LUSOFONIAS – Do Kikolo a Cabinda

Tony Neves, em Angola

É a última etapa desta ‘peregrinação’ por terras de Angola. O Kikolo é um bairro periférico da cidade de Luanda, a caminho do norte. É enorme, sem estatísticas que alguém possa confirmar. São milhares e milhares de pequenas casas a ocupar uma extensa área. Tirando a rua principal, o resto são ruelas de terra batida e lama, mesmo quando não chove. Uma grande superfície é ocupada por um mercado popular de terra batida, de enormes dimensões, que substituiu o lendário ‘Roque Santeiro’ que o governo mandou arrasar há alguns anos. A pobreza casa sempre com violência e o Kikolo não é excepção. Os carros e motos que lá circulam já devem todos muitos anos à sucata, tal o seu estado de degradação.

Ali, no meio desta desafiante pobreza, as Irmãs Filhas de África instalaram a Escola Madre Raquel Celeste com centenas de alunos do bairro. As questões de ‘justiça, paz, ecologia integral, diálogo e combate à corrupção’ deram horas de ‘simpósio’ e de conversa para professores e funcionários.

Sair do Kikolo e passar, meia hora mais tarde, na Baía de Luanda, até choca os olhos e o coração. A beleza, limpeza e riqueza da ‘sala de visitas de Angola’ não tem nada a ver com a miséria que vitima os cerca de meio milhão de habitantes das áreas do Kikolo!

Cabinda acolheu-me com cacimbo, isto é, sem grande sol nem altas temperaturas. Dom Belmiro, o novo Bispo, acolheu-me no Paço com a alegria que é sua imagem de marca. Fui logo levado até Lândana, a primeira Missão Espiritana no espaço Lusófono. Doeu-me ver a Igreja centenária no chão, após derrocada que deitou por terra décadas e décadas de história. Alegrou-me a promessa do governo a reconstruir, como Paris fará à Notre Dame. Ali tive o primeiro encontro de formação, regressando à capital. Os 45 kms são de rara beleza de paisagem tropical, mas dói ver crianças e jovens com tambores de água à cabeça, numa terra onde tudo é tão luxuriante. Também espanta ver as plataformas de petróleo no mar a deitar chamas e, em terra, filas de carros nas bombas a tentar arranjar o combustível que escasseia! Cheguei a tempo da sessão prevista no Instituto J. Paulo II, dedicada às Religiosas e a quantos trabalham nas escolas católicas e nas universidades.

Aqui as manhãs acordam cedo! Presidi na Catedral às 6.30. Três sessões do ‘Simpósio’ marcaram este último dia, começando na Missão (com líderes de movimentos e catequistas), continuando na Reunião do Bispo com os seus padres e terminando no Seminário (com seminaristas e líderes juvenis). Marcou-me a vontade de saber mais, as perguntas que nunca mais acabavam e coragem de pôr dedos nas feridas dolorosas de uma Igreja que esteve dividida e de um povo que continua a sentir que o governo central não os respeita muito, havendo gente a insistir na independência.

A cidade cresce em ritmo acelerado e os sinais de esperança em tempos melhores já se desenham em muitas conversas. Mas o longo caminho para a liberdade e democracia ainda se está a percorrer e o povo ganhou voz para denunciar o que acha mal e para abrir janelas ao futuro.

O regresso a Luanda foi só para voar em direcção a Roma, via Paris. Foram 30 curtos dias que me confirmaram a convicção de que a Missão constrói vidas felizes.

 

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