Discurso do Cardeal-Patriarca na Tomada de Posse dos Reitor e Vice-Reitores da UCP

1. As minhas breves palavras dirigem-se, antes de mais, a si, Senhor Reitor, neste início do seu segundo mandato, para lhe agradecer a forma competente, lúcida e serena com que presidiu à vida desta Universidade, num quadriénio que não foi fácil, em que aos desafios específicos de uma Universidade, se acrescentaram problemas vindos das nossas fragilidades internas. Nada lhe fez perder a serenidade e a lucidez nem diminuir a ousadia criativa para imaginar caminhos novos. Ao agradecer-lhe reitero-lhe a minha confiança pessoal, que exprime também a da Conferência Episcopal Portuguesa. A confiança da Santa Sé foi largamente expressa na sua nomeação para um segundo mandato. Estendo este agradecimento aos Senhores Vice-Reitores agora cessantes, que fizeram com Vossa Excelência uma equipa notável, unida na competência e na ousadia, dinamizada na prossecução de objectivos por todos aceites. Saúdo igualmente os Senhores Vice-Reitores agora empossados, desejando-vos a mesma firmeza na unidade de objectivos, e a mesma competência na sua prossecução. 2. Aproveito esta oportunidade para reafirmar a esperança que a Igreja põe na missão desta Universidade, que consideramos uma das expressões da missão da própria Igreja no mundo. A missão específica de uma Universidade Católica situa-se aí, na fronteira onde a Igreja e a sociedade se cruzam e se encontram. Sendo afirmação da visão cristã do homem e da história, a Universidade Católica é, por definição, espaço de diálogo e de colaboração, afirmação de convivência que, no respeito pela diferença, procura o progresso da sociedade. Inicia Vossa Excelência, Senhor Reitor, o seu segundo mandato alguns dias depois de a Assembleia da República ter ratificado, por larga maioria, o novo texto concordatário. Tem a comunicação social sublinhado o facto de, na nova Concordata, se fazer uma referência explícita à Universidade Católica. Mas mais importante do que essa alusão, é o princípio da colaboração entre a Igreja e o Estado, em prol da construção de uma sociedade cada vez mais consentânea com as profundas aspirações do povo português, na valorização da sua identidade cultural e no aprofundamento de valores estruturantes como o são a liberdade, a justiça e a paz. Este princípio da cooperação, em prol do bem comum, atravessa o texto concordatário do princípio ao fim e justifica muita da matéria substantiva do articulado. A aceitação clara e convicta pelas duas partes, a Santa Sé e o Estado Português, deste princípio da cooperação, exprime, em si mesmo, a evolução verificada, por parte da Igreja, da sua maneira de estar no mundo, como parte activa da construção da sociedade plural; por parte do Estado, de uma visão positiva da laicidade, a que não renuncia, mas concebe como respeito pela pluralidade, na diferença, canalizando o contributo específico de cada grupo para a unidade do projecto da sociedade. Esta é uma nova atitude cultural, promissora para o futuro da nossa sociedade: nem a Igreja precisa de renunciar à especificidade da sua visão do homem e da sociedade, para colaborar com o Estado e outras forças sociais; nem o Estado precisa de renunciar à sua laicidade, para apoiar positivamente os contributos da Igreja para a edificação de uma sociedade melhor. Todos sabemos que esta visão positiva do respeito mútuo, do diálogo e da cooperação, não se traduz na prática por decreto. É um longo caminho a percorrer, que é o caminho da luta por um mundo novo e uma sociedade diferente. E se reconhecemos que em muitos católicos subsistem, ainda, visões dicotómicas em relação a certos fenómenos sociais, é também verdade que uma visão da laicidade concebida como exclusão da Igreja e da sua visão do mundo, se manifesta ainda, transformando a laicidade em laicismo. Mas nada disso nos fará desistir nesta luta por um futuro novo. A lucidez, a persistência e a determinação, mas também a sabedoria paciente, são hoje atitudes fundamentais para quem lidera dinamismos e instituições, importantes e, porventura, decisivos, para o futuro da sociedade. 3. Uma Universidade Católica é o espaço privilegiado para esta cooperação, para a edificação de uma sociedade melhor. Compete-lhe formar aqueles e aquelas que serão interventores decisivos no futuro da sociedade. E deve formá-los, competentes na área própria de intervenção, e cultos, capazes de discernimento sobre o sentido profundo da sociedade que queremos construir, dos valores irrenunciáveis que serão o seu alicerce, abertos e perspicazes para identificarem esses valores em qualquer parte em que estejam a germinar. Para isso a Universidade Católica, para além da competência académica, deve ser espaço de cultura, enraizada nos valores evangélicos. Ninguém estará à altura desse mundo novo, que todos desejamos, se não perceber que as soluções pragmáticas e imediatistas não bastam; que não haverá sociedade justa se não se alicerçar na compreensão da dignidade do homem e na exigência radical do seu futuro. A Universidade Católica tem de dar a esta perspectiva cultural de uma mundividência cristã pelo menos a mesma importância que dá ao cultivo da competência científica e técnica. A ciência sem a cultura não é, necessariamente, um elemento decisivo na construção da sociedade. Nesse sentido, não hesito em afirmá-lo, a Universidade Católica é um espaço de evangelização, onde a todos seja comunicada a dimensão específica de uma visão cristã da sociedade e da generosidade e responsabilidade exigidas por aqueles que a constróem. Os valores inspiradores do homem, pessoa em sociedade, devem ser conteúdo indiscutível dessa dimensão cultural. Sem excluir o anúncio explícito da fé, verdadeiro fundamento de toda a cultura cristã, deve ser comunicado a todos o pensamento social da Igreja, o seu vasto ensinamento sobre o homem e a sociedade; e todos deveriam ser iniciados, através da Filosofia, na arte de pensar, discernir e julgar. Não vos escondo a minha preocupação pela relativização do papel da atitude filosófica como fundamento do discernimento crítico, importante para todos os saberes. Desejo-lhe, Senhor Reitor e à sua equipa, um bom mandato. Vossa Excelência já mostrou que é capaz de reunir todos, docentes, estudantes e funcionários, à volta de um mesmo projecto que os galvanizará na medida do seu entusiasmo em participarem activamente na construção desse futuro novo para a nossa sociedade. Lisboa, 6 de Outubro de 2004 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca Magno Chanceler da UCP

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