LUSOFONIAS – Liberdade de expressão

Tony Neves, em Roma

A verdade exige liberdade. O curso ‘Economia de Francisco. Da teoria à prática’, organizado a nível da lusofonia, teve como tema, neste mês de maio, a liberdade de expressão. Trata-se de um enorme desafio de cidadania, sempre com limites impostos por quem tem mais poder e se sente no direito de dizer até que ponto os cidadãos podem ou não avançar no dizer e no lutar.

A liberdade de expressão é considerada, pelos estudiosos deste tema,  a maior de todas as liberdades. Timothy Ash, autor de um grande estudo que tem mesmo o título ‘Liberdade de expressão’, diz que ‘é aquela da qual dependem todas as outras’.

A Igreja católica foi pioneira na reflexão sobre a comunicação social, sua importância, impacto  e desafios. Ainda mal o Concílio Vaticano II abria as portas e já se publicava o decreto ‘Inter Mirifica’ (1963) que utilizava, pela primeira vez na história, a expressão ‘meios de comunicação social’ (IM , nº1). O papa Paulo VI, que encerrou o Concílio, lançaria, em 1967, a Jornada Mundial das Comunicações Sociais, atirada para a Solenidade de Ascensão. Até hoje, os Papas sempre escreveram uma Mensagem para este Dia, estando a Igreja a preparar-se para celebrar a edição nº66!

Há muitas lutas por mais e melhor liberdade de expressão, mas também há imensos condicionamentos, mais ou menos camuflados. As ideologias e os interesses económicos sobrepõem-se, quase sempre, à procura incessante e aprofundada da verdade que todos deveriam exprimir por palavras. As tentativas de manipulação, a injecção de falsas notícias (fake news) e os negócios lucrativos no mundo dos media, atiram-nos para os braços das ditaduras de shares, audiências e tiragens que, em muitos casos, quase obrigam a calcar a verdade e a pôr em causa o valor imprescindível da liberdade de expressão.

Há que reconhecer que, mesmo em contextos de perseguição, a liberdade de expressão conquista-se, usa-se corajosamente, mesmo que tal opção leve ao martírio de numerosos jornalistas todos os anos. Francisco de Assis é um bom exemplo: ele usou a liberdade de expressão para dizer tudo o que pensava, foi um homem contra-corrente e serviu-se de várias formas de linguagem para denunciar o que achava estar mal (até o despir-se na praça pública!) e para propor a sua convicta fraternidade universal, imagem de marca do espírito franciscano. O papa Francisco também não tem medo (nem mede muito as palavras) quando diz que a guerra é criminosa, exige aos bispos e padres que tenham o cheiro das suas ovelhas ou quando grita para afirmar que a Igreja ou está em saída para as periferias ou não é a Igreja de Jesus Cristo. São palavras incómodas que provocam azia a muita gente, mas que mostram ao mundo que o Papa não tem medo de partilhar com coragem as sua convicções mais profundas, doa a quem doer. Nesta mesma linha, Frei Bento Domingues defende a insurreição como característica dos cristãos, pois temos de nos insurgir contra tudo o que está mal.

Regressemos à liberdade de expressão. Anthony Lewis diz que esta tem de funcionar hoje como uma espécie de motor de busca para a verdade. Amartya Sen, Prémio Nobel da Economia, vai mais longe e mais fundo ao afirmar, como perito nestas matérias, que nunca na história humana ocorreram situações de fome prolongada nas democracias que funcionam assentes na liberdade de expressão.

Timothy Ash usa uma fábula original para abordar este tema da liberdade de expressão. Diz que os governos são os cães, as empresas são os gatos e nós, cidadãos, somos os ratos. Aparentemente, pouco ou quase nada podemos fazer para enfrentar cães e gatos. Mas não há que atirar a toalha ao chão, pois temos ainda muitas forças por explorar e capitalizar. Temos que evitar que cães e gatos se unam contra nós. Depois, como ‘netizens’ (cidadãos da era da internet), podemos influenciar a luta mundial pelo poder da palavra, através dos tratados internacionais, das leis que condicionam empresas e governos, das nossas decisões privadas quanto ao consumo e através da criação das nossas próprias comunidades virtuais e físicas para o intercâmbio de informações e ideias. Este autor conclui: ‘nunca iremos concordar todos. Mas devemos esforçar-nos por criar condições nas quais estejamos de acordo sobre a forma como discordamos’.

Em Timor, Luís Represas gritou: ‘Se outros calam, cantemos nós!’. Muitos anos antes, em contexto de falta de liberdade, Sophia escreveu: ‘Porque os outros têm medo, mas tu não! Porque os outros se calam, mas tu não!’.

 

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