Homilia do bispo de Beja na Celebração da Paixão

Caríssimos irmãos e irmãs:

1 – É Sexta-feira Santa!

Neste dia, Jesus passou deste mundo para o Pai, e, na Sua Cruz, abriu para toda a humanidade, as portas da Vida Eterna. Na Sua morte venceu a nossa morte. A morte já não é o fim inexorável da existência humana. Ele passou, realizou a Páscoa. Para nós passarmos com Ele, precisamos de O seguir, precisamos de dar os passos necessários. Ele é o Caminho. Sigamo-l’O, pondo os nossos pés nas Suas pegadas.

Acabamos de escutar a Paixão segundo São João.

Para sublinhar que o Senhor Se entregou livremente à morte, o apóstolo apresenta-nos Jesus como Aquele que sabe tudo o que lhe vai acontecer, como Aquele para quem os insultos e os desprezos se tornam aclamações. Naquele condenado à morte, S. João faz-nos ver o Rei da Glória, o Sumo-Sacerdote que regressa ao Santuário Celeste com o Seu próprio Sangue para nos reconciliar com o Pai. Naquele Homem das Dores apresenta-nos o Esposo que, no tálamo da Cruz, desposa a sua Esposa. Nesta forma de apresentar os sofrimentos e a morte de Jesus, São João, o apóstolo teólogo, faz-nos reconhecer, na partida de Cristo deste mundo, a maior manifestação de Deus alguma vez realizada na terra. Mas esta é uma Epifania negativa à qual, apenas pela fé, temos acesso.

2 – Convido-vos irmãos, neste momento, a contemplar Cristo crucificado. Que nos diz Ele?

Diz-nos que não veio abolir a Lei e os profetas, mas dar-lhes pleno cumprimento. Amou o Pai com todo o coração, com toda a Sua mente e com todas as suas forças, e amou-nos a nós carregando com a Cruz dos nossos pecados e oferecendo-nos a sua Vida. Ele morreu por nós, morreu em vez de nós, morreu em nosso favor. Assim deu pleno cumprimento à Lei que nos manda amar a Deus acima de tudo, e ao próximo. Nisto reconhecemos o amor: Jesus deu a Sua vida por nós pecadores, por nós que, pelas nossas obras, não merecíamos senão a condenação e o inferno. Ele, o mais belo dos filhos dos homens morreu desfigurado, sem aspeto nem beleza que atraia os olhares, como aquele diante do qual se volta o rosto, como escutámos na leitura do profeta Isaías. Nesta situação completamente vazia de conforto e contrária àquilo que qualquer ser humano deseja para si, Jesus, coroado de espinhos e apresentado ao povo como rei dos judeus e como o homem,mantém a Sua dignidade.

Morreu por mim, morreu por ti, morreu por nós, levado pelo Seu amor misericordioso, amor que não merecíamos. Esse amor de Cristo que nos liberta da escravidão do pecado e da morte, leva-nos a reconhecer como somos importantes para Ele, leva-nos a aceitar as cruzes que o Senhor permite em nossas vidas.

3 – Neste ano de pandemia, queridos irmãos e irmãs, a morte de tanta gente, noticiada em cada dia na comunicação social, tornou mais visível e próxima de todos nós, a certeza de que morreremos. Somos seres mais conscientes da fragilidade da nossa existência, e isso deve ajudar-nos a ser humildes e magnânimos nos nossos relacionamentos com o próximo. De facto, a esperança de nos unirmos ao Senhor na Sua Morte e Ressurreição, esperança que nos vem do facto de sermos filhos adotivos de Deus, deve levar-nos a viver imitando as obras de Cristo, que são as mesmas obras do Pai. Ele faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos. Como o Senhor nos perdoou, assim devemos perdoar, nós também, aos nossos irmãos, não apenas sete vezes, mas sempre. Esta é a justiça da Cruz que Jesus praticou e nos manda praticar, a justiça anunciada pela Lei de Moisés, pelos Profetas e pelos Salmos. Iniciada pelo Messias ela está sendo instaurada pela Igreja na certeza de que, recebendo-a, o mundo se vai transformando para melhor.

4 – Neste dia em que o Esposo nos foi tirado fazemos jejum. Hoje e amanhã, em todo o mundo católico, não há celebrações da Eucaristia. Desde a última que celebrámos ontem até à primeira que celebraremos na Vigília Pascal, há um vazio litúrgico que nos permite entrar dentro de nós e nos re-situarmos, iluminados pela boa notícia da Páscoa de Jesus. O Mistério da Cruz do Senhor que adoraremos é o grande instrumento que Deus usa para nos manifestar cruamente as consequências dos nossos pecados, mas também a Sua santidade. Os nossos pecados destroem o plano de Deus a nosso respeito, e matam o Filho de Deus. Mas Deus respondeu à entrega amorosa do Seu Filho, ressuscitando-O de entre os mortos. De facto, ninguém pode ser condenado por ter morto alguém que está vivo. Deus é poderoso, Deus tem poder para transformar em fonte de Vida, a horrorosa morte de Seu Filho crucificado. Naquele Sangue e naquela água que brotaram do lado de Cristo, o novo Adão, adormecido na Cruz, a Igreja reconhece o seu próprio nascimento como sendo a nova Eva, a Mãe de todos os viventes.

Queridos irmãos e irmãs: Concluo estas palavras lembrando-vos José de Arimateia que foi ter com Pilatos e lhe pediu o Corpo de Jesus. Ele, discípulo de Cristo, quis recebê-l’O e não se importou de ficar legalmente impuro por tocar o Seu cadáver. Para ele, a Páscoa antiga tinha passado. Cristo era para ele, e é para nós, a nova Páscoa.

A comunhão do Corpo do Senhor, nesta celebração em que o pão e o vinho não são consagrados, vos console e vos fortaleça, de modo que, tendo comemorado, hoje e aqui, a Paixão e a Morte de Jesus Cristo, vivamos unidos a Ele na peregrinação da nossa vida.

D. João Marcos

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