Economia de Comunhão: apresentação de um caso empresarial

Faria & Irmão é uma empresa de cariz familiar fundada em 1957, situada em Leiria. Tem como objecto produzir formas de plástico (moldes) para calçado. Enquanto jovens, eu e o Acácio, meu irmão, conhecemos um grupo de jovens dos Focolares. Tinham, como característica, pôr tudo em comum, com toda a liberdade: as ideias, os conhecimentos, os bens, etc.. Isto permitiu-nos descobrir a riqueza da complementaridade das diferenças, potenciar a tolerância, a unidade, o respeito pelo outro, a solidariedade. Ao entrar no mercado de trabalho, parecia óbvio dar continuidade a um tipo de vida que até ali nos havia fascinado. É certo que a realidade era outra mas o homem ao lado do homem mantinha-se. Este novo contexto implicava apenas algumas responsabilidades específicas que tinham a que ver com a gestão de uma pequena empresa. É pacífico, para quem estuda a dinâmica das organizações, que os recursos humanos são muito importantes. Na “Economia de Comunhão” para além de serem importantes, são a razão de ser, são o centro de todas as decisões. Em 1987, quando comprámos os 50% ao nosso tio, foi espontâneo incluir na sociedade em igualdade de circunstâncias um outro irmão, embora estivesse ainda a estudar. Quando se trata de decidir, de delinear estratégias, obviamente que eu e o Acácio estamos quase sempre em sintonia, todavia esta proximidade não evita divergências, é apenas garantia de respeito e de saber ouvir. Com o tempo, um sonho que inicialmente era apenas partilhado por dois, foi seduzindo os outros dois. Os resultados justificavam a continuidade dos princípios. Hoje, é evidente que, Faria & Irmão é motivo e resultado de um enorme esforço da sua administração e dos seus colaboradores a fim de continuar a ser um local que, não obstante as dificuldades, se respire liberdade, criatividade, paz, trabalho, solidariedade, isto é, uma nova cultura. A experiência que tínhamos feito em jovens não só se mantinha mas até se consolidava. Não é que havia grandes referências de como devíamos conduzir a empresa, porém a criatividade, a prudência e a vontade iam-lhe dando forma. Tratava-se de ouvir bem, de dar atenção a todos, clientes, colaboradores, fornecedores, etc.; de cumprir sempre as obrigações, o que nem sempre foi fácil; de cuidar que as relações estabelecidas fossem para além do meramente profissional estando atentos a todas as dificuldades, com a certeza de que não seria nunca perda de tempo; de pagar salários justos tendo em atenção não só o desempenho, necessidades e capacidades da empresa; de manter os trabalhadores informados das estratégias, das transformações, dos objectivos, das preocupações. Aquando da aquisição de novos equipamentos dar-lhes tranquilidade quanto à sua formação e segurança no emprego. Em 1991 Chiara Lubich foi ao Brasil e fundou a Economia de Comunhão, foi um grande momento também para a nossa empresa porque um trajecto que percorríamos parecia agora mais confirmado e mais definido. Chiara sugeria que no âmbito da Economia de comunhão os lucros deveriam orientar-se naquelas três vertentes: uma parte para reinvestir, outra parte para os pobres e outra ainda para formar homens novos. Dizia ainda que o lucro vale não pela quantidade mas pela sua humanidade. Seria absurdo apresentar um lucro desumanizado para depois o pôr em comum. Como é que Faria Irmão se organizou em função do projecto “Economia de Comunhão”: Colaboradores – estimulando o respeito recíproco; – estimulando um ambiente de família, de solidariedade e de entreajuda; – cuidando do enquadramento legal de todos; – promovendo a formação técnica; – pagando salários justos e criando condições dignas de trabalho; – pondo à disposição todas as ajudas e meios solicitados à empresa. Clientes A distância de Leiria a S. João da Madeira era uma dificuldade, ultrapassada com alguma facilidade através da relação interpessoal com os clientes, o que os levou a uma grande fidelização. Foi feita uma grande aposta na qualidade e no cumprimento dos prazos. Com frequência os clientes referem o grande apreço que têm pela nossa disponibilidade, dedicação, profissionalismo e simpatia. Fornecedores – cumprimento rigoroso das condições estabelecidas; – perante eventuais dificuldades, para além da humildade, resolvê-las em tempo útil; – manutenção de um óptimo relacionamento com a banca de forma a dar a confiança aos fornecedores e tranquilidade aos colaboradores. Concorrentes Às vezes ocorrem algumas dificuldades, não só porque pagamos acima das tabelas oficiais, mas também pela disponibilidade manifestada por colaboradores de outras empresas em integrar as nossas equipas. Temos ultimamente tido a preocupação de encontrar pontes de forma a explicar que não se trata de criar instabilidade no mercado do trabalho, mas de dar justeza a desempenhos e de dar condições diferentes de realização pessoal. Ambiente Fomos e somos ainda pioneiros na recuperação de formas sem validade. As formas são de polietileno, isto é, não biodegradáveis, e para além disso incorporam algumas peças metálicas o que dificulta muito a sua recuperação. Adquirimos um equipamento que faz a moagem da forma e posteriormente separa os diferentes tipos de produto. Faria e Irmão retoma todas as formas dos seus clientes, recupera-as e permuta-as por novas. A dificuldade da recuperação das formas levava a que grandes quantidades fossem depositadas nas lixeiras, o que deixou de acontecer com os nossos clientes. Um investimento muito elevado que, para surpresa nossa, se tornou em termos económicos numa opção rentável. Realidade Social Será que uma empresa gerida assim pode sobreviver? Claro que vive, e mais, consegue proporcionar a outras mais dignidade. Graças a Deus e a todos os seus intervenientes, a empresa é lucrativa. – Paga impostos. – Apoia organismos de solidariedade social sobretudo aqueles menos mediatizados, sempre com discrição. – Apoia iniciativas de âmbito social e cultural, nomeadamente revistas, congressos e escolas que divulgam e formam `”cultura do dar”. – Está atenta à pobreza que nos está mais próxima, por exemplo através de emprego social que neste momento corresponde a 3 postos de trabalho sem qualquer apoio estatal. – Participa e apoia projectos de solidariedade. Investimentos Faria e Irmão também aqui procura estar muito atenta. O facto de ter a pessoa no vértice da sua gestão não obsta a que possua os melhores equipamentos existentes para a sua actividade. Para permitir a sua maior proximidade com os clientes criou mais duas unidades fabris: S. João da Madeira e Felgueiras. Construiu novas instalações em Leiria onde, para além do processo de certificação e qualidade a decorrer, dispõe – para além das exigências legais – de uma cozinha, um refeitório, um gabinete médico e sala de jogos. Mas há muitas empresas que dão parte dos seus lucros. É verdade. Porém, a nossa novidade, o que pretendemos que seja novidade não é o lucro pelo lucro, mas o lucro em função da pessoa. Não pretendemos ser uma alternativa às empresas já existentes, procuramos apenas – humildemente – provar que é possível transformar as estruturas já existentes sem que se perca competitividade. É também verdade que a Economia de Comunhão não é um toque de magia, algo de paradisíaco. Há imensas dificuldades, quase desilusões, cansaço. Aí somos todos iguais. Porém há uma grande certeza: as soluções surgem sempre e, arrisco afirmar porque essa é a nossa experiência, surpreendem sempre de forma positiva. Uma particularidade de Economia de Comunhão é a alegria de participar num enorme projecto que vai muito para além do nosso mérito e capacidades pessoais. É sentir a presença daquele sócio que parece oculto mas que se sente, que sugere, que modera, que dá confiança, coragem, que ilumina e tempera as decisões, as iniciativas e as estratégias. Procuramos que tudo seja decidido por unanimidade. Sempre entre nós imperou o respeito pelas diferenças. Outra particularidade da nossa experiência é que advertimos, por várias circunstâncias que estão para além do nosso empenho, que alguém parece confiar em nós mais do que seria de supor. Há mais valias que seguramente não resultam do nosso mérito, que ocorrem e que (com normalidade) nos levam a dar continuidade àquele fluxo que vem não sabemos bem de onde, e que passa por nós para chegar aos seus destinatários de direito. É um movimento contabilístico de dever e haver que nos surpreende, verdadeiramente espectacular, que desfaz as nossas dúvidas e nos estimula a acreditar cada vez mais na “providência”. Rapidamente dizemos: não tem acontecido nada porque não “demos” nada, está na hora de voltar a acreditar. Em Faria e Irmão, onde se procura gerir em função da Economia de Comunhão, deixa-se espaço para a intervenção de Deus, conta-se mesmo com ela. Experimenta-se que, após cada decisão – muitas delas tomadas em sentido contrário daquele que a prática comercial aconselha – Deus nunca faz faltar aquele cêntuplo que Jesus prometeu: um lucro inesperado, uma oportunidade imprevista, a oferta de uma nova colaboração, a ideia para uma nova estratégia. António Faria Lopes

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