Madeira, um ano depois

José M.C. Barbeito, presidente da Caritas diocesana do Funchal

Um ano após a tragédia que se abateu sobre a Madeira não podemos deixar de relembrar: a reacção dos madeirenses que deram as mãos e lutaram contra os efeitos da intempérie, ofereceram-se às centenas para os mais diversos serviços e deram do que tinham ou o que podiam (comida, roupa, mobília, etc.). Em segundo, a onda gigantesca de solidariedade manifestada pelo povo português.

Apesar de habitualmente reagir com quase total passividade a muitas situações que o tocam, o português tem uma alma grande e generosa, sabe por natureza o que é o sofrimento, sabe ser solidário e generoso. Contrariamente, muitas respostas institucionais, apesar das prontas promessas de auxílio, demoraram ou continuam por cumprir. Mas, ficou demonstrado que a solidariedade manifestada por pessoas, empresas e outras instituições privadas, que se expressou através de doações a IPSS não se baseou em promessas mas na concretização imediata.

Após esta nota de abertura, como Presidente da Caritas Diocesana e fazendo uma análise retrospectiva não posso deixar de focar alguns aspectos que me parecem relevantes como lições para o futuro.

Fundamental foi a coordenação e cooperação entre as instituições no terreno, mobilizando esforços, mais-valias, respostas rápidas. Foi esse o motor da capacidade de responder a uma situação de emergência. Para o futuro ficam alguns aspectos a considerar: necessidade de ter preparados quadros de chefia, na área do voluntariado, para organizar serviços de recepção, triagem, armazenagem e distribuição de bens doados, bem como no apoio ao acolhimento. Preparação permanente de equipas de psicólogos para situações de catástrofe e emergência. A criação de uma base de dados informatizada, para registo do levantamento das situações e dos apoios imediatos e posteriores, parece-me fundamental, uma vez que a experiência evidenciou a necessidade de cruzamento de dados de uma forma segura, mas fácil e rápida.

O apoio psicológico é fundamental não só na fase imediata, mas também no posterior acompanhamento do “luto”. No realojamento, especialmente se não for efectuado no mesmo local e obrigar a alteração de locais e hábitos. As soluções para as perdas materiais são mais fáceis de encontrar, porém os males da alma duram anos.

Um enfoque especial para a necessidade de preparar quadros de chefia e respectivos níveis hierárquicos, em situações de emergência, no âmbito do voluntariado (até porque estamos num ano dedicado ao Voluntariado e pode-se fazer algo nesse sentido). Embora já abordado num parágrafo atrás, trata-se aqui de olhar sob outra perspectiva. Um elevado número de voluntários obriga a organizar (improvisar) uma cadeia hierárquica a partir do zero, com todas as virtudes e defeitos que daí advêm. Se, por um lado, se conta com uma grande boa vontade, também se encontram os heróis que tudo sabem e fazem (são os únicos), tudo resolvem (têm as únicas soluções), sobre tudo opinam (estão sempre certos) e estão prontos a declarar ao grande público as grandes necessidades, dificuldades, etc. (na opinião deles). É pois importante prever uma cadeia hierárquica adequada a possíveis cenários, onde estejam bem definidas as relações e as responsabilidades. Neste capítulo a experiência demonstrou que é vital que fique claro quem pode prestar declarações, perante a comunicação social, ou emitir apelos.

Um aspecto a considerar é a educação para a prevenção, sob todos os aspectos, pois trata-se não só de educar para o respeito pela natureza e sua conservação, como quebrar com o sentimento enraizado que ainda se verifica de querer voltar para zonas que são de risco apesar de estes serem, da pior forma, conhecidos.

A nível de Igreja, as paróquias de zonas consideradas vulneráveis deveriam criar grupos sócio-caritativos preparados para uma intervenção neste âmbito e definir um plano de emergência onde se pré-estabelecessem locais de acolhimento, para pessoas, e para bens doados.

Sobretudo é preciso estar sempre atento a transmitir palavras de fé e esperança. 

José M.C. Barbeito, Presidente da Caritas Diocesana do Funchal

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