E hoje, a Páscoa cumpre-se também em todos os baptizados

Homilia da Vigília Pascal de D. Manuel Felício

Foto: Diocese da Guarda

Cantemos aleluia a Cristo Ressuscitado e Vivo no meio de nós. Deixemos que, nesta Vigília Pascal e também na cinquentena de Páscoa que se lhe segue, até ao Pentecostes, a surpresa das mulheres que foram ao Sepulcro, ao romper da aurora do primeiro dia da semana, seja também a nossa surpresa. Iam receosas, por causa da grande pedra que tapava a porta do sepulcro; e ficaram amedrontadas quando viram aquele jovem vestido de branco. Mas ele adiantou-lhes:

Procurais o crucificado? Não está aqui, ressuscitou. O sepulcro está vazio.

Agora, compreendemos nós, começa o tempo da missão e Ele vai, então como hoje, à nossa frente para a Galileia de todos os tempos e lugares, para o mundo ao qual somos enviados.

Desta forma, a Páscoa cumpriu-se na Pessoa de Jesus.

Depois do drama da sua Paixão, Jesus venceu a morte, o que constitui acontecimento mais extraordinário do que a epopeia da passagem do Mar Vermelho e da travessia do deserto até à Terra Prometida.

E hoje, a Páscoa cumpre-se também em todos os baptizados. De facto, como nos lembra hoje S. Paulo na Carta aos Romanos, o Baptismo configura-nos com Cristo na morte e também na vida nova. Mortos para o pecado e identificados com Ele, vivemos para Deus e antecipamos já, na medida dessa identificação, a plenitude da vida de ressuscitados no Reino de Deus. É isto o que nós queremos assinalar, quando, dentro de momentos, renovarmos as promessas do nosso baptismo, na Liturgia Baptismal que se vai seguir. Preparámo-nos para este momento, ao longo de toda a Quaresma, pela prática da oração e da penitência e sobretudo deixando-nos conduzir pela Palavra de Deus que nos foi sendo abundantemente distribuída.

Jesus Cristo ressuscitou e ressuscitou verdadeiramente.

Este é o cântico de vitória das comunidades cristãs, desde o início.

E o Ressuscitado é o mesmo que padeceu o suplício da Cruz, como sublinha a mensagem do anjo.

Ora, a Ressurreição é para os homens e mulheres de todos os tempos a vitória do amor sobre a raiz do mal.

É a oferta de vida em plenitude para todos, esperando acolhimento da parte de cada um. Por isso, a Páscoa convida cada um de nós a dar passos e percorrer etapas rumo a essa vida plena. E o Ressuscitado não apenas a oferece, mas quer ajudar-nos a aceitá-la.

Sendo assim, ao passar pelo sofrimento e pela morte, Jesus pretendeu abrir janelas novas de esperança a todos os que hoje sofrem e têm medo de morrer.

Nesta Noite Pascal não podemos esquecer as vítimas da pandemia. Entregamos à misericórdia divina os que não resistiram e morreram. Rezamos pelas suas famílias que sofrem agora a dor da separação, pedindo ao Senhor Ressuscitado que lhes dê o conforto e a esperança de que precisam, para que a sua vida tenha sentido.

Há muitos que continuam a ser provados, como são os doentes e os idosos; os abandonados, os que vivem sós, sem ninguém. Damos graças por quantos lhes levam conforto e alívio na dor e também razões de viver.

Temos de reconhecer que esta pandemia não nos trouxe apenas males físicos, mas também outros de ordem moral e espiritual, como foi o caso de nos privar, durante largo tempo, do acesso aos sacramentos, sobretudo da Eucaristia e da Reconciliação. É certo que o Senhor nunca deixa sozinhos aqueles que lhe abrem o coração, mas as nossas assembleias sobretudo eucarísticas, o acompanhamento personalizado, os encontros de formação e outros a que nos habituámos e sem os quais temos muita dificuldade em cumprir a nossa missão, quando não existem, fazem-nos muita falta.

Diante do senhor Ressuscitado, sentimo-nos especialmente interpelados para levar condições de vida digna e verdadeiras razões de viver aos mais pequeninos, aos mais necessitados e agora particularmente às vítimas desta situação pandémica que a todos nos atinge, mas a alguns mais do que a outros. Sabemos que Jesus Ressuscitado se identifica especialmente com eles.

A Páscoa pede-nos, por isso, para fortalecermos a proximidade e a solidariedade com todos, de tal maneira que, nesta crise, a ninguém se fechem as janelas da esperança. Pede-nos atenção especial para os novos pobres, quantos deles a viverem pobreza envergonhada.

Ora, as nossas comunidades têm aqui função insubstituível. Primeiro para identificarem bem os casos e depois concertarem as melhores respostas. Trabalhemos para que elas sejam espaço de acolhimento para todos, de tal maneira que a ninguém faltem os bens de primeira necessidade, que pode ser a alimentação, mas também os medicamentos, o vestuário e porventura um teto de que precisem para se abrigar, mas também as novas razões de esperança que o Ressuscitado nos oferece.

Uma coisa é certa: a Vida Nova da Páscoa não se compadece com a indiferença nem com quaisquer formas de egoísmo, de divisão ou do simples esquecimento de quem precisa.

Progredir por estes caminhos de atenção e acolhimento a todos, considerando cada um segundo a sua situação, é construir a verdadeira vida comunitária, onde melhor se espelham os sinais do Ressuscitado.

Que Maria Santíssima nos acompanhe de forma especial nesta Páscoa e na Cinquentena Pascal, até ao Pentecostes, para nos ensinar a pôr em prática a novidade de Jesus Ressuscitado; e que S. José, neste seu ano especial, nos ensine a vigiar por nós próprios e uns pelos outros, de tal modo que a luz de Cristo, representada no Círio Pascal e na vela do nosso Baptismo, possa desfazer as trevas que teimam em se instalar no nosso mundo.

+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda

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