Lei do aborto em Espanha é tão restritiva como a portuguesa

O secretário-geral e porta- voz da Conferência Episcopal Espanhola (CEE) desfez ontem alguns equívocos sobre o que se passa em relação ao aborto e aos “casamentos” homossexuais naquele país ibérico. Falando à margem da XV Semana de Estudos Teológicos, a decorrer na Faculdade de Teologia de Braga, o padre Juan Antonio Camino lembrou que, em matéria de aborto, a lei em Espanha é tão restritiva como a legislação portuguesa actual, realçando mesmo a investigação judicial em curso a algumas clínicas, que, de acordo com o Ministério Público, têm assistido ilegalmente a abortos. Por outro lado, o sacerdote referiu que «o que se legislou em Espanha não foram os “casamentos” homossexuais », mas toda e qualquer união, que pode decorrer durante um período de tempo mais ou menos longo e se realiza de forma conjuntural. «O Código Civil não prevê a palavra “homossexual”. Apenas tem presente uma pessoa que se queira unir com outra por um período breve [superior a três meses] e conjuntural. Ora, isto não é matrimónio», disse aos jornalistas o porta-voz da CEE, acrescentando que, paradoxalmente, «a Constituição Espanhola refere que apenas um homem e uma mulher têm direito a contraírem matrimónio». O sacerdote, que lamenta o aumento do número de divórcios em Espanha, espera mesmo que a legislação daquele país seja revista, dado que esta «não protege o casamento, nem o reconhece », adivinhando até «graves consequências para a sociedade espanhola». Já em relação ao referendo do próximo dia 11 de Fevereiro, o padre Juan Antonio Camino deseja «que o povo português dê uma resposta retumbante, defendendo a vida dos filhos que ainda não nasceram e que não têm qualquer protecção». Contrariando a ideia corrente de que as clínicas em Espanha se encontram de “portas escancaradas” para a realização de abortos e que esta prática equivale ao aumento dos níveis de desenvolvimento sócio-económico do país, o secretário-geral da CEE lembrou que naquele país ibérico «existe despenalização até às dez semanas, em caso — comprovado — de perigo para a vida da mulher, má formação do feto ou violação». Questionado pelos jornalistas, o padre Juan Antonio Camino disse que, «de facto, o Concílio Vaticano classifica, em sentido amplo, o aborto como crime», dado que «o que se está a tirar é a vida a um ser humano, que não é um mero apêndice da mãe». «Recomeçou-se a debater a questão nos últimos meses, porque se descobriu que existem clínicas espanholas que, infringindo a lei, se dedicam a eliminar seres humanos a qualquer preço e em qualquer fase de desenvolvimento do feto», contou o sacerdote, fazendo notar que estes casos já se encontram nas mãos da justiça. «Uma sociedade que não respeita a Vida é uma sociedade sem futuro», afirmou. «Diálogo inter-religioso é complexo» Na mesma linha e sem pretender fugir aos temas mais quentes que têm colocado em rota de colisão a Igreja Católica espanhola e o governo socialista de José Luis Zapatero, e ainda as posições da hierarquia sobre o diálogo inter-religioso que têm suscitado críticas por parte da ala muçulmana mais radical a residir no país vizinho, o padre Juan Antonio Camino tornou presente a Instrução Pastoral “Orientações morais perante a actual situação da Espanha”, publicada em Novembro do ano passado. Durante a conferência “Actualidade de conteúdos esquecidos”, o teólogo acabou por sublinhar a crítica feita no documento pelos bispos espanhóis ao «laicismo radical» de alguns sectores da sociedade daquele país (que esteve na origem de algumas leis aprovadas recentemente relativas ao matrimónio e à bioética) e justificar, sem se referir a casos concretos, ao «diálogo complexo com as outras religiões» (a situação mais recente reporta-se à negação por parte da diocese de Córdoba de se estabelecer uma oração partilhada entre católicos e muçulmanos na catedral da cidade e a sua conversão num templo inter-religioso…). Sem colocar em causa o valor e a importância dos outros movimentos religiosos, o secretário-geral da CEE disse que «o diálogo pressupõe sempre um discurso entre duas ou mais instâncias », mas que «dissimular o que é específico a cada uma das partes só para se conseguir uma boa coabitação, é falsear o próprio diálogo». «Apesar daquilo que se possa dizer, não conheço nenhuma religião tão dialogante como o cristianismo» Linguagem e identidade «É muito frequente encontrarmos muitos contemporâneos nossos que afirmam acreditar numa força que anima o universo e nós próprios, de forma mais ou menos determinante, consoante os graus de radicalidade da crença. Trata-se de uma visão que elimina a possibilidade de pensar Deus em termos personalistas e que entra claramente em conflito com a interpretação bíblica de Deus, dos humanos e do mundo». Foi desta forma que o professor da Faculdade de Teologia de Braga João Duque abordou a temática sobre “o conflito das linguagens”, lançando um conjunto de desafios de cariz pastoral, no sentido de se transmitir a fé numa linguagem actual, sem se distanciar o discurso da identidade cristã. Na XV Semana de Estudos Teológicos, o docente lembrou que «os nossos contemporâneos, sobretudo jovens e adolescentes, entusiasmam- se muito mais com uma linguagem que faça viver um Deus consolador, companheiro amigo que torne a vida mais adocicada, sobretudo nos momentos em que ela manifesta as suas amarguras». «Mas será Deus apenas e primordialmente consolador », questionou o teólogo, referindo, por outro lado, que, «em linguagem actual, teríamos mais inclinação para considerar Jesus Cristo o herói que triunfa sobre o mal, segundo o modelo cinematográfico, impregnado em crianças e adolescentes através dos desenhos animados: é o herói “a la James Bond”, cuja capacidade de luta vence, em violência, os seus adversários, tornando-os vítimas derrotados. É o famoso processo ancestral da fundação da vida e da sociedade: um herói que derrota alguém, construindo o futuro sobre a vítima derrotada». «Mas, o cristianismo é, nisto, absolutamente paradoxal, pois a vida futura funda-se sobre a vítima», e «a linguagem caminha aqui ao lado dos perdedores e não dos vencedores», afirmou João Duque, que sustentou que, «sendo a fé cristã a adesão a uma interpretação do mundo, o processo da sua transmissão implica, inevitavelmente, o contacto com outras interpretações do real e do seu sentido», o que pode resultar «num conflito de interpretações ». Isto exige, por sua vez, uma atenção redobrada por parte de todos os agentes de pastoral, num processo que João Duque diz ser «complexo».

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