Humanizar a morte, uma revolução cultural

Lisboa, 24 out 2012 (Ecclesia) – O padre José Nuno Silva, capelão do Centro Hospitalar São João, no Porto, considera que a humanização da morte na sociedade constitui um verdadeiro “desafio civilizacional” a que a Igreja tem de estar atenta.

“Integrar a morte na vida é uma revolução cultural”, refere o sacerdote, doutorado em bioética pela Universidade Católica Portuguesa (UCP) e especialista na investigação sobre esta matéria.

Este responsável assina a obra ‘A Morte e o Morrer entre o Deslugar e o Lugar. Precedência da Antropologia para uma Ética da Hospitalidade e Cuidados Paliativos’, que agora chega às livrarias.

“A Igreja tem de compreender que não pode estar ausente e deve formar cuidadosamente os agentes que envia para o hospital, para que sejam parte integrante deste processo de recriação de uma arte de morrer. Isto é nova evangelização”, afirmou o sacerdote, em declarações recolhidas pela ECCLESIA.

O livro, publicado pelas Edições Afrontamento, recolhe a tese de doutoramento defendida pelo padre José Nuno Silva e aprovada por unanimidade em janeiro.

“A Igreja tem um papel fundamental neste processo de reintegração da morte na vida das pessoas, porque é necessário tornar a significar a morte”, observa.

O trabalho do capelão do Hospital de São João foi orientado pelo padre Arnaldo de Pinho, professor da UCP e diretor do seu Centro de Estudos do Pensamento Português, e Walter Osswald, investigador e docente universitário na área da bioética.

Para o autor, a nova obra pode ajudar os profissionais de saúde a “assumir uma tarefa com a qual não estavam a contar”, a de “humanizar a morte”, numa sociedade em que “o morrer passou para o hospital”.

“Quem vive sob a ameaça de uma morte desumana não vive bem”, alerta o especialista, para quem hoje se “morre mal” na sociedade portuguesa, em casa, nos hospitais ou nas instituições.

O capelão hospitalar, há 14 anos nestas funções, acredita que o lugar onde se estão a “inverter caminhos de desumanização da morte” é o hospital, apesar de muitos profissionais não terem sido formados para acompanhar “esta etapa violenta”.

“A sociedade voltou a entregar-nos a morte das pessoas, num tempo que não tem a arte de morrer”, adverte o padre José Nuno.

O sacerdote admite que se está perante uma tarefa “muito exigente”, mas diz que é imprescindível que as pessoas morram nos “braços” e não nas “costas” dos profissionais – médicos, enfermeiros e auxiliares de ação médica -, sem estarem “entregues a si mesmas”.

Para o especialista, a eliminação, a partir de 2013, do feriado nacional de 1 de novembro – solenidade católica de Todos os Santos que, popularmente, estava associada à celebração dos fiéis defuntos – vai “redundar num prejuízo civilizacional”.

“Era um dia em que os portugueses se encontravam ainda com o seu passado, com as suas memórias e com uma palavra capaz de significar a morte, que é a palavra ressurreição”, refere.

PTE/OC

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