemos as necessidades num papel que deitamos fora todas as manhãs. O meu irmão é impecável e vai sempre deitar fora”, confessa a sexagenária, sublinhando ainda mais a degradação da situação vivida. Nos quatro casos, as idosas garantem já ter sido visitadas, diversas vezes, por assistentes sociais que – asseguram – lhes têm deixado sempre a promessa de uma nova habitação, embora até ao momento sem concretização. “A Câmara diz que não há casas”, testemunha “Manuela”. Contactada pela Folha do Domingo para a obtenção de esclarecimentos sobre estes casos, a Câmara Municipal de Faro não respondeu, até à hora de fecho da última edição.

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