Forças Armadas solicitam padres

Homilia da Missa Crismal de D. Januário Torgal Ferreira O que há de comum entre nós nesta Missa Crismal, não é o prestígio, nem os uniformes, os títulos, as funções…. Acho lamentável que, algumas vezes, em artigos de opinião, um sacerdote se apresente mais adornado com encargos (sejam quais forem), do que pela único bilhete de identidade de ser discípulo de Cristo, na linhagem dos comensais da Última Ceia, a quem o Senhor entregou uma missão: “Tomai, comei e bebei. Isto é o meu Corpo… o meu Sangue”… Não desvalorizo currículos de cultura e graduações, até militares. O que não aceito é que o padre desapareça para emergirem outras legítimas funções (como se fosse o caso de o sacerdote, ser um fenómeno de insuficiência). Lamentavelmente algumas graduações, conquistadas com o correr dos anos, parecem não se dar conta de que o festejado com louvor… é um padre! Porque ao padre ou ao capelão… nem uma referência. A identidade do sacerdote é uma Pessoa única, reconciliadora e humana; é uma Pessoa próxima, no Seu escondimento, a quem nada soou de estranho: nem as flores, nem os rebanhos, nem as aves do Céu, nem o vento que sopra…; é uma Pessoa que fala e, em outros instantes, se cala; é uma Pessoa que defendeu a criança, fugiu às homenagens, pegou no pão e dele fez revelação misteriosa, lavou e beijou os pés de alguns e converteu o seu Corpo na energia de cada viandante; é uma Pessoa que a todos fez justiça e a todos amou, dando preferência aos abandonados; é uma Pessoa que não fugiu ao perigo, que não jogou com equívocos, que nunca dobrou os joelhos diante de qualquer vaidade, poder, projecto pessoal ou carreira. Esta Identidade alberga no seu colo os que partiram, como o diácono permanente Nelson Mendes há um mês, o cabo Sérgio Pedrosa, falecido no Afeganistão, em Novembro e uma longa fila de sacerdotes capelães que dormem na Sua Paz desde há muitos anos. É esta Luz, que envia missionários para o fragor dos conflitos: para o Afeganistão, como o Pe. Paulo; o Kosovo, os Padres Filipe e Constâncio; para Timor-Leste, o Pe. Martins; para o Chade, o Congo… É por Ele que alguns, de entre vós capelães, festejarão este ano cinquenta ou vinte e cinco anos de sacerdócio. Ao ler há poucos meses uma obra também recente sobre a evolução de um Seminário português, intitulada “Por Caminhos não andados” (Seminário dos Olivais 1945/1968 – coordenação de Artur Lemos), compreendi, e com mais argumentos, o sentido da crise da Igreja em Portugal e da formação de alguns seus padres, numa altura em que a liberdade social, a força crítica da cultura, a dignidade do diálogo e a defesa dos oprimidos eram temas vetados e subversões da ordem pública… para onde o Senhor enviou os padres a pregar a paz e a evangelizar todos os pobres. E, nesse tempo, as pessoas calaram-se! Pressinto da parte de alguns sectores, de hoje, o medo de que a Igreja seja varrida dos seus dinamismos sociais, esquecendo alguns puristas da lei que, enquanto infelizmente houver um doente, um andrajoso, uma criança desprezada, um desempregado ou um oprimido, o Cristo, que é a nossa Identidade, está ai na praça pública, à espera que todos os baptizados sejam transformadores de Portugal, em vez de se refugiarem no medo, escreverem calúnias e serem de opinião que nada disso lhes diz respeito. Numa altura em que ainda não foi possível estabelecer a regulamentação dos princípios da Concordata, no respeitante aos sacerdotes ao serviço das Forças Armadas e de Segurança, sinto a obrigação de sublinhar que é necessário que as pessoas se convençam que, num diálogo entre a Igreja e o Estado, há que não ter receio de pôr condições, de cada lado, e sobre essas condições dialogar. Mas não temos dialogado… E, no entanto, sou testemunha de um acontecimento indiscutível: são as Forças Armadas, sobretudo estas, mercê das suas “Forças Nacionais Destacadas”, que me solicitam padres. Temo-lo conseguido. Temos, no nosso caso, cumprido Portugal! Não temos solicitado nada. A nós é que nos pedem presenças. Precisamos de estar unidos, assumindo como realidade pessoal a dimensão comum do Ordinariato das Forças Armadas e de Segurança, no que ele é e nos problemas que dele derivam. Lisboa, Igreja da Memória, 19 de Março de 2008 D. Januário Torgal Mendes Ferreira, Bispo das Forças Armadas e de Segurança

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