Educação para a democracia

Bispos de Angola pedem programas sérios e duradouros para uma verdadeira política de educação para a democracia ASPIRAÇÃO UNIVERSAL À DEMOCRACIA 1. Conscientes do seu múnus de Pastores do Povo de Deus que está em Angola, os Bispos da CEAST, reunidos na sua segunda assembleia anual de 2003, reflectiram profundamente sobre o estado da Nação, cerca de um ano e meio após a assinatura do Memorandum de Lwena que devolveu a esperança ao País e abriu uma nova época que permite vislumbrar um futuro de progresso e desenvolvimento na Paz. Da nossa reflexão comum saiu esta Nota Pastoral que propomos a todos os nossos fiéis católicos, às Autoridades do Governo, às organizações político-partidárias, bem como aos homens e mulheres de boa vontade como resumo do nosso pensamento e oferta de subsídio para um seguro caminhar na senda da democracia que queremos ver cada vez mais institucionalizada em Angola. Da leitura atenta da História, vemos que muitas foram as formas de governo utilizadas pelos povos desde as antigas monarquias absolutas consideradas de direito divino até às actuais formas democráticas de governo laico participativo. Dentre todas estas formas de governo que a história registou, parece não restarem dúvidas que o sistema democrático, actualmente vigente na maioria das nações desenvolvidas, é a melhor forma de governo até hoje concebida. Na verdade, a democracia tem-se mostrado, até ao momento presente, provavelmente a melhor forma de governo dos povos. Mas é também mais do que provável, que o próprio sistema democrático actual não seja a derradeira forma de governo das nações, pois, a humanidade no seu caminhar histórico irá progredindo sempre na busca de modelos de organização política cada vez mais perfeitos de modo que o estádio hodierno de democracia poderá evoluir, no futuro, para formas ainda mais desenvolvidas que as actuais. 2. A democracia, porém, como se pode ver pelo estudo da história das ideias políticas, não foi a primeira forma do sistema de governo das sociedades. O ideal democrático é recente e a democracia exige uma formação da mente aliada a um grande respeito pelos direitos naturais e fundamentais da pessoa. Ao utilizar o sintagma educação para a democracia estamos implicitamente a falar de um processo tendente à conquista de um objectivo. O processo é educar, que etimologicamente significa conduzir, guiar ou tirar alguém de um determinado estádio de desenvolvimento em que se encontra para um outro melhor, para alcançar um objectivo que, no caso vertente, é a própria democracia e cidadania como valores a conquistar. A democracia define-se a partir da própria etimologia como governo do povo pelo próprio povo. Trata-se, portanto, de uma forma de governo em que o povo participa activa e conscientemente na escolha dos órgãos de soberania, os quais sabem que têm que governar da melhor forma possível aqueles que os elegeram e neles depositaram toda a esperança de vida melhor. A História demonstra, com efeito, que para se atingir o ideal democrático é necessário percorrer um longo caminho, por vezes de difícil aprendizagem, na base do qual deve existir um sadio patriotismo que esteja acima de todas as diferenças étnico-culturais ou partidárias. Ora, a impedir o crescimento de uma verdadeira e sã democracia avulta, entre outros, o fenómeno bem conhecido da corrupção que vai ganhando contornos de certa gravidade. Ela penetra facilmente todo o tecido social e passa de forma subtil para a área sensível do mercado de capitais destinados ao investimento público os quais não redundam numa efectivação prática por busca de lucro imoderado e falta de transparência por quem tem poder de os efectivar sendo realizados de forma fraudulenta em detrimento do Bem Comum que deve ser a suprema norma do agir político democrático. Em nada ajudam igualmente a implantação da democracia certas formas demagógicas como o vincar a própria presença por meio do uso unilateral de símbolos político-partidários ou a presença maciça em certos ambientes de uma força política que, por ser omnipotente e omnipresente, toma conta de algumas áreas do país como se de terreno próprio se tratasse. Nestas zonas o termo democracia corre o risco de se tornar palavra oca. De igual modo são antidemocráticas todas as atitudes de intolerância face à diferença de filiação político-partidária ou outras atitudes de igual teor. Todos os partidos políticos que possuem ideários verdadeiramente democráticos devem ser respeitados. ÁFRICA E A DEMOCRACIA 3. Há quem diga que a África não teve a experiência democrática nas suas formas de governo tradicionais. Ora este juízo parece incorrecto. Nenhum país se pode apontar como tendo nascido democrático no sentido em que hoje se entende a democracia política pluripartidária. Foi a partir da evolução das formas governativas e da leitura da respectiva história que os povos chegaram à concepção da democracia tal como hoje a entendemos. Se considerarmos a história das ideias políticas, poderemos encontrar uma linha que parte da Antiguidade clássica grega, atravessa depois a Idade Média, passando pelo absolutismo régio do século XVII, pela Revolução Francesa do século XVIII com os seus ideais de liberdade e igualdade e pelas ideias dos Utopistas do século XIX até desembocar nas democracias no século XX que hoje se consideram uma verdadeira conquista de toda a humanidade. Daqui se pode facilmente concluir que também no velho continente, geralmente considerado como a pátria das liberdades, a democracia é de recente aquisição como forma de governo daqueles povos. A democracia aprende-se e, portanto, não é de admirar que se faça em Angola uma educação para a democracia e a cidadania. Aliás, uma das graves sequelas da guerra que assolou o nosso país é sem dúvida o grande défice de um são patriotismo que urge fazer despertar na mente dos angolanos para que, governantes e governados, adquiram a consciência de que é urgente a abertura a uma concepção de governação de acordo com as conquistas da humanidade no campo do moderno pensamento político. O PAPEL DO CRISTÃO NA DEMOCRACIA 4. O cristão, embora não tenha na terra a sua morada permanente, é um cidadão deste mundo e deve empenhar-se em trabalhar para o transformar (cf. Gn 2,15). Para esta transformação urge aplicar a lógica do Evangelho às realidades terrestres dando sempre a César o que é de César e a Deus o que é de Deus (cf. Lc 20,25). Neste empenho, o cristão deve viver no mundo à maneira de Cristo que veio não para ser servido mas para servir e dar a Sua vida pelos Seus amigos (cf. Jo 15,13). Por isso é necessário que o cristão seja um cidadão com todos os direitos e deveres da Cidade dos Homens e deixe transparecer na sua actuação prática, as características típicas da Cidade de Deus para onde se dirige enquanto peregrina neste mundo. Neste conviver ou viver com os outros, procurando testemunhar os valores humanos e divinos, o cristão deve comprometer-se seriamente com a vida temporal, levando a cabo a missão que o Pai lhe confiou no Mundo (Lumen Gentium 48). Por isso é que a Igreja não pode deixar de ser a “guardiã atenta da vida espiritual entre os povos nem deixar de promover, pela caridade e pela justiça, a nobreza e o progresso da vida social” (Pio XII, carta de 11.07.41). Desta maneira, os cristãos devem colaborar em todas as actividades que visem o bem da Nação, contribuam para a erradicação da pobreza e sirvam para melhorar as condições de vida tanto médico-sanitárias como educacionais dos nossos aglomerados populacionais. Assim, “embora a missão própria da Igreja não seja de ordem política, económica ou social mas religiosa, no entanto, desta missão religiosa deriva um encargo, uma luz e uma energia que podem servir para o estabelecimento e consolidação da comunidade humana segundo a Lei Divina” (Gaudium et Spes 42). 5. A democracia é o livre exercício da cidadania. A este propósito e numa perspectiva cristã a Igreja recorda a regra de ouro do Evangelho que é sempre universalmente válida: faz aos outros o que queres que te façam a ti (cf. Mt 7,12). Por isso a democracia exige uma solidariedade a todos os níveis. Ora a solidariedade só se realiza quando todos os seres humanos participam do conjunto dos bens disponíveis pois os bens são de todos e para todos. Neste sentido, a educação é um dos maiores bens que o homem deve possuir. A democracia obriga a todos, tanto governantes como governados. Mas para ser alcançada necessita primeiro de uma aprendizagem e depois de um exercício que todos têm que fazer independentemente do estatuto social, económico e político sendo que quem deve dar mais exemplo neste âmbito é exactamente o poder constituído o qual tem que demonstrar, por meio de uma praxis transparente, que é o primeiro garante da democracia como tal. Da mesma forma, o povo, que tantas vezes reivindica os seus direitos, não pode esquecer o cumprimento dos correlativos deveres: respeito pela Autoridade, profissionalismo no exercício da actividade laboral, participação em tudo o que seja promoção do bem da comunidade. Neste sentido, o direito à vida, ao trabalho, à família, à educação e as liberdades fundamentais de associação, religião, imprensa, rádio, etc., devem ser absolutamente respeitadas. Para isso é urgente criar uma verdadeira cultura da democracia. No entanto, há que reconhecer que o conceito de democracia não é igual em todas as nações do globo. Falar de democracia nos países mais desenvolvidos é diferente de falar da mesma realidade nos países em vias de desenvolvimento em que nem as necessidades básicas dos cidadãos estão asseguradas. O subdesenvolvimento e o analfabetismo são grandes obstáculos à construção da democracia. FORMAÇÃO PARA A DEMOCRACIA 6. Ao declarar o ano 2003 como o Ano da Educação, a CEAST veio exactamente procurar iniciar um caminho tendente a colmatar este grave défice de que padece a nossa sociedade. Na verdade, há muito que a Igreja sente a necessidade da promoção da educação. Com efeito, já o afirmou peremptoriamente o Vaticano II: “O sagrado Concílio Ecuménico considerou atentamente a gravíssima importância da educação do homem e a sua influência cada vez maior no progresso social do nosso tempo” (Gravissimum Educationis, Proémio). Esta educação acompanha a vida do homem desde o nascimento até à morte. Por isso “todos os homens, de qualquer estirpe, condição e idade, visto gozarem da dignidade de pessoa, têm direito inalienável a uma educação correspondente ao próprio fim, acomodada à própria índole, sexo, cultura e tradições pátrias, e, ao mesmo tempo, aberta ao consórcio fraterno com os outros povos para favorecer a verdadeira unidade e paz na terra” (Gravissimum Educationis, 1). Da mesma forma, “os pais, cujo primeiro e inalienável dever e direito é educar os filhos, devem gozar de verdadeira liberdade na escolha da escola. Por isso, o poder público, a quem pertence proteger e defender as liberdades dos cidadãos, deve cuidar, segundo a justiça distributiva, que sejam concedidos subsídios públicos de tal modo que os pais possam escolher, segundo a própria consciência, com toda a liberdade, as escolas para os seus filhos” (Gravissimum Educationis, 6). A educação para a democracia abrange todas as faixas etárias e tem a mesma importância relativa a cada uma delas. Daqui deriva o papel dos Pais na educação dos filhos de que são os primeiros e principais educadores ( cf. Gravissimum Educationis, 3; Catecismo da Igreja Católica 2223; Art. 26 da Declaração Universal do Direito à Educação). 7. Para que se realize uma verdadeira educação para a democracia e para a cidadania devem-se utilizar todos os meios que a ciência e a tecnologia colocaram à disposição dos povos na actualidade. Dentre eles estão os chamados meios de comunicação de massas: imprensa, rádio, TV, e as modernas ciências e técnicas da informática. Há muito que a Igreja alertou os seus membros para esta realidade: “A Igreja…obrigada a evangelizar, considera seu dever pregar a mensagem da salvação servindo-se dos meios de comunicação social, e ensina aos homens a usar rectamente estes meios. À Igreja compete o direito nativo de usar e de possuir toda a espécie destes meios, enquanto são necessários e úteis à educação cristã e a toda a sua obra de salvação das almas.” (Inter Mirifica, 3). Neste sentido a Igreja sente o inalienável direito ao uso dos Meios de Comunicação de Massas para cumprir cabalmente a missão que Cristo lhe confiou e lembra aos Governos dos povos a palavra do Concílio: “As Autoridades têm peculiares deveres nesta matéria em razão do bem comum ao qual se ordenam estes meios. Em virtude da sua autoridade e em função da mesma, compete-lhes defender e tutelar a verdadeira e justa liberdade de que a sociedade moderna necessita inteiramente para seu proveito, sobretudo no que se refere à imprensa; promover a religião, a cultura e as belas artes; defender os receptores, para que possam gozar livremente dos seus legítimos direitos” (Inter Mirifica, 12). PALAVRAS FINAIS 8. Os Bispos da CEAST alegram-se com o reforço do clima de paz em Angola e encorajam o Governo e as forças político-partidárias da Nação a continuarem a envidar todos os esforços que levem ao seu fortalecimento de modo a que a paz chegue também à Província de Cabinda. Semelhante clima de paz constitui a melhor plataforma para a implantação de programas sérios e duradouros para uma verdadeira política de educação para a democracia e a cidadania. Os Bispos convidam veementemente todos os fiéis a orarem pela consolidação da paz e a colaborarem nas iniciativas que visem alcançar um clima de verdadeira democracia no País. Que cada cristão se torne um cidadão exemplar para que Angola possa apresentar-se ao mundo como um verdadeiro Estado de Direito soberano e democrático em que o Povo se sinta feliz e orgulhoso na construção do seu futuro tendo em conta o plano pastoral para o próximo triénio e a semana social que será brevemente realizada. Que o Imaculado Coração de Maria, Padroeira de Angola, ao terminar o ano do Rosário decretado por Sua Santidade o Papa João Paulo II, abençoe todo o nosso País e seus habitantes e nos guie no caminho da Paz e da Fraternidade. Luanda, 15 de Outubro de 2003 Os Bispos Católicos de Angola

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