Mensagem de Natal do cardeal-patriarca de Lisboa

Transcrição da mensagem divulgada nos meios de comunicação social na Noite de Natal

Muito Boa Noite. Muito obrigado pela oportunidade que me dão de desejar a todos um Santo e Feliz Natal!

Este Natal é especial, com a pandemia que ainda temos por diante e que a tantos atinge de forma direta e indireta. Deixo uma especial saudação a todos aqueles que estão na primeira linha do combate a esta pandemia, no sistema de saúde, nas famílias e em tantas outras instâncias onde se procura responder a tão grande desafio.

Este Natal também nos obriga a restrições especiais na maneira de o celebrar e de o festejar. Mas, talvez isso também nos possa chamar a atenção para o que é essencial nesta data, para que seja verdadeiramente uma comemoração do que aconteceu há dois mil anos. Isso é importante porque, como sabemos, poucos acontecimentos na história da humanidade tiveram tanto reflexo e tanta repercussão na própria sociedade e na cultura onde este anúncio chegou. De tal maneira, que muitas outras manifestações de tipo cultural – no sentido genérico do termo –, com festejos e expressões públicas de alegria, se foram juntando ao longo dos séculos. E, ultimamente, até muito potenciadas, o que se compreende porque esta também é uma ocasião de as famílias se encontrarem, de os amigos se reverem ou, pelo menos, comunicarem mais proximamente.

Como referi anteriormente, as circunstâncias deste ano podem-nos levar a concentrar a atenção naquilo que originou toda esta comemoração natalícia e que cada presépio nos lembra, ou seja, o nascimento de Alguém. “Natal” significa nascimento e, efetivamente, assim aconteceu quando nasceu Jesus. Nasceu menino, como todos nós nascemos, acompanhado por sua mãe, Nossa Senhora, pelo seu pai adotivo, São José, por aqueles pastores que acorreram e, mais tarde, por aqueles magos do Oriente. Eram gente que procurava e quem procura, encontra (cf Mt 7, 8). Não eram muitos, mas foi isso exatamente o que aconteceu, segundo os relatos dos Evangelhos. É importante retomarmos esta originalidade do Natal para que ele não se perca entre tantas outras comemorações que, na roda do ano, vão surgindo com esta ou aquela motivação e que poderiam, de alguma maneira, diluir o significado do Natal.

Eu creio que este significado autêntico do que aconteceu em Belém e que nós celebramos a cada 25 de dezembro também responde à atual situação que a pandemia nos trouxe, com tantas consequências, não só no campo da saúde, com a sobrecarga do nosso sistema para responder a um desafio tão grande, mas em todo o lado: no emprego, na escola, no desporto, na cultura… São circunstâncias tão especiais que agora nos tocam.

Mas, porque é que o que aconteceu verdadeiramente no Natal nos dá uma luz, uma perspetiva, uma pista, para respondermos a esta situação? Porque, para nós, crentes – e também para muitos outros, através de uma convicção que ultrapassa as fronteiras confessionais –, o que ali aconteceu, sendo, aparentemente, tão pouco (é um menino que nasce, num sítio tão pobre, como era uma gruta, como era um presépio) mas que ganhou toda esta repercussão, mostra-nos o modo divino de ser e acontecer neste mundo.

Chamamos àquela família – porque está envolvida nesta realidade – uma “Sagrada Família”. “Sagrado” já nos transporta para Deus e para as coisas que, a partir de Deus, acontecem. Mas, para crentes e não crentes, esta realidade diz-nos que para respondermos a grandes desafios, temos que começar pelas pequenas coisas. É do pouco que se vai ao muito, é do perto que se vai ao longe, é do pequeno que se vai ao grande. Foi exatamente o que aconteceu, ao contrário de muitas outras coisas que, na altura, como depois, nos enchem os olhos e os ouvidos de notícias, mais ou menos espaventosas, que depois se diluem. Com o correr dos séculos, duraram o que duraram. O que ali aconteceu, naquela gruta, naquele presépio, tão pequeno que era, teve tal força que se impôs, como se impõe agora, com uma mensagem que nós não sentimos antiga, sentimo-la de agora.

Colhemos então esta lição, em cada família, em cada estabelecimento de saúde, em cada lugar de ensino, em cada mundo empresarial, em cada comunidade, seja onde for:  para respondermos a grandes desafios, comecemos por aquilo que é mais pequeno e que é mais próximo, em cada pessoa que se apresenta, em cada problema que temos que enfrentar. Não nos deixemos alienar por aquilo que não podemos fazer e respondamos, desde já, como acreditamos que Deus nos respondeu: no Menino que nasce, em tudo aquilo que é mais concreto, mais simples e mais imediato. Porque é exatamente essa a porta que se abre. A porta para o futuro está em cada presente. E o Natal diz-nos isso mesmo: é a maneira convicta, sincera como nós respondemos ao problema de quem está diante de nós. E pode ser na nossa casa ou em qualquer outro local onde passemos o dia. Responde-se exatamente aí e, assim, abre-se uma porta para o futuro. Assim aconteceu há dois mil anos e essa porta nunca mais se fechou.

O Papa Francisco, no ano passado, por esta altura, dirigiu-nos uma mensagem (Carta Apostólica ‘Admirabile Signum’ [Sinal admirável]) muito bela acerca disto mesmo, ou seja, da atenção ao presépio e ao primeiro acontecer do Natal de Cristo neste mundo. Este ano, mandou-nos outra mensagem (Carta Apostólica ‘Patris Corde’ [com coração de pai]), também muito bela, acerca de São José, aquele José que adotou aquela criança e tomou conta de sua mãe, num mistério que o ultrapassava infinitamente, mas ao qual dedicou toda a vida. É isto que somos chamos a fazer também: imitar José, acolhendo a vida com toda a surpresa com que ela aparece e, depois, servindo-a, na vida deste Jesus continuado que a cada um de nos se apresenta. Comecemos na casa de cada um.

Um Santo e Feliz Natal para todos!

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