Igreja, Estado e diálogo construtivo

Francisco Sarsfield Cabral alerta para algum virulento anti-clericalismo que ainda marca certas mentalidades Depois do 25 de Abril, houve a clara percepção por parte da maioria dos líderes políticos do novo regime – com destaque para Mário Soares – de que a democracia só teria a perder se fosse repetida a agressiva hostilização da Igreja Católica que caracterizou a I República. E, tendo deixado de ser dominante na sociedade e sem o apoio político que recebera do regime salazarista (e, antes, da Monarquia, quando era religião de Estado), a Igreja mostrou ser capaz de se adaptar ao novo quadro. Aceitou com naturalidade o princípio da separação entre Estado laico e Igrejas (concretizado de forma iníqua pela I República, é certo). Compreendeu que se situava, agora, numa sociedade pluralista onde os católicos praticantes são uma minoria. E promoveu o diálogo construtivo com o Estado e com as instituições da sociedade civil, incluindo outras confissões religiosas e os não crentes. Será que este clima positivo e distendido está a ser posto em causa? De facto, os meios de comunicação social têm referido alguns atritos entre a Igreja e os actuais governantes. Em parte por influência do Governo de Zapatero, em Espanha, e também porque o Governo socialista português necessita de se afirmar “de esquerda” e as chamadas questões fracturantes surgem como um domínio onde essa afirmação com mais facilidade pode ser feita, surgiram sugestões, projectos e medidas que desagradaram à Igreja. Por outro lado, ainda há quem não tenha percebido a diferença entre uma saudável laicidade do Estado, que até torna a Igreja mais livre na sua esfera de acção, e um laicismo tendencialmente totalitário, que, sob uma pretensa neutralidade, visa impor a toda a sociedade uma determinada concepção da vida, da pessoa e da moral. Por exemplo, por vezes vemos reacções negativas quando dirigentes da Igreja tomam posições sobre leis que ferem a visão cristã do mundo – leis do aborto, do divórcio, etc. Mas a Igreja não impõe nada, apenas intervém no debate público como qualquer outra entidade, procurando fazer valer os seus pontos de vista pelo diálogo racional. Na recente entrevista do Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ortiga, à Rádio Renascença e ao jornal Público, ficou claro o desejo da Igreja de evitar conflitos inúteis. Penso que estes problemas não devem ser dramatizados. E que, uma vez finalmente regulamentadas as disposições da Concordata, assentará muita da poeira que hoje anda no ar. É que o conflito não convém à Igreja nem ao Governo. O esgotante trabalho da presidência portuguesa da União Europeia, no segundo semestre do ano passado, terá atrasado muita coisa que já deveria estar resolvida. Tal atraso abriu brechas através das quais se pôde manifestar, a vários níveis do Estado e no espaço público, algum virulento anti-clericalismo que ainda marca certas mentalidades. Há, portanto, que recuperar o atraso e dialogar sempre, desfazendo equívocos e incompreensões. Não duvido que seja essa a intenção dos dirigentes do Estado e da Igreja. É a única atitude que beneficia os portugueses. Francisco Sarsfield Cabral (Director de Informação da Rádio Renascença)

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