Homilia do Cardeal-Patriarca na Missa das Ordenações

Sei em Quem acreditei (2Tim. 1,12) 1. Esta solenidade litúrgica realça a unidade que existe entre estes dois grandes Apóstolos, Pedro e Paulo. Tanta coisa os distinguiu: no modo como conheceram Jesus Cristo, na cultura, na situação social no seio do Povo de Israel, no itinerário da missão. Paulo não esconde algumas divergências, como quando se tratou de acolher os não judeus no novo Israel, o novo Povo de Deus. Mas une-os a fidelidade sem limites a Jesus Cristo, por ambos coroada com o martírio; une-os uma consciência viva da Igreja, como Cristo a deseja, o que leva Paulo a reconhecer a autoridade de Pedro; ambos terminaram a sua vida de fidelidade em Roma, tornando-se assim as duas colunas inseparáveis sobre que assenta a Igreja, que, por sua causa, sempre interpretou a sua romanidade como símbolo e desafio de universalidade e de unidade. Este ano, por vontade expressa do Santo Padre, o Sucessor de Pedro, as atenções fixam-se no Apóstolo Paulo, para celebrarmos, hoje, os dois mil anos do seu nascimento. E para vós, queridos ordinandos, é uma coincidência carregada de significado o receberdes a ordenação sacerdotal ou diaconal no primeiro dia do Ano Paulino. O Apóstolo Paulo e o seu itinerário de fidelidade impõem-se, assim, como modelo inspirador do vosso ministério. A Conferência Episcopal Portuguesa, na Nota Pastoral sobre o “Ano Paulino”, apresenta como sugestão pastoral a valorização dos textos de Paulo, o autor sagrado mais lido na Liturgia, nas homilias durante este ano. Sejamos fiéis a essa sugestão desde o primeiro dia. 2. O texto da Segunda Carta a Timóteo é a síntese de uma vida de fidelidade, no momento em que pressente o fim, o atingir da meta. Oxalá pudéssemos todos, no fim da nossa corrida e das nossas canseiras fazer uma síntese tão confiante e carregada de esperança. “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (2Tim. 4,7). É significativo que Paulo sublinhe, no último sentimento que resume a sua vida, o ter mantido a fé. Isto indica, como ele próprio o sugere, que a fidelidade à fé foi para ele um combate, o bom combate. Sofreu muito por causa dela, sentiu certamente a obscuridade e, porventura, a confusão da dúvida. As peripécias da missão, as vicissitudes da Igreja nascente, as divisões nas comunidades, a deserção de alguns, devem ter adensado a pertinácia de ser fiel à escolha da fé, às exigências da fé, à “obediência da fé”. Logo no início desta Carta ele confessa a Timóteo: “É por isso que experimento mais esta provação, mas não me envergonho porque sei em Quem acreditei e estou convencido que Ele é capaz de guardar este meu depósito até àquele dia” (2Tim. 1,12), referindo-se ao encontro definitivo com Cristo. “Sei em Quem acreditei”! Para Paulo é claro: ele não acreditou em qualquer coisa, uma doutrina, um projecto inovador; ele acreditou em Cristo, em Quem confiou totalmente. Está seguro que o Senhor é capaz de o manter fiel a essa fé. Cristo vivo é o fundamento sólido da fé de Paulo, desde o início, a sua conversão na Estrada de Damasco, até ao fim, quando lhe será atribuída a coroa de justiça que o Senhor lhe dará naquele dia, o dia da plena manifestação de Cristo. Entre estes dois momentos situa-se a sua vida, o palco do grande combate, em que reconhece: “o Senhor esteve a meu lado e deu-me força” (2Tim. 4,17). 3. A fé foi para Paulo uma aventura de amor e de fidelidade a Jesus Cristo. “Para mim viver é Cristo” (Fil. 1,21), é o desabafo que o define. É através da fé que mergulha em Jesus Cristo e usufrui da Sua fecundidade redentora. A fé é um mergulho em Jesus Cristo, que leva a mergulhar em Deus, como ensina aos Gálatas: “Vós sois todos filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo. Baptizados em Cristo, todos vós vos revestistes de Jesus Cristo” (Gal. 3,26). Paulo ensina-nos que a fé é uma experiência de amor, na dureza de não possuir completamente a pessoa amada, o que aumenta o desejo, mas não diminui a firmeza da fidelidade. Tem uma consciência nítida da unidade entre a fé e a caridade. A fé é, neste caminho de peregrinos, o espaço da nossa experiência de amor, na esperança e no desejo de que o amor um dia seja pleno, anulando a obscuridade da fé e satisfazendo todo o desejo. Escreve aos Coríntios: “Hoje vemos como num espelho, de maneira confusa, mas então veremos face a face. Hoje conheço de maneira imperfeita; então conhecerei como sou conhecido. Em resumo, a fé, a esperança e a caridade permanecem as três, mas a maior de entre elas é a caridade” (1Co. 13,12-13). A densidade da fé consiste no facto de ela ter a voragem do amor, na obscuridade da comunhão. Esta, que em si mesma é fruição, reveste-se, na fé, da densidade da confiança. Para Paulo, como para nós, esta não é uma experiência fácil. Mas o Senhor garantiu-lhe, no meio das suas tribulações: “basta-te a minha graça” (2Cor. 12,9). 4. Voltando à leitura da Segunda Carta a Timóteo, Paulo escreve: “O Senhor esteve a meu lado e deu-me força, para que, por meu intermédio, a mensagem do Evangelho fosse plenamente proclamada e todos os pagãos a ouvissem” (2Tim. 4,17). Que grande testemunho de vida! A evangelização não é um programa humano, é uma paixão por Jesus Cristo. Paulo está de tal maneira consciente de que é na fé que se ama Jesus Cristo, que se nos revela como Salvador, que a maior urgência é comunicar a fé, que nasce da Palavra que é Cristo vivo, porque Ele é a Palavra encarnada. Evangelizar é proporcionar aos homens a relação vital com Jesus Cristo. Na Carta aos Romanos exclama: “Mas como O hão-de invocar sem primeiro acreditarem n’Ele? e como hão-de acreditar sem primeiro O ouvir? E como ouvir sem pregador? E como pregar sem primeiro ser enviado? (…) A fé nasce da pregação e desta pregação a Palavra de Cristo é o instrumento” (Rom. 10,14-17). Evangelizar é fazer ouvir Jesus Cristo, levar a entregar-se a Ele na fé, na certeza de que a fé é uma experiência de amor. 5. E, finalmente, na sua hora definitiva, Paulo transmite a Timóteo que a sua fé é o fundamento da sua esperança. “E agora já me está preparada a coroa de justiça, que o Senhor Justo Juiz, me há-de dar naquele dia” (2Tim. 4,8); “o Senhor me livrará de todo o mal e me dará a salvação no Seu reino celeste” (2Tim. 4,18). Só quem viveu a fé como experiência de amor, desejando ardentemente a plenitude da comunhão, deseja a plenitude da vida, em Deus. A visão será a plenitude da caridade, que leva à perfeição a experiência da fé na dureza da obscuridade. Ouçamo-lo na Carta aos Coríntios: “Se eu tiver o dom da profecia e conhecer todos os mistérios e toda a ciência, se eu tiver a plenitude da fé, uma fé capaz de transportar montanhas, sem a caridade nada sou” (1Co. 13,2). 6. Queridos ordinandos! São Paulo ajudar-vos-á a descobrir a centralidade decisiva da fé, na vossa vida cristã e no exercício do vosso ministério. Cultivai a vossa fé, nunca esquecendo que ela é um dom de Deus, fruto da acção de Deus em nós, nos atrai, nos escolhe e nos consagra. Não esqueçais também que a fé é um combate que há-de dar forma à vossa fidelidade a Cristo, à Igreja, ao Povo que Ele ama e a quem vos confia. O sacerdote tem de aprender a acreditar em Jesus Cristo, na Igreja e a amar Jesus Cristo, amando a Igreja. E este caminho de fidelidade é percorrido em Igreja, de modo particular na comunhão do nosso Presbitério, no qual uns iniciam o caminho, para outros vai já longa a caminhada, para alguns ela aproxima-se da coroa da glória. Saúdo neste momento todos: os que começam, os que há 25, 50, 60 anos procuraram amar a Cristo, amando a Igreja. Oxalá todos possam exclamar à chegada: “Combati o bom combate, guardei a fé” (2Tim. 4,7). Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo Mosteiro dos Jerónimos, 29 de Junho de 2008 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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