Homilia do bispo do Funchal na Missa Crismal

Entrega total a Cristo, ao serviço do Povo de Deus!

“O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Ele Me ungiu” (Lc 4,18). Caríssimos Padres: alegro-me convosco e a todos saúdo fraternalmente, por nos encontrarmos aqui, mais uma vez, na Catedral da Diocese, a concelebrar a Sagrada Eucaristia, num dia tão significativo para nós. É que Quinta-feira Santa é o dia da Eucaristia e do Sacerdócio, o dia por excelência da festa do presbitério e de cada sacerdote.

Viestes, de perto e de longe, numa expressão clara da unidade e da comunhão dos presbíteros com o seu Bispo e entre si. Viestes participar na Bênção dos santos óleos, que levareis convosco e permanecerão nas vossas comunidades, ao longo de todo o ano, como elementos de referência à unidade da pastoral diocesana. Gerados na comunhão do presbitério e tomados na celebração dos sacramentos, assim se afirma, também, de forma simbólica, a nossa comunhão.

Grande dom do Espírito Santo

A liturgia da Palavra situa-nos no coração do ministério sacerdotal, dom do Espírito Santo à Igreja. Fonte de Vida e de Graça, o Espírito Santo consagra, santifica e dinamiza o sacerdote, em ordem a uma entrega plena a Cristo, ao serviço do Povo de Deus e de toda a Humanidade.

S. Lucas, no seu expressivo texto do Evangelho (cf. Lc 4, 16-21), sublinha a profunda admiração dos conterrâneos de Jesus, perante a sabedoria e a autoridade do Seu ensinamento. Em Cristo, o Ungido do Pai, estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência (cf. Cl 2,3) e n’Ele habita a plenitude da divindade: Jesus é o Rosto da Palavra e a plenitude da Revelação. N’Ele se cumpre o cântico de Isaías, proclamado na Sinagoga de Nazaré.

A aplicação desta Palavra é clara na própria expressão de Jesus: “Cumpriu-se hoje mesmo este passo da Escritura que acabais de ouvir” (Lc 4,21). É no hoje da história humana, nas diversas culturas e na realidade concreta de cada dia, que o Espírito do Senhor Se revela em nós e por nós. É o Espírito que nos unge e nos envia “a anunciar a Boa nova aos pobres, (…) a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos, a proclamar o ano favorável da graça do Senhor” (Lc 4, 19).

Chegou o tempo novo da época messiânica, visível nos gestos e nas palavras de Jesus. Ele “fez de nós um reino de sacerdotes para Deus, Seu Pai” (Ap 1,6) e chamou-nos a perpetuar a Sua salvação na Igreja e no mundo, em todos os tempos e lugares.

Configurados com Cristo Sacerdote

Queridos sacerdotes: é necessário e urgente escutar o Espírito de Deus, que nos ungiu e consagrou para a missão! Ele suscita em nós um desejo sincero de renovação e maior atenção à realidade humana e social do tempo presente; Ele chama-nos a evangelizar no “hoje” de Deus, que Se revela na história concreta do nosso mundo, mergulhado numa crise complexa e que parece difícil de superar.

À semelhança do Bom Pastor, somos enviados a percorrer novas estradas de encontro e reencontro, na periferia ou na fronteira, em busca das “ovelhas perdidas” e de quantos vivem sem um horizonte de esperança.

Configurados com Cristo Sacerdote, testemunhai a beleza e a alegria de ser padre! Sede sempre testemunhas do Amor de Cristo, tornando visíveis os gestos de acolhimento, compaixão e bondade sem limites do Filho de Deus, até à oferta da própria vida.

Bento XVI, num encontro com sacerdotes, em Roma, a 2 de fevereiro deste ano de 2011, afirmou que “a glória e a alegria do sacerdócio é servir Cristo e o seu Corpo místico. Ele (sacerdote) representa, no interior da Igreja, uma vocação belíssima e singular, que torna Cristo presente, porque participa no único e eterno Sacerdócio de Cristo”.

Espiritualidade sacerdotal

O sacerdote é um Profeta da Esperança e da Alegria. A sua vocação profética leva-o a ser ele próprio “Boa Nova”, junto de cada irmão e irmã, particularmente junto dos que sofrem e buscam os caminhos do Senhor.

Bento XVI, num belo e denso discurso aos participantes do Congresso Teológico Internacional (2010), disse que o sacerdócio é “uma altíssima vocação que permanece um grande Mistério até mesmo para os que a receberam como dádiva”. E acrescentou: “Caríssimos sacerdotes, os homens e as mulheres do nosso tempo pedem-nos unicamente que sejamos sacerdotes a tempo inteiro e nada mais”. Numa sociedade que prescinde de Deus, o sacerdote deve ser uma testemunha profética do Amor de Cristo Salvador. “É preciso que ele fale de Deus ao mundo e apresente o mundo a Deus”, afirmou ainda o Papa.

Para isso, é importante viver uma autêntica espiritualidade sacerdotal. À semelhança de Cristo Sacerdote, que passava dias e noites em oração ao Pai, o sacerdote encontrará na intimidade profunda com Deus, força e claridade para o seu caminho na entrega e serviço do Senhor, sobretudo, nos momentos de dificuldade, incompreensão e sofrimento.

Na oração e muito especialmente na celebração do memorial da Ceia do Senhor, a Eucaristia, o sacerdote descobre uma perene fonte de Água Viva, que o torna apóstolo dedicado, criativo e inovador no serviço pastoral. Uma autêntica espiritualidade sacerdotal é o segredo da verdadeira felicidade e realização pessoal!

Felizes na fraternidade e unidade do presbitério

Neste dia de ação de graças, renovamos juntos as promessas sacerdotais e reafirmamos a certeza de que, confiados na graça do Senhor, continuaremos a dizer “Sim” a Cristo sacerdote e a trabalhar com alegria na Sua vinha.

Como é bom recordar, em Eucaristia, o inesquecível dia da nossa Ordenação Sacerdotal! Repensar todo o rito, que tão bem define a natureza e a graça do ministério a que somos chamados, os compromissos que assumimos, a liberdade com que o fazemos, como penhor da alegria e felicidade, que havemos de sentir e testemunhar, ao longo de toda a nossa vida de padres.

Faz-nos bem recordar esse dia, esteja ele mais próximo ou mais distante: o nosso entusiasmo, a nossa alegria, a nossa generosidade, o nosso sonho de fidelidade, as nossas expectativas e as nossas responsabilidades.

Renovar, hoje, as promessas da ordenação é apontar para uma vida de sacerdotes que exercem o ministério em plena liberdade, fiéis à própria identidade, em profunda comunhão com Cristo na Igreja, felizes na fraternidade e unidade do presbitério.

Como escreveu João Paulo II na Exortação Apostólica Eu vos darei Pastores, “o ministério dos Presbíteros é, antes de mais, comunhão e colaboração responsável e necessária no ministério do Bispo, na solicitude pela Igreja universal e por cada Igreja Particular, para cujo serviço eles constituem, juntamente com o Bispo, um único presbitério” (nº 17).

João Paulo II, modelo e intercessor

No próximo dia 1 de maio, a Igreja celebra a beatificação de João Paulo II. O Papa Wojtyla, que muitos de nós conhecemos pessoalmente, será apresentado na heroicidade das suas virtudes, como modelo no seguimento de Cristo e como intercessor a quem recorrer, a favor da Igreja e deste mundo que tanto amava.

Como escrevi, a propósito da sua beatificação, olhar para ele é contemplar alguém muito humano como nós, mas cheio de Deus, preocupando-se com os problemas de todos, com um coração grande e generoso, um coração de Apóstolo que a todos quer chegar e propor o Evangelho de Jesus, a Boa Nova que a Igreja não pode calar.

E lembrando a sua inesquecível visita à Madeira, em 12 de maio de 1991, eu dizia “que bom olhar para ele, guardar a alegria do seu sorriso e do seu abraço, a força da sua personalidade e da sua mensagem, o testemunho da sua santidade!”

Conhecemos a atenção e o cuidado de João Paulo II pelos sacerdotes. Por isso, gostaria de recordar, hoje, um pequeno texto da Carta que lhes dirigiu, na quinta-feira santa de 2003. Escreve o Papa: “O ministério ordenado, que nunca se pode reduzir somente ao aspeto funcional porque situado no plano do “ser”, habilita o presbítero a agir in persona Christi e tem o seu ponto culminante no momento em que ele consagra o pão e o vinho, repetindo os gestos e as palavras de Jesus na última Ceia. […] Como exprimir o que se sente diante do altar onde, através das pobres mãos do sacerdote, Cristo torna presente no tempo o seu Sacrifício? Só nos resta ajoelhar e em silêncio adorar este mistério supremo da fé. […] Detenhamo-nos no Cenáculo contemplando o Redentor que na Última Ceia instituiu a Eucaristia e o sacerdócio. Naquela noite santa, Ele chamou pelo nome cada um dos sacerdotes de todos os tempos”.

Unidade num projeto comum

Todos temos consciência da necessidade e importância da união do Presbitério e nas diversas instituições da Igreja – grupos apostólicos, paróquias e Diocese no seu conjunto. Mas esta unidade tem de ser pedida na oração, construída e defendida por todos, num clima de verdade e transparência, respeito e retidão, empenho pastoral e espírito fraterno, pois só na caridade é possível cimentar a comunhão eclesial.  

Esta unidade é, também, muito favorecida e fomentada pela corresponsabilidade e participação em ações e projetos comuns; são disso testemunho o empenho pastoral de muitas comunidades, tanto no Ano Paulino como na Visita da Imagem Peregrina à Diocese e no Ano Sacerdotal.

Há experiências muito positivas neste sentido, que nos estimularam a avançar com algumas propostas de renovação pastoral para o jubileu dos 50 anos da criação das novas paróquias, que está a decorrer, e para um projeto de maior alcance e exigência, na perspetiva das comemorações dos 500 anos da criação da nossa Diocese, que terão o seu ponto alto em 12 de junho de 2014.

Tendo em atenção as ideias e sugestões recolhidas em todos os Arciprestados, o trabalho realizado sobre elas pelo Secretariado Diocesano de Pastoral e a proposta apresentada ao Conselho Presbiteral, que lhe mereceu apreciação favorável, avançaremos para um plano pastoral de três anos, a partir do próximo dia 12 de junho, que marcará assim o início das comemorações dos 500 anos da criação da Diocese do Funchal.

Esta data, que corresponde ao próprio dia da assinatura da Bula de criação da Diocese pelo Papa Leão X e que, neste ano, coincide com o Domingo de Pentecostes, será assinalada com uma solene Concelebração Eucarística, na nossa Catedral, presidida por sua Excelência Reverendíssima o Senhor Núncio Apostólico D. Rino Passigato, Representante do Papa em Portugal. Desde já aqui deixo o convite para esta grande Assembleia Diocesana a todos os Sacerdotes, membros de Institutos de Vida Consagrada e outras instituições da Igreja, e a todo o Povo de Deus em geral.

Tendo presentes os objetivos do plano trienal de pastoral, agora anunciado, confiamos à Santíssima Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo, o nosso desejo e empenho conjunto de edificar comunidades cristãs vivas e apostólicas, renovar as nossas festas e tradições, reavivar e intensificar o espírito missionário das instituições da Diocese, que se há de apresentar, cada vez mais, como verdadeira “Igreja, em Missão” (lema das comemorações).

Gratidão e apreço

Caríssimos Padres, nesta oportunidade quero deixar uma palavra de reconhecimento e muito apreço pela vida e ministério de cada um de vós, nomeadamente pela generosidade da vossa entrega e dedicação ao Povo de Deus, pelo esforço de fomentar uma comunhão sempre maior no nosso presbitério, por todo o vosso empenho em viver o sacerdócio e testemunhar a alegria.

E deixo-vos também um pedido: rezai pelo nosso Seminário, que tem atualmente 22 Seminaristas – 12 nos Seminários do Patriarcado, em Lisboa, e 10 aqui no Funchal. Damos graças a Deus por eles e pelos jovens que frequentam o Pré-Seminário, cerca de 30, mas teremos de intensificar os nossos esforços de pastoral vocacional por todas as vocações de especial consagração.

Em espírito de solidariedade e congratulação, apraz-me nomear e felicitar o Rev.do Padre Cecílio Astondoa Gortazar, Sacerdote Carmelita, que celebrará 70 anos de ordenação sacerdotal, no próximo dia 31 de agosto. Também neste ano celebrará Bodas de Prata o Rev.do Diácono Permanente José Fernandes Carreira. A Diocese, desde já, se associa ao louvor e ação de graças das suas datas jubilares.

No mesmo espírito de comunhão do presbitério, rezamos pelos sacerdotes doentes e damos graças a Deus pela vida dos Rev.dos Padres Cón. Manuel Tomé Velosa, António Alberto de Sousa e Manuel Lourenço, falecidos ao longo do último ano. Que Deus os tenha na Sua glória!

Com a ajuda de Maria-Mãe

E a terminar, nós suplicamos: que a Mãe dos Sacerdotes nos acompanhe e nos aponte caminhos de autêntica renovação sacerdotal, que passa pelas pegadas do Crucificado, “a cátedra da caridade infinita e misericordiosa de Deus” (João Paulo II). Que Maria nos ajude a fazer da nossa vida sacerdotal uma Eucaristia perene, isto é, uma constante Ação de Graças, transformada em Pão partido e repartido pela Vida do mundo!

Sé do Funchal, 21 de abril de 2011

D. António Carrilho, Bispo do Funchal

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