Homilia de D. Carlos Azevedo na Solenidade da Epifania do Senhor

 1.Hoje é a festa do fim das barreiras que criam obstáculo à luz.

A Palavra eterna do Pai, dirigida ao segredo das consciências e dada a conhecer pela luminosidade dos profetas de ontem e de hoje, chama toda a gente, judeus e pagãos, pastores próximos e magos longínquos, uns orientados pela lei, outros pelos sinais astrológicos da sua ciência, a participar da mesma herança, da mesma salvação.

Deus é reconhecido na frágil humanidade de Jesus por quem estava distante da cultura, na simplicidade dos pastores. Deus é manifestado a pessoas estranhas ao passado judaico, porque não se reduz ao já vivido. Todos os isolacionismos, todos os particularismos religiosos dizem mal de Deus. Deus une, cria comunhão, não exclusão.

A estrela, representa essa luz capaz de dar sentido à escuridão de todas as situações. Alguns têm resistências, reagem mal à luz.

Herodes faz a figura daquele que é incapaz de ler os sinais dos tempos maduros, incapaz de ver os passos do futuro e que tem muito medo dos que se deixam surpreender pelo mistério da vida e com liberdade interior seguem novos caminhos.

Os sábios do Oriente, seguindo com coragem a luz, encontram o Messias, o salvador e adoram-no na humilde realidade de uma criança. Estes homens encontram o que ansiavam e levam ofertas reveladoras da sinceridade da sua procura cordial: ouro da realeza, incenso da divindade e mirra da humanidade.

Isaías vê a cidade no alto, banhada de luz. É o que recorta a identidade das cidades: é o tom das suas luzes e das suas sombras. É o que dá brilho à urbe. O espírito humano precisa de luz, de boa inspiração para conceder às cidades e ao país o esplendor de um recorte humanizador.

2. Caríssimos irmãos e irmãs

Nós, cristãos reunidos em Igreja, temos a missão de ser, para os que andam à procura de orientação lúcida, esse reflexo da luz, que é Jesus Cristo. Não há ninguém excluído da mensagem salvadora de Jesus. A luz da salvação é para todos. Não há condições, nem culturas, nem modos de vida que não possam ser visitados por esta luz. Se esta luz brilhou para todos, na plenitude da verdade, ocorre em cada hora permanecer atento e aberto à novidade de Deus e disposto a abater todos os muros que impeçam qualquer ser humano de ver a glória de Deus.

O que é que impede os que conhecemos de chegar à luz? O que fazer para que a luz do Verbo chegue a gente de longe ou amedrontada por Herodes de cabeça perdida?

3. Iniciamos o ano de combate à pobreza e à exclusão social. Como podemos entre nós celebrar a Festa da Epifania, qual tempo a correr ao sabor da Graça, sem atender aos que não têm voz na sociedade. Não são só os pobres a quem importa dar voz. São os desempregados que não têm quem os represente. São as centenas de milhares de pessoas a recibo verde. São as pequenas e médias empresas injustamente impedidas de aceder ao crédito que lhes garantiria a sobrevivência. Estes não têm sindicatos a encher telejornais, tantas vezes obcecados nas suas lutas e esquecidos do bem comum do país… A insegurança sobre o futuro ganha espaço nos corações e, dada a falta de confiança nos actores políticos, não se antevêem melhores dias. Os cristãos são chamados a uma cultura de exigente responsabilidade para ousarem sendas de luz, caminhos de verdadeira lucidez que nos retirem de incertezas abismais.

Há ainda muita carência de Epifania real de Cristo salvador. A festa que celebramos quer aprofundar, dentro de cada um de nós, a gozosa experiência do amor para, com entusiasmo contagiante e genuíno, integrarmos todos os seres humanos neste círculo de amor salvador. Há muitos que aguardam pelo brilho da verdadeira caridade! A força salvadora da vida de Jesus não se armazena, nem se reserva, experiencia-se tanto mais quanto mais é para todos e não para alguns. Quanto há ainda a fazer para que na Igreja todos se sintam em casa! Mas se assim não for a estrela não brilha, não atrai e os Herodes, déspotas de cada hora, ganham espaço na teia da confusão mental, nas obscuridades e nas vias corrompidas pelo Pai da mentira.

A nossa identidade cristã de pregoeiros da luz de Cristo faz-nos levar, em carne real de humanidade, alternativas luminosas para esta escuridão social. A iluminação sobrenatural em ordem à salvação passa por uma coerência responsável nos actos e passos a desenhar e a realizar para completar o que falta ao Natal, para o deixar hoje ser manifestação de salvação universal, expressão urgente da vontade salvífica de Deus sobre cada ser humano.

Adoremos o Menino ao colo da Mãe! Ofereçamos-lhe o ouro da realidade da vida, o incenso da nossa vontade de subir à altura de Deus e a mirra da nossa pobre condição humana. Uma luz chegará à cidade, para a encher de beleza.

O nosso conhecimento mais profundo, largo e denso do Mistério de Cristo impulsiona-nos para ousar sempre mais fazer convergir forças construtivas sem acepção de pessoas, para reencontrarmos a Estrela, o sentido, a paz e a justiça.

Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Purificação de Oeiras, 3 de Janeiro de 2010

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