Homilia do bispo de Bragança-Miranda na Missa da Ceia do Senhor

Memória, recurso mais eficaz

Fazei isto em memória de Mim

A origem da Eucaristia situa-se na última ceia de Jesus com os seus discípulos. Jesus tomou o pão, deu graças ao Pai, partiu o pão e deu-o aos seus discípulos, dizendo que o tomassem e comessem, porque aquilo era o seu corpo. Do mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice, deu graças, deu-o aos seus discípulos, dizendo que o tomassem e bebessem, porque aquele era o cálice da aliança no seu sangue. Por fim, Ele disse: «Fazei isto em memória de Mim» (Lc 22, 19; 1Cor 11, 25b-26). Deste modo, a Eucaristia é a obediência ao mandato de Cristo e a realização daquilo que Ele mesmo fez no cenáculo em Jerusalém. «Na Bíblia, a memória é o recurso extremo, o mais eficaz. Volta-se aos acontecimentos de ontem para recriar a fé de hoje e de amanhã» (Luigino Bruni).

As narrações do Novo Testamento referentes à Eucaristia na última ceia, descrevem as ações de Jesus que a Igreja deve seguir:  tomou o pão; deu graças; partiu-o; deu-o; dizendo…); tomou o cálice; deu graças; deu-o; dizendo…. Porém, «não se limita só à atualização do seu sacrifício e do seu dom, mas é um convite a unirmo-nos a Ele para nos tornarmos também nós Eucaristia» (Anna Maria Cànopi, OSB).

Esta ação fontal tornou-se o modelo da celebração eucarística: Ritos iniciais; Liturgia da Palavra; Liturgia eucarística; Ritos da Comunhão; Ritos de conclusão.

O pão e o vinho, os elementos constitutivos desta ceia ritual, são especificados pelas duas orações que o acompanham, isto é, a bênção para o pão e a ação de graças para o cálice. Estas orações recitadas por Jesus na ceia são o modelo da oração eucarística ou anáfora da Igreja.

 

Ação de graças

No Evangelho de S. João não se narra a instituição da Eucaristia como nos outros evangelhos, mas nos discursos de Jesus durante a última ceia, no gesto do lava-pés (hoje, por causa da pandemia omitimos) aos discípulos e na entrega do mandamento novo do amor «que vos ameis uns aos outros; como vos amei, que também vós vos ameis uns aos outros» (Jo 13,34) revela o Seu amor total de eterna vida. São João atribui expressamente ao lava-pés realizado por Jesus o significado da humildade a imitar pelos discípulos. Mas o fundamento de tudo é o amor. Jesus é o nosso lavador dos pés e o nosso pão da vida.

Desde os primeiros testemunhos, esta Liturgia foi chamada ‘Eucharistía’, termo grego que significa ‘ação de graças’ e que designa tanto a oração de ação de graças que é recitada, à imitação de Jesus, como o pão e o vinho.

O ponto central e culminante de toda a celebração da Eucaristia é a Oração eucarística, também chamada anáfora ou cânone. É uma oração solene que abrange toda a parte central da Missa desde o diálogo «O Senhor esteja convosco…Corações ao alto…» até à doxologia «Por Cristo, com Cristo e em Cristo…Ámen», antes do Pai-Nosso. Por outras palavras, a anáfora é «uma oração de ação de graças e de consagração» (IGMR 78). É, portanto, uma oração de ação de graças e louvor ao Pai e, ao mesmo tempo, é uma súplica pronunciada sobre o pão e o vinho, dentro da qual se repete e reatualiza o que Jesus mandou fazer.

 

A vida em Cristo

Santo Agostinho, ao definir a Eucaristia como sinal de amor e vínculo da unidade, fez história e encontra-se em toda a tradição posterior, incluindo São Tomás de Aquino, que a constituição sobre a sagrada Liturgia confirmou: «O nosso Salvador instituiu na última Ceia, na noite em que foi entregue, o Sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue para perpetuar pelo decorrer dos séculos, até Ele voltar, o Sacrifício da cruz, confiando à Igreja, sua esposa amada, o memorial da sua morte e ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal em que se recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é concedido o penhor da glória futura» (SC 47).

A Eucaristia torna-se a recordação ou anamnese do dom da fé, da esperança e da caridade, isto é, o mistério da Morte e Ressurreição de Cristo e profecia da sua última vinda, como se aclama na liturgia: «Anunciamos, Senhor, a vossa morte, proclamamos a vossa ressurreição. Vinde Senhor Jesus», confirmando o mistério da vida eterna.

A celebração da Eucaristia é o cume e a fonte de toda a economia sacramental e da vida em Cristo: «Depois da unção, vamos à Mesa: encontra-se aqui o auge da vida; chegados aqui, nada mais nos falta para a felicidade que procuramos.  (…) É certo que Ele [Cristo] está presente em cada um dos mistérios; é n’Ele que somos crismados e batizados, Ele é a nossa refeição. (…) eis porque a eucaristia vem em último lugar: já não é possível ir mais além nem acrescentar-lhe nada. É evidente que o primeiro requer o segundo, e este o último; mas depois da Eucaristia nada mais há para onde caminhar…» (N. Cabasilas).

Aquele belo poema de São João da Cruz, proposto para hino do ofício de leitura para o sábado diz bem do perfume do Pão da Eucaristia: «…Não sei a fonte dela, que não há, mas sei que toda a fonte vem de lá, mesmo sendo noite. (…) E esta fonte está escondida, em este vivo pão a dar-nos a vida, mesmo sendo noite. (…) Esta viva fonte que desejo, em este pão de vida, aí a vejo, mesmo sendo noite».

A Liturgia da Eucaristia perfeita é o canto de amor que a Igreja ousa cantar, com arte e com alma, ao Seu Esposo, Jesus Cristo que é Perdão, Palavra e Pão da Vida.

D. José Manuel Cordeiro

Bispo de Bragança-Miranda

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