Igreja e Media

Sonho de uma presença na imprensa escrita condicionado por questões financeiras Na vertiginosa lógica da comunicação, a Igreja Católica quer sintonizar o seu discurso com os media e as pessoas. Presenças e linguagens estão em análise na edição especial da Agência ECCLESIA, para assinalar o Dia Mundial das Comunicações Sociais, que a Igreja celebra este Domingo, 4 de Maio. O Presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, D. Manuel Clemente, admite problemas na relação com os Media, mas avança justificações. “Sobre a hierarquia, há que dizer que esta está no centro da vida eclesial, que é algo muito complexo. O centro, precisamente para desempenhar o seu papel, é o foco das tensões mais variadas e vindas de diversos sentidos”, assinala, frisando que “a obrigação de coordenação que o centro tem, não lhe permite algumas posições de maior risco e inovação”. Este responsável afirma que “é bom que a Igreja tenha a Agência ECCLESIA, tenha a Rádio Renascença, que exista um variado número de semanários locais e um ou dois diários. É bom que tenha também presença na televisão pública e em alguma privada. É uma presença definida. É importante que as pessoas saibam quem é que estão a ouvir, em que termos e com que intuitos”. Sobre a possibilidade de vir a Igreja ter ou não um diário, D. Manuel Clemente refere que este “é uma coisa muitíssimo cara”, mas admite que “seria positivo a existência de um diário que publicasse uma visão católica das questões e dos problemas”. Igreja e comunicação A Conferência Episcopal Portuguesa apostou neste último triénio na comunicação. Os bispos estão atentos à importância do discurso mediático? Têm de estar. Os Bispos existem em função da evangelização, como toda a Igreja. E de uma forma geral, evangelização é comunicação, que ganha contornos próprios do nosso tempo. O modo hoje de comunicarmos é mais acelerado, diversificado e potenciado do que era noutras épocas. Se a fidelidade se mantém, temos de a transmitir de uma forma nova. Mas existe outra razão mais profunda. A comunicação não é apenas uma questão do meio técnico de transmitir uma mensagem. É um modo próprio de viver, que agora, numa versão moderna, tem o nome de interagir. E os Bispos sabem interagir? Vamos aprendendo. Mas todos aprendemos. Tanto a Igreja como a sociedade, todos aprendemos a interagir. Temos sempre a hipótese de não entrar no circuito veloz da comunicação, mas isso não pode ser. Por isso temos de aprender esta forma nova de comunicar. Não pode ser da forma prolongada, como foi noutros tempos, onde havia tempo para reflectir e ponderar cada frase. Os Bispos tentam evangelizar comunicando ou comunicar evangelizando? Nem sei fazer a distinção. A evangelização é comunicação. Há uma definição do que é a vida e missão da Igreja que encontramos num dos textos primitivos do Novo Testamento. A 1ª Carta de São João começa com esta definição: “Aquilo que nós vimos e ouvimos acerca do verbo da vida é aquilo que nós agora vos comunicamos, para que vós também entrais nesta comunhão”. A evangelização é a comunicação de uma vida que nós recebemos, dos ensinamentos e da pessoa de Jesus e que depois vamos partilhando com outros. Isto é absolutamente essencial à evangelização. Evangelizar é comunicar e comunicar, se for da nossa própria pessoa e convicção, então é evangelizar. O que os Media pedem não se centra num discurso pessoal e testemunhal como a Igreja quer fazer passar. Isso acarreta dificuldades para o discurso da Igreja? Esse é um problema mútuo, quer da Igreja quer dos Media. É um problema da Igreja porque não pode passar a sua mensagem senão através da vida dos cristãos. É um problema dos Media porque o que notamos na comunicação é que a dimensão pessoal está pouco presente, quer do ponto de vista de quem transmite, como a quem se refere. Tratam-se casos de grande densidade pessoal como se fossem apenas sugestões de informação e entretenimento. Não pode ser. E os Bispos têm esse problema presente? Não apenas no trabalho enquanto líderes diocesanos mas enquanto líderes da comunidade cristã? É diferente fazer uma homilia para a assembleia de cristãos ou a dar uma entrevista para rádio ou televisão. Apesar de alguns bispos manifestarem mais à-vontade do que outros… Mas a vida também vai dando algum treino. E a vida da Igreja, é, num certo sentido, uma óptima escola de comunicação. O Cristianismo não é uma religião individual, mas é necessariamente comunicação. A própria participação eclesial dá esse treino de comunicação. A hierarquia faz-se presente nos Media? Julgo que sim. Temos até pouca margem de recuo. Se não estivermos presentes a comunicação quase que nos assalta no caminho. Sentem-se pressionados? Já faz parte da vida actual. É dentro dessa interacção que hoje vivemos. Mesmo que quiséssemos fugir para um deserto, a comunicação ia atrás, pois acharia curioso e algo exótico. Mas, repito, não se trata de uma questão da Igreja, mas da sociedade no seu todo. Perceber que estamos num patamar de comunicação diferente tem repercussões a todos os níveis, tanto eclesiais, políticos, sociais e culturais. O “equipamento mental humano” não dá saltos tão rápidos como a tecnologia permite. Um dos grandes problemas actuais mostra a dificuldade de, por um lado ir digerindo e por outro dirigindo a nossa comunicação que, tecnicamente nos possibilita muita coisa, mas que eticamente, não está definida. Mas este confronto não pede uma resposta da Igreja mais activa e pronta? Em alguns casos sim noutros não, porque “tanto se é preso por ter cão como por não ter”. Mas sobre a hierarquia, há que dizer que esta está no centro da vida eclesial, que é algo muito complexo. O centro, precisamente para desempenhar o seu papel, é o foco das tensões mais variadas e vindas de diversos sentidos. Enquanto centro, dá unidade porque pondera e integra. Em princípio, o centro não é o mais criativo. O mais criativo, diríamos nós, é a periferia, que tem menos responsabilidades, responde por si e não pelo todo. A obrigação de coordenação que o centro tem, não lhe permite algumas posições de maior risco e inovação. Podemos ver a Igreja no seu conjunto e algumas iniciativas que tem no campo da comunicação social que procuram conjugar quer o papel do centro, e portanto da hierarquia, e por outro lado pessoas que, com menos responsabilidade vão criando e imaginando. No âmbito da comunicação social da Igreja, há alguns anos, ensaiou-se algo, que julgo muito interessante, que é o grupo de consultores da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais. São especialistas de áreas diversas, quase todos leigos e que se pronunciam sobre variados temas da actualidade. Os participantes respondem dentro da sua especialidade e competência e são igualmente Igreja. Como avalia a presença das notícias sobre o religioso na óptica generalista? O religioso está muito presente e é muito apetecido. Mas nem todo o religioso é cristão. Sobretudo numa época de poucas certezas e poucas seguranças, as pessoas têm hoje uma apetência pelo campo, tradicionalmente atribuído à religião. Há muita apetência, mas nem tudo é evangelicamente apurado. Qualquer coisa inerente à pessoa humana dá para tudo. Há falta de preparação para tratar os assuntos religiosos? Há uma óbvia falta de preparação. Em que sentido? Já me aconteceu, em vários órgãos de comunicação, encontrar uma pessoa que vai conduzir a entrevista e demonstra que não sabe de que está a falar. Pelas próprias perguntas que faz, pela forma como usa certas palavras, se percebe que a pessoa não está por dentro do conteúdo. No âmbito da Comissão Episcopal das Comunicações Sociais, e concretamente no âmbito da Agência Ecclesia, actualmente qualquer jornalista que queira inteirar-se sobre assuntos religiosos consulta o site. Mas este problema que aponto é visível em vários campos, não só no campo do religioso. Na cultura, nas ciências… Há casos excelentes de jornalistas preparados, mas há muitos outros casos que se abordam assuntos sempre no mesmo tom, sem perceber que são domínios que requerem uma competência específica. Mas porque alguns fenómenos religiosos são mais focados e são mais vendáveis e o discurso da Igreja pode não chegar como se gostaria, essa falta de preparação é mais notória? Com certeza, sobretudo em alguns dossiers que requerem melhor preparação para ser abordados. Mas há outro elemento que geralmente as pessoas que escrevem sobre comunicação social põem em relevo, e é uma certa cenografia e dramaturgia. A comunicação social, por vezes, distingue-se pouco do que é espectáculo. Uma notícia que não possa ser encenada e não tenha ingredientes em contraste, não é notícia. O que apresenta contraste, apetece mais, numa sociedade que, julgo eu, por falta de participação, está melhor do lado do espectador, e então, é-lhe oferecido espectáculo. A presença do religioso na comunicação social deve seguir a orientação de “ser fermento na massa” ou através de uma presença mais firme? As duas vias são precisas. É bom que a Igreja tenha a Agência Ecclesia, tenha a Rádio Renascença, que exista um variado número de semanários locais e um ou dois diários. É bom que tenha também presença na televisão pública e em alguma privada. É uma presença definida. É importante que as pessoas saibam quem é que estão a ouvir, em que termos e com que intuitos. Mas também é bom o que acontece – e tomara que aconteça muito mais – haver pessoas da comunicação social que são igualmente cristãs e no seu local de trabalho são testemunho de uma vida aberta ao religioso. Questão financeira trava jornal da Igreja Não é nova a possibilidade de a Igreja ter uma presença mais firme na área da comunicação social, nomeadamente através de um jornal. Este é um sonho apenas de alguns ou é um projecto a desenvolver? Os vários meios de comunicação social não se excluem. A existência da Internet, da televisão ou da rádio não exclui a imprensa no seu sentido tradicional e evolutivo. Sobre a possibilidade de vir a ter ou não um diário…é uma coisa muitíssimo cara. Por um lado era positivo a existência de um diário que publicasse uma visão católica das questões e dos problemas. Não apenas de notícias religiosas… Numa óptica geral. Há uma perspectiva cristã da vida que se aplica a tudo. Isto seria bom para manter um debate cultural mais fecundo na sociedade portuguesa. Não é um sonho de alguns. É uma possibilidade. Mas a questão financeira é muito importante. Mas é o critério económico que impede este projecto de avançar? Dá muito que pensar… Houve uma tentativa de fazer um semanário nos anos 70, mas teve de ser interrompido, pois era insuportável. E estes projectos têm custos que não podem ser indefinidamente suportados pelos cristãos em geral. As dioceses têm de administrar as comunidades tendo em conta as actividades pastorais. Um órgão de comunicação escrito diário é muito caro. Ou semanário… Essa seria uma hipótese e foi a que se experimentou nos anos 70, mas mostrou-se inviável. Vamos ver o que o futuro nos garante. A Igreja já tem alguns jornais diários. No Continente destaca-se o «Diário do Minho», nos Açores «A União»… Mas de circulação mais restrita, não de âmbito nacional… A hipótese seria algum destes diários evoluir para nacional, mas é um passo a dar com muita calma. É preciso ver que, hoje em Portugal, ninguém pode dizer que não tem informação disponível acerca dos temas eclesiais. Pela Internet qualquer pessoa tem acesso directo a uma agência de informações católica. Portanto não se pode questionar o que é que a Igreja pensa sobre determinado assunto… Se é uma questão momentosa a Agência Ecclesia procura dar-lhe resposta diária. Em que plataformas é que a Igreja, através da comunicação social, deveria investir mais? Os locais onde investe, são já importantes e esse investimento deve continuar a existir. Há dois pontos onde se deveria investir ainda. Um é no campo da chamada cultura erudita. Não apenas na música ou no discurso popular mas também no erudito. No âmbito científico, filosófico, a Igreja pela própria tradição cultural que transporta devia ser mais criativa. No campo da juventude também se deveria investir mais. Há uma preocupação grande, não só da Igreja mas da sociedade, com a transmissão de valores às gerações mais novas. É importante assegurar essa transmissão para que os jovens assumam os valores de maneira criativa e os enriqueçam. Como lá chegar, com que linguagens e técnicas, enquanto comunicação social exercitada, essa é outra preocupação. Outro ponto ainda é o tempo livre. Um tempo muito pouco liberto em termos de expansão do espírito e da formação. Infoética Bento XVI na mensagem para 42.º Dia Mundial das Comunicações Sociais apontou a necessidade de reflectir numa infoética. A deontologia profissional não chega? O avanço tecnológico não é suficientemente acompanhado pelo progresso deontológico e pela referência ética. Actualmente quem trabalha na comunicação social, pressionado pela vertigem do instantâneo e da concorrência, afasta-se da dimensão humana, do respeito pelo outro, que a Doutrina Social da Igreja apresenta. A sociedade tem problemas éticos e a maior parte não são especificamente religiosos. Há o problema do respeito pela vida. Sabemos que hoje, de uma maneira técnica são possíveis manipulações genéticas e avança-se em campos sem se fazer uma reflexão ética anterior que perceba se há respeito pela vida humana. Estas questões colocam-se no campo da infoética porque a ética, como reflexão, exige detenção, resguardo, maturação e um diálogo prévio, quer interior quer também com outras pessoas que se debrucem sobre o assunto. A possibilidade informativa que hoje temos veicula as informações de tal maneira que estas nos chegam antes de sabermos se elas são boas e positivas. Há portanto um problema infoético grave. Dentro dessa lógica vertiginosa, a Igreja sente-se retratada no que passa para as pessoas? Mas há alguma instituição ou organização que hoje se sinta bem na comunicação social? Necessariamente não. A Igreja, o próprio Estado, as Universidades…desde que institucional. O institucional nunca é a aventura de um só. É sempre a responsabilidade de uma ideia partilhada. Se se vai apenas do «fait-divers» de um caso ou de outro não se tem em conta esta ponderação colectiva que é necessária para um tratamento institucional. Os exemplos diocesanos são bons exemplos de como as notícias religiosas são tratadas? Esta presença deve ser valorizada? Na sua maioria, estes órgãos têm uma dimensão local. Dada esta proximidade, que os grandes meios dificilmente terão, a população alvo sente-se retratada e participativa. No campo da comunicação social da Igreja há ainda um sector a referir que nem sempre aparece suficientemente mencionado e observado e que é muito dinâmico: a imprensa missionária. Se hoje quisermos ter uma ideia dos problemas do mundo, de forma mais aprofundada e garantida pelos testemunhos que publica, temos de consultar a imprensa missionária, que tem uma grande qualidade. Cultura e Comunicação No final de três anos à frente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, que balanço faz deste caminho? Foi um caminho que quis aproximar trabalhos que estavam a ser feitos de uma maneira bastante particularizada. As comunicações sociais da Igreja contam com décadas de trabalho através do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais. O Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, que tem menos tempo, desenvolve um trabalho inovador e contribui para uma reflexão mais erudita e trabalhada, onde a cultura não apenas se veicula mas sobretudo se produz, se incentiva e se estimula. O Secretariado dos Bens Culturais promove a salvaguarda e valorização pastoral do património da Igreja. Eram três sectores que estavam mais estanques e que nestes três anos se procuraram unificar numa comissão, mantendo o trabalho específico dos secretariados. Nesse sentido o saldo foi muito positivo. Tem havido uma boa influência de motivações entre secretariados. Três anos depois de ter começado a funcionar já se atingiu uma plataforma normal de entendimento nestas áreas e por isso, uma resposta mais coesa no campo da comunicação social e da cultura. Enquanto homem da comunicação, como é que a sonha? Gostaria que a primeira afirmação da Doutrina Social da Igreja que é a promoção, a salvaguarda da pessoa humana e a sua dignidade fosse o objecto, o assunto e a substância da comunicação social. FOTO: Miguel Cardoso/Terra das Ideias

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