LUSOFONIAS – Dizer e fazer

Tony Neves, em Roma

A pandemia veio dar força à celebração do Dia Mundial do Doente, neste 11 de fevereiro, dedicado a Nossa Senhora de Lourdes. Foi em 1992 que o Papa João Paulo II instituiu este Dia, confiando as pessoas doentes aos cuidados maternais da Mãe.

A Mensagem do Papa Francisco, para este pandémico 2021, inspira-se na passagem bíblica que diz: ‘Um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos (Mt 23, 8). Fica claro o propósito do Papa: há um risco grave de se falar muito e de agir pouco. A coerência tem de ser palavra chave, pois é urgente fazer coincidir o dizer com o fazer. Todos são chamados à fraternidade universal, mas ninguém está imune do mal da hipocrisia que nos torna incoerentes. Na relação com os doentes, Jesus é claro: ‘propõe deter-se, escutar, estabelecer uma relação direta e pessoal, sentir empatia e enternecimento, deixar-se comover pelo seu sofrimento até lhe valer e servir’.

Francisco dirige-se às vítimas da pandemia do coronavírus, especialmente aos mais pobres e marginalizados. Quando doentes, as pessoas tornam-se mais vulneráveis e dependem dos outros. Precisam, sobretudo, de Deus, a quem perguntam pelo sentido da vida e pedem uma âncora para enfrentar e superar os momentos de sofrimento, como aconteceu com Job.

Não há doenças, há doentes e cada um é único. ‘A atual pandemia colocou em evidência tantas insuficiências dos sistemas sanitários e carências na assistência às pessoas doentes. Viu-se que, aos idosos, aos mais frágeis e vulneráveis, nem sempre é garantido o acesso aos cuidados médicos, ou não o é sempre de forma equitativa. Isto depende das opções políticas, do modo de administrar os recursos e do empenho de quantos revestem funções de responsabilidade’, adverte o Papa que elogia ‘uma série silenciosa de homens e mulheres que optaram por fixar aqueles rostos, ocupando-se das feridas de pacientes que sentiam como próximo em virtude da pertença comum à família humana’.

O Papa alerta para o facto de a doença ter sempre um rosto e, às vezes, até mais que um: ‘o rosto de todas as pessoas doentes, mesmo daquelas que se sentem ignoradas, excluídas, vítimas de injustiças sociais que lhes negam direitos essenciais’.

Podemos e devemos, enquanto humanos, ser bálsamo que alivie a dor dos doentes e os consola, como fez o Bom Samaritano do Evangelho. É urgente o amor fraterno e acolhedor de cada pessoa e da comunidade. É que a solidariedade se expressa pelo serviço, sobretudo aos mais frágeis. Por isso – lembra o Papa – ‘o serviço nunca é ideológico, dado que não servimos ideias, mas pessoas’.

Para a terapia ser integral é preciso apostar num bom relacionamento entre os pacientes e quem os acompanha e tenta tratar: ‘a valorização deste aspeto ajuda também os médicos, enfermeiros, profissionais e voluntários a ocuparem-se daqueles que sofrem para os acompanhar ao longo do itinerário de cura, graças a uma relação interpessoal de confiança. Trata-se, pois, de estabelecer um pacto entre as pessoas carecidas de cuidados e aqueles que as tratam’.

Numa perspetiva cristã, o sofrimento humano encontra sentido na identificação da pessoa doente com Cristo: ‘Efetivamente, do mistério da morte e ressurreição de Cristo, brota aquele amor que é capaz de dar sentido pleno tanto à condição do doente como à da pessoa que cuida dele. Assim o atesta muitas vezes o Evangelho quando mostra que as curas realizadas por Jesus nunca são gestos mágicos, mas fruto de um encontro, uma relação interpessoal, em que ao dom de Deus, oferecido por Jesus, corresponde a fé de quem o acolhe, como se resume nesta frase que Jesus repete com frequência: ‘A tua fé te salvou’’.

A aplicação do mandamento do amor na relação com as pessoas doentes pode salvar muitas vidas. O ‘amai-vos uns aos outros como Eu vos amei’ é inspiração constante para quem tem um olhar de compaixão que leva a compromissos de opção pelos que vivem momentos de sofrimento. Diz o Papa que ‘uma sociedade é tanto mais humana quanto melhor souber cuidar dos seus membros frágeis e atribulados e o fizer com uma eficiência animada por amor fraterno. Tendamos para esta meta, procurando que ninguém fique sozinho, nem se sinta excluído e abandonado’.

A última palavra dos escritos oficiais da Igreja é sempre – ou quase – orientada para Maria, a Mãe de Jesus. Esta não é exceção: ‘todas as pessoas doentes, os agentes da saúde e quantos se prodigalizam junto dos que sofrem, confio-os a Maria, Mãe de Misericórdia e Saúde dos Enfermos’.

Fica lançado o desafio a todas as pessoas para que não se fiquem por lindas ideias, mas façam o seu melhor para que o sofrimento dos doentes seja ultrapassado ou ganhe um novo sentido.

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