A Imigração Greco-Católica

D. Dionísio Lachovicz, responsável pela Pastoral dos Ucranianos no Exterior 1. A Ucrânia, segundo maior país da Europa A Ucrânia é menor em extensão apenas em relação à Rússia. Fazia parte das 15 repúblicas que integravam a antiga União Soviética. Em 1939, os territórios anexados pela Polónia voltam a ser integrados na Ucrânia. Em 1954, a Criméia é cedida à Ucrânia. Durante a II Guerra Mundial (1939-1945), cerca de 7,5 milhões de ucranianos (25% da população) morreram. Após tornar-se independente, em 24 de Agosto de 1991, a Ucrânia adere à Comunidade de Estados Independentes (CEI), mas resiste a uma maior aproximação com essa Comunidade. Rejeita os repetidos convites de se juntar à Bielorússia e à Rússia, que estão em processo de reunificação. O primeiro presidente do país, Leonid Kravchuk, ocupou o poder num período de declínio económico e inflação galopante. Ele foi derrotado por uma pequena margem de votos por Leonid Kuchma, em eleições realizadas em 1994. A Ucrânia, descrita como o celeiro da Europa (por causa de sua produção de trigo), durante o governo de Kuchma sofre um grave processo de estagnação. Kuchma foi reeleito em 1999 para um segundo mandato de cinco anos. Em 23.01.2005 é empossado Viktor Justchenko, após o terceiro turno de eleições. O segundo turno, vencido por Viktor Janukovicz, provocou a “revolucão laranja”, acompanhada pelos media de todo o mundo. Oficialmente, a Ucrânia é um país não-alinhado, mas desempenha um papel activo no programa Parceria pela Paz da NATO. Anuncia que tem como “objectivo estratégico” ser membro da União Europeia. Área: 603.700 km2 * População: 47.732.079 (Julho/2004) * Rendimento per capita: US$ 480 * Capital: Kiev (2.640 mil habitantes, em 2001). * Línguas principais: ucraniano (oficial), russo, bielorusso, tártaro, polaco, romeno, húngaro, búlgaro, alemão e eslovaco * Religião principal: Cristianismo * Expectativa de vida: 59,6 anos (homens), 73 (mulheres) * Moeda: 1 hryvna = 100 kopiykas (1 Euro = 6 hryvnias) Exportação: Equipamento militar, máquinas, metal bruto, derivados de petróleo, materiais têxteis e produtos agrícolas. Forma de governo: República parlamentar * Domínio na internet: .ua 2. Rússia e Ucrânia A história da Ucrânia e da Rússia misturam-se em vários momentos desde a criação dos dois Estados. Para os russos, Kiev é o berço da Rússia moderna. Para os ucranianos, porém, a Rus de Kiev, Estado criado no século IX, sem dúvida, é a mãe da Rússia moderna, mas não se confunde com ela. A Rus de Kiev tornou-se cristã numa época em que Moscovo nem sequer existia. Em 988, o príncipe S.Volodymyr, deixou o paganismo e adoptou o Cristianismo. Ao mesmo tempo, levou para as terras eslavas uma cultura milenar influenciada pelos bizantinos. Por séculos, o Principado de Kiev foi o centro religioso e cultural da Rússia. Isto acabou no século XIII, quando as invasões mongóis o destruíram. Desde a destruição de Kiev até ao final da Revolução Russa (1917), a Ucrânia foi disputada e, em diferentes fases, dividida entre o Império Austro-Húngaro (oeste do país), a Rússia (leste e sul) e a Polónia (noroeste). Embora haja grande proximidade cultural e linguística entre os ucranianos e os russos, a história criou profundas divisões e rivalidades entre esses dois países. Em 1917, a Ucrânia proclamou a independência, mas em 1920 foi sufocada pelas forças bolcheviques, que pôs fim a um período de três anos de independência. O movimento nacionalista ganhou força no leste e no centro da Ucrânia nos anos 20 e 30, quando Josef Estaline ordenou uma campanha de colectivização forçada das terras e expropriações para pôr fim às “veleidades nacionalistas”, em que mais de sete milhões de ucranianos morreram de fome. Os métodos do ditador soviético ficaram marcados no inconsciente colectivo da Ucrânia e parte de sua população acolheu bem, ao menos inicialmente, a chegada dos nazis. Isso foi depois usado por Estaline para punir os ucranianos. Após algum tempo de invasão, a guerrilha do leste ucraniano passou a combater as forças nazis e, no início da década de 50, as soviéticas. Há duas tradições bem distintas no leste e no oeste da Ucrânia. O leste sempre teve maior influência russa. O oeste do país (Halyczyna), que foi controlado pelo Império Austro-Húngaro, é mais aberto à Europa.Com efeito, boa parte do oeste é Greco-católica (uniata), em comunhão com Roma, enquanto o oeste é maioritariamente cristão ortodoxo, ligado ao patriarcado russo. 3. Quadro religioso na Ucrânia Mais de 97% das comunidades religiosas registadas na Ucrânia são cristãs. Mais da metade delas pertencem à tradição ortodoxa. A outra metade divide-se entre Católicos e protestantes. Três jurisdições Ortodoxas: a) Igreja ucraino-ortodoxa pertencente ao Patriarcado de Moscovo – Comunidades: 9049; igrejas: 7755; sacerdotes: 7509, mosteiros: 122 com 3519 religiosos/as; 840 igrejas em construção. b) Igreja ucraino-ortodoxa pertencente ao Patriarcado de Kiev – Comunidades: 2781; igrejas: 1825; sacerdotes: 2182, mosteiros: 22 com 113 religiosos/as; 217 igrejas em construção. c) Igrejas ortodoxas autocéfalas (algumas dessas comunidades foram afiliadas ao Patriarcado de Constantinopla) – Comunidades: 1015; igrejas: 697; sacerdotes: 628, mosteiros: 1 com 4 religiosos/as; 101 igrejas em construção. Três jurisdições de Igrejas Católicas: a) Igreja Greco-Católica Ucraniana – Comunidades: 3328; igrejas: 2721; sacerdotes: 2051, mosteiros: 92 com 1134 religiosos/as; 305 igrejas em construção. b) Igreja Católica ucraniana de rito Latino – Comunidades: 807; igrejas: 713; sacerdotes: 431; mosteiros: 50 com 309 religiosos/as; 74 igrejas em construção. c) Igreja Católica arménia – Comunidades: 20; sacerdotes: 12; Comunidades Protestantes – Baptistas: 2.153; Pentecostais: 1240; Adventistas do 7º dia: 916; Luteranos: 70. Outros religiões e agrupamentos religiosos – Comunidades de Testemunhas de Jeová: 536; Comunidades muçulmanas: 422; Comunidades judaicas: 231; Neopagãos: 68. 4. A Igreja Greco-Católica ucraniana A Igrega Greco-Católica ucraniana, do rito bizantino, (UGCC), é a maior Igreja dentro das Igrejas Orientais Católicas no mundo inteiro. Conta com mais de 5,5 milhões de fiéis, sendo a segunda em número entre as comunidades religiosas na Ucrânia. A denominação “Igreja Greco-Católica” foi introduzida pela imperatriz da Áustria, Maria Teresa em 1774, para distinguir esta Igreja das Igrejas Católica Romana e Católica Arménia. Outras denominações da mesma Igreja: “Igreja Rutena Unida”, “Igreja Católica Ucraniana do Rito Bizantino” ou o termo pejorativo “Igreja Uniata”. Em 1999, o Sínodo dos bispos Greco-Católicos, tentou, sem resultado, propor o nome de “Igreja Católica de Kiev”. A Igreja Greco-Católica surge com a União de Brest (1596), quando a hierarquia de sede Metropolitana de Kiev estabelece a união com a Igreja de Roma. Essa Igreja teve uma história muito sofrida durante todos esses quatro séculos. Todas as eparquias (dioceses), em que se expandia o império russo foram forçadas a passarem para a Igreja Ortodoxa russa. Restaram só as eparquias que ficaram no território Austro-Hungárico. No entanto, a maior prova para essa igreja aconteceu durante o séc. XX. Em Março de 1946, por imposição de Stalin, realizou-se o pseudo-Sínodo de Lviv, que forçou a reunião com a Igreja Ortodoxa Russa. Começa um duro período de perseguição, deportações dos religiosos e fiéis para os campos de trabalhos forçados na Sibéria. Contudo a sua estrutura hierárquica sobrevive nas catacumbas e na diáspora ucraniana. Em Dezembro de 1989 a Igreja Greco-Católica sai das catacumbas. Na primavera de 1991, o Arcebispo-Mor da Igreja Greco-católica, Cardeal Myroslav Lubatcivskey, volta a Lviv. Em 21 de Agosto de 2005, o Arcebispo Mór, Cardeal Lubomyr Husar, transfere definitivamente a sede dos Greco-Católicos a Kiev. A Igreja Greco-Católica na Ucrânia possui duas Arquieparquias (Kiev e Lviv), sete Eparquias (Ivano-Frankivsk, Sambir-Drohobyc, Ternopil’, Stryj, Sokal, Butchach, Kolomeia) e duas Exarquias (Donetz e Odessa). Na diáspora há três sedes metropolitanas: 1. Estados Unidos da América, com sede em Filadélfia, EUA, com quatro eparquias (Filadélfia, Parma, Chicago, Stamford), 2. Canadá, com sede em Winnipeg, com cinco eparquias (Winnipeg, Toronto, Saskatoon, Edmonton, New Westminster), 3. Polónia, com sede em Przemysl, com duas eparquias (Przemysl e Wroclav). Três Exarcatos na Europa (França, Inglaterra e Alemanha) e Visitador Apostólico na Itália. Outras Eparquias: Argentina (Buenos Aires), Brasil (Curitiba), Austrália (Melbourne). O Sínodo Greco-Católico, sob a presidência do Cardeal Lubomyr Husar é constituído por 18 bispos residentes na Ucrânia (entre eles três eméritos) e por 25 bispos residentes na diáspora (entre eles quatro eméritos). No território da Ucrânia cresce o número de Congregações religiosas. Se até a última década do séc. XIX havia só monges de tradição basiliana, a partir do início do século XX são fundadas novas Congregações, como também algumas Congregações latinas, a convite do Metropolita Andrej Schyptycky, fundam o seu ramo oriental na Ucrânia. Os Padres Redentoristas tiveram o maior êxito. No entanto, o maior crescimento de Institutos Religiosos greco-católicos dá-se nas duas últimas décadas. Actualmente há 12 Congregações religiosas masculinas e 20 congregações femininas. Quatro seminários diocesanos (Lviv, Ternopil, Drohobyc, Ivano-Frankivsk) e um dos Padres Basilianos (nos arredores de Lviv) formam os sacerdotes greco-católicos. 5. As imigrações ucranianas As primeiras grandes levas de emigrantes ucranianos saíram do país, da região pertencente ao império Austro-Hungáro, no fim do séc. XIX. Dirigiram-se principalmente para o Brasil e Argentina. Nas primeiras décadas do séc. XX seguiram-se outras levas a esses países, também para o Canadá e os Estados Unidos. Essas primeiras levas, na grande maioria agricultores, saíram em busca de um futuro melhor. Outras imigrações para o Ocidente, já de carácter político, aconteceram durante e logo após a Segunda Guerra Mundial. Era constiuída por intelectuais reprimidos e prisioneiros de guerra nos campos de concentração na Itália e Alemanha. Parte dessa emigração radicou-se na Europa (Alemanha, França e Inglaterra), mas o maior contingente deslocou-se para os Estados Unidos e Canadá. Em menor número para a Austrália, Argentina e Brasil. Durante o período estalinista a população na Ucrânia foi castigada com a fome artificial (1932-33), com mais de sete milhões de vítimas. Além disso, sofreu com deportações para os imensos territórios da Sibéria. Em consequência disso, actualmente na Rússia residem mais de cinco milhões de ucranianos. De carácter essencialmente económico é a última emigração ucraniana. Devido ao desastre económico das ex-repúblicas soviéticas, do desemprego e dos salários miseráveis, sete milhões de ucranianos migraram para os países mais industrializados da Europa e América do Norte. Há também grandes contingentes de ucranianos na faixa do Mediterrâneo: Grécia, Israel e até em alguns países do continente africano. Mas o maior contingente migratório dirigiu-se para a Itália, Espanha e Portugal. Na Itália prevalece a migração feminina, que se ocupa de trabalho doméstico e assistência aos idosos. Na Espanha, na sua maioria, os ucranianos empregam-se no trabalho do campo. Em Portugal na construção civil (presença maior masculina). É de ressaltar que na própria Ucrânia a emigração provocou problemas sociais, principalmente no sector da vida familiar, com nefastas consequências no campo da educação dos filhos. 6. A imigração ucraniana em Portugal Há poucos anos atrás o fluxo de imigrantes ucranianos a Portugal não merecia muita atenção. O número começou a crescer a partir do ano 2000. Hoje, segundo as estimativas oficiais, o número de ucranianos legais deveria ultrapassar a cifra de 70 mil pessoas, constituindo-se como o segundo maior grupo de imigrantes, depois dos brasileiros. No entanto, é difícil dizer a soma exacta de ucranianos presentes em Portugal. Para alguns, o número poderia ultrapassar os 300 mil. Estão espalhados por todo o território português. Aos ucranianos somam-se também outros grupos do Leste europeu: moldavos, russos, romenos, búlgaros. Os imigrantes do Leste europeu foram atraídos a Portugal para a construção civil, aliciados por agências de viagens e redes transportadoras para fins de trabalho ilegal e informal. Como regra geral, os imigrantes ucranianos caracterizam-se pelo alto grau de escolaridade e qualificação académica. Trouxeram consigo um rico património cultural e religioso. Os ucranianos fazem parte da tradição da Igrejas do Oriente, com ritos próprios nas celebrações litúrgicas. Vem a ser o “segundo pulmão” pela qual respira a Igreja de Cristo — no dizer do Papa João Paulo II. A Portugal chegou um grande contingente de Greco-Católicos, provenientes sobretudo da Ucrânia Ocidental, mas também está presente um número significativo de cristãos ortodoxos dos três grandes ramos existentes na Ucrânia: Patriarcado de Moscovo, Patriarcado de Kiev e Autocéfalos, todos eles herdeiros do património comum às Igrejas orientais. É considerável também o número de imigrantes descristianizados, devido ao regime ateu militante do antigo sistema soviético, que, mesmo assim, não conseguiu apagar a subconsciência religiosa (significativa é a expressão: “sou um ateu de religião ortodoxa” – Lukashenko). Muitos emigrantes vêm a descobrir a fé fora do pais de origem. A Igreja Católica de Portugal respondeu com meios adequados a esse novo sinal dos tempos. A solidariedade cristã, o apoio humanitário aos imigrantes, a ajuda na integração na nova sociedade é uma constante. O Patriarca de Lisboa, D. José da Cruz Policarpo, dirige uma carta ao cardeal Lubomyr Husar pedindo assistência religiosa aos ucranianos. No dia 7 de Janeiro de 2001 (Natal segundo o calendário juliano), Pe. Dionísio Lachovicz, então superior geral dos Padres Basilianos, celebra a primeira missa aos imigrantes ucranianos na cidade de Alcanena, e providencia a chegada dos padres basilianos para a pastoral dos imigrantes católicos orientais na diocese de Lisboa. Em Fevereiro de 2001 chega o primeiro missionário basiliano. A mesma acolhida prestam também as dioceses de Leiria-Fátima, Algarve, Évora e Beja. Hoje 7 sacerdotes greco-católicos prestam assistência pastoral aos ucranianos. A imigração do Leste europeu trouxe uma experiência eclesial e canónica própria dos ritos das Igrejas orientais. Os novos imigrantes caracterizam-se não somente por uma língua diferente, como também por uma cultura específica, indissoluvelmente ligada à Tradição das Igrejas orientais. Trata-se de uma efectiva identidade cultural e litúrgica, que os diferencia de outros imigrantes que pertencem ao rito latino. Essa identidade peculiar exige uma adequada cura pastoral, que, segundo directrizes do Magistério da Igreja Católica, os preserva da absorção pura e simples no Rito Romano e nas suas relativas estruturas. E por outro lado, os imigrantes Greco-Católicos ucranianos não podem ser confundidos simplesmente com os irmãos Ortodoxos. Outra característica da Tradição das Igrejas Orientais. Ela admite o sacerdócio casado. A grande maioria dos sacerdotes nas Igrejas orientais contraem matrimónio antes de serem ordenados. Também essa diferença poderá constituir um problema, como também poderá ser uma riqueza comum dada pela providência divina. Essas diferenças não impedem a inserção positiva e fecunda dos ucranianos nas comunidades locais, seja eclesiais ou civis, tendo em vista sobretudo a perspectiva de uma longa permanência ou mesmo uma estabilidade definitiva. Tudo na óptica da integração do diferente, mas sem a absorção ou assimilação dos ritos orientais.

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top