LUSOFONIAS – O ‘Giro’ das Sete Igrejas de Roma

Tony Neves, em Roma

‘Era uma vez, em 1553, um homem chamado Filipe de Néry… assim poderia começar a história da Peregrinação às Sete Igrejas de Roma, que marca a Quaresma desta Cidade Eterna.

Era domingo (o II da Quaresma) e fazia bom tempo. Após a Missa, quatro Espiritanos, de mochila às costas, desceram até à praça de S. Pedro para iniciar o ‘Giro’: fui acompanhado pelo P. Zacharie N’Dione (Senegalês), o Irmão Marc Tyrant (francês) e o P. Alain Mayama (Congolês). Não precisamos de app’s de telemóvel porque os cerca de 27 kms da peregrinação estavam bem registados na cabeça do Irmão Marc que, desde 2013, faz com regularidade este ‘exercício quaresmal’. Com um ‘guia de luxo’, ultrapassamos as muralhas da cidade e avançamos para a segunda Igreja, a Basílica de S. Paulo fora dos Muros, construída sobre o lugar onde terá sido morto este missionário de elite. Num longo percurso, começamos por passar junto à prisão onde, no primeiro ano de pontificado, o Papa Francisco lavou os pés a uma reclusa em Quinta-Feira Santa. Depois, atravessando as ruas estreitas do Trastevere, paramos para uma curta oração na Igreja de Santa Maria, aos cuidados pastorais da Comunidade de Santo Egídio. Atravessamos o rio, chegamos a S. Paulo, na Via Ostiense. Ali paramos e rezamos, como o faríamos em todas as Igrejas.

O ‘Giro’ continuou através de um percurso antigo que se chama mesmo ‘Via delle Sete Chiese’, para que não restassem dúvidas. Um longo caminho, quase sempre em contexto rural, passando por três das Catacumbas mais famosas: Santa Domitilla, S. Sebastião e S. Calisto. Estes ‘cemitérios romanos’ são símbolo de resistência e de coragem das primeiras comunidades cristãs e, por isso, locais de visita e peregrinação obrigatória para quem vem a Roma. Ao lado das Catacumbas de S. Sebastião está a 3ª Igreja do ‘Giro’, dedicada a este santo que foi martirizado a golpe de flechas.

Percorrer a Via Appia Antiga é missão arriscada, porque ela é muito estreita e tem muitos carros a circular. Passamos junto à pequena Igreja do ‘Quo Vadis’ onde, segundo a tradição, S. Pedro foi questionado sobre as razões da fuga de Roma e voltou atrás, sendo martirizado com outros cristãos. Chegamos à quarta Igreja, a de S. João de Latrão, catedral da Diocese de Roma

O calor apertava, os músculos doíam e eram 14h e tal quando parámos para agarrar uns bocados de pizza e avançar para a basílica da Santa Cruz de Jerusalém. Ali estão, segundo a tradição, bocados da cruz onde Cristo morreu, bem como outras relíquias ligadas á Paixão. Paramos, rezamos e continuamos o caminho que nos obrigou a passar no grande cemitério de Roma ‘Al Verano’. Ali ao lado está a sexta basílica, dedicada ao mártir S. Lourenço que morreu queimado, torturado pelo fogo.

A última etapa levou-nos até Santa Maria Maior, basílica que tem o ícone da Salvadora do povo Romano. Antes e depois de cada viagem pastoral, os Papas vêm ali confiar-se à Mãe. Nós, como peregrinos, também o fizemos.

Mas voltemos à história. No longínquo século XVI, só os ricos podiam peregrinar. S. Filipe de Néry pensou num esquema que permitisse aos pobres fazer esta experiência de fé e de encontro com os outros cristãos. Naquele tempo, os pobres não tinham liberdade, não tinham dinheiro, trabalhavam noite e dia sem parar. Ora, S. Filipe, ao propor dois dias de peregrinação para os mais pobres, ‘obrigava’ os senhores e dar dois dias de férias aos seus trabalhadores, por razões de fé. Além de disso, Roma era uma cidade de maus ares, de tão poluída que estava. Esta peregrinação às raízes da Fé cristã, permitia aos mais pobres passear pelo campo, descansar, rezar e confraternizar. Os senhores sentiam-se ainda obrigados a dar alimentos para os picnics que se faziam durante esta ‘peregrinação ecológica’ que se tornou uma tradição muito querida dos romanos, abrangida pela indulgência plenária. Os tempos mudaram, mas estes caminhos continuam cheios de peregrinos.

Peregrinar é rezar com os pés. Estes quatro Espiritanos sentem-se peregrinos. O Irmão Marc Tyrant, médico, faz este ‘Giro’ desde 2013, tendo-o começado com o P. José Manuel Sabença, grande devoto deste caminho. O P. Alain Mayama, muitas vezes peregrinou a Linzolo, uma das primeiras Missões dos Espiritanos no Congo Brazaville, a 25 kms da capital. O P. Zacharie, percorreu várias vezes a pé os 60 kms entre Dakar e Popemguine, bem como os 150 kms entre Conacri e Boffa, centro de Peregrinações desde 1877.

Sete é um número de perfeição. Visitar, a pé, estas sete basílicas em tempo de Quaresma deve traduzir a vontade dos peregrinos serem mais santos, inspirados por Maria, Pedro, Paulo, João Baptista, João Evangelista, Lourenço e Sebastião…e todos os outros cujas vidas são lembradas à passagem pelas catacumbas, esse enorme símbolo de uma fé à prova de tudo.

 

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