Emigrantes de segunda geração

Nascer, crescer e viver numa comunidade de língua portuguesa no estrangeiro é, sem dúvida, uma forma diferente de ser português. A comunidade, neste meu caso, na Alemanha, marcou-me profundamente o meu pensar e, talvez ainda mais importante, o meu crer. Hoje, frequento o Seminário Diocesano de Freiburgo (Alemanha) e, no decorrer dos meus estudos teológicos, estou a elaborar a minha tese de licenciatura sobre as comunidades de língua portuguesa na Alemanha. Após mais de quarenta anos de emigração portuguesa, será que existe uma verdadeira integração da sociedade acolhedora? Qual foram os problemas que se puseram à Igreja Católica e quais foram as respostas dadas? Após a terceira geração, qual a perspectiva da comunidade cristã perante uma situação nova e modificada dos seus membros? Sem dúvida que a Igreja Católica em Portugal teve um papel importante e positivo nos primeiros tempos da emigração. Os recém-chegados estavam numa situação complicada. Longe do seu ambiente familiar, obrigados a integrar-se numa sociedade desconhecida, sem falar a língua e com pouco poder de adaptação. Com o surgimento de missionários portugueses, os emigrantes tiveram a possibilidade de encontrar um ponto comum para as suas necessidades. Encontraram nestas comunidades um elemento forte para a sua identidade social e, com as celebrações dominicais, também a oportunidade de preservar um elemento fundamental do seu Ser, a fé. Esta iniciativa, seguindo as propostas da altura do Magistério da Igreja (Exudo Familia, 1952), também foi favorável às igrejas locais acolhedoras, dado que delegavam a responsabilidade pelos emigrantes aos países de origem, não tendo assim que assegurar estes serviços por padres diocesanos, o que exigiria uma formação por parte destes (aprendizagem das diferentes línguas, nomeadamente). O missionário tornou-se, nessa altura, não só o responsável pela comunidade cristã, mas também numa espécie de assistente social, ajudando os emigrantes nas mais diferentes áreas da sociedade (autoridades locais, escolas, etc.). A partir deste núcleo da comunidade cristã e da celebração dominical, desenvolveu-se toda uma estrutura no seio destas comunidades, com cafés, associações e lojas. Mas este desenvolvimento, embora tenha dado um pouco de conforto e estabilidade aos emigrantes, não teve só vantagens para os emigrantes. Deste modo os emigrantes conservaram um Portugal que já não existe, com costumes, regras e tradições há muito esquecidas na terra natal. Formaram um círculo social, em que encontravam tudo que necessitavam, fugindo assim a uma verdadeira integração na sociedade acolhedora. Esta “não integração” ainda hoje é notável entre os membros da primeira geração. A segunda geração teve um papel algo complicado no seio das comunidades. Nascidos no pais de acolhimento, com uma educação tipicamente portuguesa em casa, frequentando a escola pública juntamente com aulas de língua e cultura portuguesas, esta geração viu-se forçada a integrar ambas as sociedades. Adaptaram-se à sociedade acolhedora, mantendo o ritmo de sociedade desenvolvida. Por outro lado, isto chocou com o conservadorismo vivido nas comunidades de língua portuguesa. Eis a geração rebelde. Mas, para além de rebelde, as suas “vantagens” foram notórias. Dominando ambos os idiomas, foram ponte entre as culturas. Tentando reunir em si mesmos e nos seus projectos as duas formas de pensamento. Foi nesta geração que a Igreja, tanto do país natal como acolhedor, não soube ler os sinais dos tempos e simplesmente continuou, tal como se nada nas comunidades tivesse mudado. Não foram criados novas perspectivas no âmbito da fé. Celebrações bilingues, com participação de comunidades diferentes, encontros de jovens de diferentes backgrounds sociais, a introdução de párocos alemães para presidir as celebrações, serviços prestados a portugueses pelas paróquias alemãs etc. Todo este vasto leque de opções só foi descoberto muito lentamente e um pouco tarde. A segunda geração não sofreu uma quebra na sua prática dominical, dado entender plenamente a língua em que expressava a sua fé, tanto na prática comunitária, como na oração pessoal. A grande questão de hoje está nas gerações seguintes. Não dominam o português, estão completamente integrados na sociedade acolhedora, neste caso a Alemanha, mas estão presos à comunidade cristã portuguesa. A transmissão da fé acontece numa língua que já não é a deles. A terceira geração terá de encontrar novas formas para o encontro com Deus, na língua que é a deles, não esquecendo as suas raízes. A comunidade portuguesa, da forma como é vivida até agora, não poderá satisfazer estas necessidades. A Igreja descobriu esta geração recentemente. Agora, é hora de avançar, para que, após uma verdadeira integração social, possa haver uma real integração na Igreja Católica, ou universal. Nelson Ribeiro, Emigrante na Alemanha

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