LUSOFONIAS – A Santa Dulce dos Pobres

Tony Neves

Roma está a abarrotar de gente por muitas razões. É uma cidade grande, há muito que ver, os turistas chegam aos milhares…mas há duas razões a acrescentar: decorre o Sínodo sobre a Amazónia e houve cinco canonizações: quatro santas e um santo, naturais de Brasil, Inglaterra, Índia, Itália e Suíça. E, para esta festa – uma canonização de um santo é sempre uma festa enorme – vieram pessoas destes e doutros países para encherem por completo a Praça de S. Pedro e ruas limítrofes.

Desculpem os outros santos por eu só falar da Irmã Dulce (1914-1992), de Salvador da Bahia, a primeira santa genuinamente brasileira, também conhecida por ‘o anjo da Bahia’. Na apresentação da vida da Irmã Dulce ao Papa Francisco, o cardeal Becchiu, prefeito da Causa dos Santos, elogiou a sua vida entregue aos mais pobres dos mais pobres, aqueles a quem ninguém dá vez nem voz. Para que toda a gente pudesse entender bem qual o perfil desta nova santa, alguns meios de comunicação chamaram-lhe a madre Teresa de Calcutá…do Brasil! Outros media recordaram que o grande hospital da Baía, Santo António, nasceu de uma casa de acolhimento fundada pela Irmã Dulce. E as Irmãs da Irmã Dulce continuam este fantástico trabalho juntos dos pobres mais pobres do Brasil.

Confesso que não conhecia bem a irmã Dulce, apenas tinha ouvido falar dela por ocasião da beatificação. Mas, para boa parte do povo brasileiro, ela já é santa há muito tempo. O Padre Orlando Zanovelli, Procurador Geral dos Espiritanos, diz que as pessoas não duvidam nem um bocadinho da santidade da sua vida. Contou-me que ela passava diariamente num grande mercado para recolher bens alimentares a dar aos pobres que acolhia no seu hospício. Quando estendeu a mão a um dos proprietários de produtos agrícolas, ele cuspiu-lhe. Ela não se descompôs e respondeu: ‘sim, esta cuspidela é para mim, que eu mereço. E agora, para os meus pobres, o que é que o senhor vai dar?’! Estas e muitas outras estórias marcam a vida e missão de uma mulher que, nascida em família com algumas posses (o pai era dentista e professor universitário), tinha um futuro promissor à sua frente. Estudou para ser Professora e decidiu dedicar-se aos mais abandonados. Entrou na Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição e da Mãe de Deus, onde seria uma pioneira na defesa dos pobres ao criar o Sindicato dos Trabalhadores de São Francisco – como me contou o Prof. Daniel Seidel, um académico e activista cristão muito empenhado em questões que justiça e paz, vindo a Roma para participar no Sínodo sobre a Amazónia.

Foi providencial que a sua canonização decorresse, a 13 de Outubro, durante o Sínodo sobre a Amazónia. E gostei de ver a partilhada esta festa com santos e santas nascidos e crescidos nos quatro cantos do mundo para mostrar como a santidade é sem fronteiras. E permitam-me que cite o cardeal Tolentino Mendonça sobre outros dos santos canonizados com a Irmã Dulce: o Cardeal Newman (1801-1890), de Inglaterra é um precursor do Concílio Vaticano II, pois as suas ideias sobre o papel dos leigos avançam a ‘Lumen Gentium’, as suas convicções sobre o papel da consciência antecipam a ‘Gaudium et Spes’, os seus escritos e práticas ecuménicas vão muito além dos textos conciliares.

Os santos/as, além de inspiradores, estimulam à entrega radical às causas gravadas nas páginas dos Evangelho, seguindo Cristo bem de perto. Elas e eles são referências de vida cristã e de cidadania responsável. Fazem falta.

Tony Neves, em Formia

 

 

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