Homilia do bispo de Aveiro na celebração da Paixão e Morte do Senhor

O mistério do sofrimento em Cristo

Como olhar o sofrimento redentor de Jesus Cristo, levado ao extremo do escárnio e humilhação, perante o Pai, um Deus de amor?

A vida do homem atinge a sua plenitude por Cristo e em Cristo. Cristo introduz-nos no mistério de Deus e ajuda-nos a descobrir o ‘porquê’ do sofrimento, na medida em que nós formos capazes de compreender a sublimidade do amor divino. Deus, ao enviar o Seu Filho ao mundo para libertar o homem do mal, traz em Si a definitiva e absoluta perspetiva do sofrimento e do amor salvífico. «O sofrimento humano atingiu o seu vértice na paixão de Cristo; e, ao mesmo tempo, revestiu-se de uma dimensão completamente nova e entrou numa ordem nova: ele foi associado ao amor, àquele amor de que Cristo falava a Nicodemos, àquele amor que cria o bem, tirando-o mesmo do mal, tirando-o por meio do sofrimento, tal como o bem supremo da Redenção do mundo foi tirado da cruz de Cristo e nela encontra perenemente o seu princípio» (SD 18). Pela paixão de Cristo na cruz, o Salvador realizou a redenção da humanidade.

De Jesus recebemos extraordinárias lições de sofrimento. Também Ele experimentou o sofrimento da solidão, da perseguição, da crucifixão, o abandono dos discípulos e até o aparente abandono do Pai quando, citando um salmo, rezou: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Sl 21). Diz-nos o Papa Francisco: “Sem cruz nunca encontrareis o verdadeiro Jesus; e uma Cruz sem Jesus não tem sentido”. Deus manifesta preocupação com a felicidade dos seus filhos. Ele salva e redime a quem está prostrado, a quem vive desanimado, a quem não consegue encontrar caminho e sentido para a sua vida. Deus encontra-se não na sua omnipotência, mas na sua debilidade.

Jesus ensina a amar a cruz

A resposta mais completa ao sentido e valor do sofrimento foi dada à humanidade por Deus, em Cristo. Jesus revela-nos um Deus que é Pai, mas que não impede o seu nem o nosso sofrimento. Jesus não só o venceu como lhe dá um novo sentido, assume a dor com a alegria interior de quem realiza na fidelidade a vontade do Pai. Este sentido não está dado à partida; é necessário descobri-lo.

O projeto trazido por Jesus Cristo é a libertação do homem, e para isso viveu e indicou o caminho da cruz. Também Ele foi interpelado, na cruz, por todo o tipo de sofrimento com que o feriram os nossos pecados. E como respondeu? Só é possível entender a cruz na dimensão do amor. As palavras da oração no Getsémani «Abbá, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice» (Mc 14,36) atestam a verdade do sofrimento e provam verdade do amor que, com a sua obediência, o Filho demonstra para com o Pai. Este é o exemplo para o qual devemos olhar. Na cruz, junto de Jesus crucificado, o mau ladrão deixou-se arrastar pelo ódio à cruz. Pelo contrário, o bom ladrão soube descobrir na sua cruz uma escada que lhe serviu para chegar a Cristo e subir ao céu (cf. Lc 23,39-43).

A experiência da união com Cristo faz com que todos os sofrimentos possam ser penetrados pela mesma força de Deus que se manifestou na cruz. Mais do que debruçarmo-nos sobre o invólucro da dor, urge adentrar no mistério da cruz. Assim como Cristo nos salvou pela cruz, assim também nos aperfeiçoa e nos santifica por meio da cruz. O sofrimento faz-nos ascender para horizontes maiores; ajuda-nos a escalar os caminhos do amor a Deus e do amor ao próximo. Abraçar a cruz significa viver o mandamento novo, porque “ninguém tem mais amor do que este: que alguém dê a sua vida pelos seus amigos” (Jo 15,13).

A cruz é a presença incontestável do amor. Então é hora de perguntar a mim mesmo: como aceito eu o sofrimento? Que tipo de consolador(a) sou eu? Vivo na minha vida a bem-aventurança dos que choram “porque serão consolados” (Mt 5,4)? Ponho-me no lugar do outro para o compreender e lhe servir de bálsamo apaziguador da sua tristeza?

Esta pode ser a forma como hoje sou convidado a viver a paixão e a morte de Jesus.

 

Aveiro, 19 de abril de 2019.

+ António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro.

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