«Fratelli Tutti»: «Uma política que semeia divisão, inimizade ou um ceticismo desolador é uma política condenada ao fracasso» – D. José Tolentino Mendonça

Cardeal português comentou a encíclica do Papa na primeira sessão do curso «Filosofia, Literatura e Espiritualidade» promovido pela Capela do Rato

Foto Arlindo Homem/AE, Cardeal D. José Tolentino Mendonça na celebração do Dia de Portugal 2020

Lisboa, 11 jan 2021 (Ecclesia) – O cardeal D. José Tolentino Mendonça afirmou hoje que a modernidade “persistirá como um projeto incompleto” se esquecer a fraternidade, disse que lógicas de xenofobismo são indesculpáveis e que uma política que “semeia a divisão” está “condenada ao fracasso.

“Uma política que semeia divisão, inimizade ou um ceticismo desolador, uma política que é incapaz de um projeto comum, inclusivo, é uma política condenada ao fracasso”, afirmou o bibliotecário e arquivista da Santa Sé na primeira sessão do curso “Filosofia, Literatura e Espiritualidade”, promovido pela Capela do Rato, do Patriarcado de Lisboa, onde comentou a encíclica do Papa Francisco ‘Fratelli Tutti’.

O cardeal D. José Tolentino Mendonça comentou a encíclica do Papa publicada no oitavo ano do pontificado de Francisco considerando que se trata de um “texto de síntese” onde se pode compreender “a visão, o legado, o projeto que o Papa Francisco oferece ao nosso tempo e àquele que virá”, nomeadamente no que diz respeito ao exercício da atividade política.

“As grandes perguntas que acabam por julgar a qualidade da atividade política pública são ‘Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças positivas desencadeei? Quanta paz social semeei? Que produzi no lugar que me foi confiado?’”, referiu D. José Tolentino Mendonça, citando a encíclica do Papa.

O cardeal português lembrou a “visão crítica” de Francisco em relação aos “populismos e neoliberalismos exacerbados”, que “pensam que o mercado aberto é suficiente para regular todas as assimetrias sociais”, desafiando “os atores políticos a reencontrarem a nobreza da atividade política como a grande expressão do amor comum”.

“Um governante tem de olhar para o futuro! Não pode viver da agenda do imediato, da aparência, do marketing,  das diferentes formas de maquilhagem mediática, mas tem de governar para um futuro que provavelmente ele não verá, mas constituirá o seu verdadeiro contributo”, sublinhou.

O cardeal Tolentino Mendonça lembra que o Papa Francisco reconheceu a demora da Igreja Católica a condenar a escravatura e “tantas outras formas de violência”, acrescentado que, hoje, não há desculpas para continuar “dentro de lógicas de violência, de xenofobia ou de desprezo pelos outros seres humanos”.

O poeta madeirense comentou também as caraterísticas da “bandeira do projeto de modernidade”, consignadas nos atributos da liberdade, igualdade e fraternidade, considerando que as “sociedades democráticas acolheram a liberdade e a igualdade”, mas “a fraternidade ficou de fora”, como “não se pudesse legislar, como não pudesse ser operacionalizada como um dever, como uma proposta ética, concreta a efetivar nas sociedades”.

“O projeto da modernidade persistirá como um projeto incompleto e abstrato se continuarmos a insistir na liberdade e na igualdade sem termos em conta a urgência de construir a fraternidade. Porque é a fraternidade que dá uma propriedade prática à liberdade e à igualdade”, afirmou.

O cardeal Tolentino Mendonça sublinhou que “a fraternidade é uma palavra, uma ideia, uma experiência, um desafio que acompanha o pontificado do Papa Bergoglio desde o primeiro momento”.

Recordando a primeira saudação após a eleição, no dia 13 de março de 2013, D. José Tolentino lembrou que o Papa Francisco se referiu a “um caminho de fraternidade” ao afirmar, no primeiro discurso: “Rezamos uns pelos outros, rezamos pelo mundo, para que o mundo seja uma grande fraternidade”.

Para o arquivista e bibliotecário da Santa Sé, a fraternidade não é uma “ideia nova nem solitária” no pontificado do Papa, mas “um tópico central” nos diálogos, na diplomacia e nos pronunciamentos de Francisco, que pretende promover um diálogo com todos e “chegar a todos”.

“A fraternidade não é um automatismo, uma inevitabilidade da nossa espécie, não é simplesmente ouvir o arquétipo da nossa natureza, é uma construção ética, é uma decisão”, afirmou.

D. José Tolentino Mendonça disse que a encíclica ‘Fratelli Tutti’ tem um “forte componente de desejo”, “não é um documento sobre a atualidade” ou de doutrina, mas “uma espécie de corpo de fogo atirado mais longe, um bólide espiritual lançado ao presente e ao futuro”, que consiste “num novo sonho de fraternidade espiritual”.

O comentário à encíclica do Papa Francisco ‘Fratelli Tutti’ pelo cardeal D. José Tolentino Mendonça constituiu a primeira sessão do curso “Filosofia, Literatura e Espiritualidade”, promovido pela Capela do Rato, no Patriarcado de Lisboa, que reúne a partir desta segunda-feira perto de 500 participantes na plataforma zoom, semanalmente.

PR

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