Mar de peregrinos inundou Luanda

Bento XVI fala nas «trevas» em África e apela à reconciliação entre os angolanos Um mar de peregrinos, que as autoridades estimam em mais de 2 milhões de pessoas, inundou este Domingo os 20 hecatares da esplanada da Cimangola, nos arredores de Luanda, capital de Angola. Bento XVI presidiu à Eucaristia, no Dia nacional de oração pela reconciliação. Este é o maior banho de multidão da primeira viagem do Papa a África, que se iniciou nos Camarões, a 17 de Março, e um dos maiores do pontificado. “Não posso esconder a alegria que sinto por estar hoje convosco, nesta bela e sofrida terra que é Angola, terra da Mamã Muxima, terra de tantos filhos da Igreja. Abraço-vos de todo o coração”, começou por dizer o Papa. Bento XVI incluiu nas suas intenções para esta celebração os dois jovens que ontem perderam a vida na entrada para o Estádio dos Coqueiros, deixando a sua “solidariedade” e “mais vivo pesar” aos seus familiares e amigos, “até porque vieram para me encontrar”. O Papa lembrou ainda os feridos do incidente de Sábado, rezando pelo seu rápido restabelecimento. Com o Papa estão a concelebrar os Bispos da Conferência Inter-Regional da África Austral. “A Igreja em Angola e na África inteira está destinada a ser, perante o mundo, um sinal da unidade a que é chamada toda a família humana mediante a fé em Cristo Redentor”, declarou. O Papa dirigiu uma saudação “com grande afecto no Senhor”, às comunidades católicas angolandas “de Luanda, Bengo, Cabinda, Benguela, Huambo, Huíla, Kuando Kubango, Cunene, Kwanza Norte, Kwanza Sul, Lunda Norte, Lunda Sul, Malanje, Namibe, Moxico, Uíge e Zaire”. Num dia especial para a Igreja em Angola, o Papa defendeu que a reconstrução de um país “deve começar nos corações e nos pequenos sacrifícios quotidianos”. “Vós sabeis, por amarga experiência, que o trabalho de reconstrução – ao contrário da repentina fúria devastadora do mal – é penosamente lento e duro, requer tempo e fadiga e perseverança”, afirmou. O Evangelho, acrescentou, “ensina-nos que a reconciliação – uma verdadeira reconciliação – só pode ser fruto de uma conversão, de uma mudança do coração, de um novo modo de pensar. Ensina-nos que só a força do amor de Deus pode mudar os nossos corações e fazer-nos triunfar sobre o poder do pecado e da divisão”. “Vim a África precisamente para proclamar esta mensagem de perdão, de esperança e de uma nova vida em Cristo”, precisou. Antes, o Papa evocara “as terríveis consequências da guerra civil, que pode destruir tudo o que tem valor: famílias, comunidades inteiras, o fruto das canseiras humanas, as esperanças que guiam e sustentam a sua vida e o seu trabalho”. “Trata-se, infelizmente, de uma experiência demasiado familiar a toda a África: a força destrutiva da guerra civil, a queda na voragem do ódio e da vingança, a delapidação dos esforços de gerações de gente boa”, apontou. Segundo o Papa, “quando a Palavra do Senhor – uma Palavra que visa a edificação dos indivíduos, das comunidades e da família humana inteira – é descurada e a lei de Deus é ridicularizada, desprezada e achincalhada, o resultado só pode ser destruição e injustiça: a humilhação da nossa humanidade comum e a traição da nossa vocação de filhos e filhas do Pai misericordioso, irmãos e irmãs do seu dilecto Filho”. Evocando a II Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, dedicada ao tema «A Igreja em África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz», Bento XVI pediu orações por essa intenção: “Hoje peço-vos para rezardes, em união com todos os nossos irmãos e irmãs da África inteira, para que cada cristão deste grande continente experimente o toque salutar do amor misericordioso de Deus e a Igreja em África se torne «lugar de autêntica reconciliação para todos, graças ao testemunho dado pelos seus filhos e filhas»”. Bento XVI pediu ainda aos presentes que façam “com que as vossas paróquias se tornem comunidades, onde a luz da verdade de Deus e a força do amor reconciliador não sejam apenas celebradas, mas manifestadas em obras concretas de caridade”. Trevas em África Recordando aos presentes nesta missa a luz de Cristo recebida no baptismo, o Papa pediu-lhes que fossem “fiéis a este dom, certos de que o Evangelho pode revigorar, purificar e enobrecer os profundos valores humanos da vossa cultura originária e das vossas tradições: famílias solidárias, profundo sentido religioso, celebração festiva do dom da vida, apreço pela sabedoria dos mais velhos e pelas aspirações do jovens”. Pediu também gratidão para com os missionários que “tanto contribuíram, e contribuem, para o desenvolvimento humano e espiritual deste país”: “Senti-vos agradecidos pelo testemunho de tantos pais e professores cristãos, de catequistas, presbíteros, religiosas e religiosos, que sacrificaram a sua vida pessoal para vos transmitir este tesouro precioso”, prosseguiu. Em seguida, o Papa falou nas “nuvens do mal obscureceram tragicamente também a África, incluindo esta amada nação angolana”. “Pensemos no flagelo da guerra, nos frutos terríveis do tribalismo e das rivalidades étnicas, na avidez que corrompe o coração do homem, reduz à escravidão os pobres e priva as gerações futuras dos recursos de que terão necessidade para criar uma sociedade mais solidária e justa: uma sociedade verdadeira e autenticamente africana nos seus valores”, assinalou. “E que dizer daquele insidioso espírito de egoísmo que fecha os indivíduos em si mesmos, divide as famílias e, espezinhando os grandes ideais de generosidade e abnegação, conduz inevitavelmente ao hedonismo, à fuga para falsas utopias através do uso da droga, à irresponsabilidade sexual, ao enfraquecimento do vínculo matrimonial, à destruição das famílias e à eliminação de vidas humanas inocentes por meio do aborto?”, questionou ainda. Neste contexto, o Papa sublinhou que “a palavra de Deus é uma palavra de esperança sem limites”. “Deus nunca nos considera um caso perdido. Continua a convidar-nos para erguermos os olhos para um futuro de esperança, e promete-nos a força para o realizar”, assegurou. Quase a concluir, Bento XVI dirigiu-se especialmente aos jovens angolanos e a todos os jovens da África: “Queridos jovens amigos, vós sois a esperança do futuro do vosso país, a promessa de um amanhã melhor”. “Procurai conhecer a vontade de Deus a vosso respeito, ouvindo diariamente a sua palavra e permitindo à sua lei de modelar a vossa vida e as vossas relações”, pediu. No final da sua homilia, que teve passagens lidas em inglês, o Papa deixou uma palavra de encorajamento aos angolanos e a todos os cristãos da África meridional: “Olhai o futuro com esperança, confiai nas promessas de Deus e vivei na sua verdade. Deste modo, construireis algo destinado a permanecer e deixareis às gerações futuras uma herança duradoura de reconciliação, justiça e paz”. As leituras da celebração foram proclamadas em português e inglês; na oração universal foram utilizadas várias das línguas locais. Um momento de grande colorido aconteceu na apresentação das ofertas, ao som de ritmos africanos, com representantes de diversas regiões de Angola a levarem produtos que a terra oferece e peças de artesanato. Todas as ofertas – que incluíam um Arco e flecha, uma cabra e uma planta do deserto – foram entregues ao Papa, no final da Missa. O Coro que animava a Missa era composto por cerca de 600 pessoas. O altar, construído numa estrutura de aço, com 600 metros quadrados, foi colocado no topo norte do recinto. O Arcebispo de Luanda, D. Damião António Franklin, saudou o Papa no início da celebração, apresentando os Bispos da I.M.B.I.S.A e renovando as “boas-vindas” a Bento XVI. O Arcebispo de Luanda, que falava em nome dos Bispos da África austral, referiu que todos querem preservar a sua esperança num mundo melhor, com base na mensagem que o Papa veio transmitir a África. Angelus No final da Missa, antes da recitação do Angelus, o Papa pediu que os cristãos de todo o mundo “voltem os seus olhos para África, para este grande continente tão cheio de esperança, mas tão sedento ainda de justiça, paz, desenvolvimento são e integral, que possa assegurar ao seu povo um futuro de progresso e de paz”. “Que a Virgem Maria, Rainha da Paz, continue a guiar o povo de Angola na tarefa de reconciliação nacional, depois da experiência devastadora e desumana da guerra civil”, rogou, apelando ao “perdão autêntico, respeito pelos outros, cooperação”. Alargando o olhar sobre a África austral, o Papa falou de modo particular do conflito na região vizinha dos Grandes Lagos e do “difícil processo do diálogo e da negociação”. I.M.B.I.S.A. O I.M.B.I.S.A. (Reunião inter-regional dos Bispos da África Austral) reúne 6 Conferências episcopais: Lesoto (LCBC), Moçambique (CEM), Namíbia (NCBC), Zimbabué (ZCBC), Angola – São Tomé e Príncipe (CEAST) e África do Sul, que inclui a Suazilândia e Botswana (SACBC). Estas nove nações juntas correspondem a 11,36% da população africana. Em média, em toda a área, os católicos representam 27% dos habitantes. O organismo eclesial nasceu sob o influxo do Concílio Vaticano II e no contexto dos desafios que a apartheid punha na região sul-africana. Um primeiro encontro para trocar ideias e propostas aconteceu durante o Primeiro Sínodo africano (Roma – 1994). No ano seguinte, no mês de Abril, em Pretoria, África do Sul, houve um primeiro encontro organizado, ainda que a data oficial seja a de 1978, durante uma Assembleia no Lesoto. Em 1980 nasceu o Secretariado com sede em Maseru, capital do Lesoto. Durante a plenária de 1984, no Zimbabué, os Bispos decidiram modificar a estrutura do I.M.B.I.S.A. introduzindo as Assembleias plenárias, um comité de presidência permanente e um secretariado, cuja sede, desde então, se encontra em Harare (Zimbabué).

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