Cultura: Obra completa do padre António Vieira lançada em Lisboa

Ensaísta Eduardo Lourenço destaca figura que hoje seria essencial para enquadrar o que «está a acontecer a Portugal, à Europa e ao mundo»

Lisboa, 04 dez 2014 (Ecclesia) – Um projeto intitulado “Vieira Global”, que envolveu a Universidade de Lisboa com várias instituições académicas e culturais de Portugal e do Brasil, tornou possível a apresentação esta quarta-feira da obra completa do padre António Vieira.

Em entrevista à Agência ECCLESIA, José Eduardo Franco, um dos coordenadores deste trabalho em conjunto com Pedro Calafate, deu conta da sua “alegria” por ver “cumprido” o sonho de levar à sociedade a obra de um dos “maiores vultos” da cultura portuguesa.

Para o historiador, o padre António Vieira (1608-1697) foi “um génio que viu para além do seu tempo” e “os diagnósticos que fez sobre a sociedade portuguesa” permanecem “válidos hoje”.

José Eduardo Franco deu como exemplo “o sermão do bom ladrão”, em que o sacerdote jesuíta incentiva uma sociedade em crise a “não ficar na inércia, enrolada nos seus problemas, no pessimismo, mas a olhar para a frente e acreditar que é possível que Portugal seja viável”.

Também as considerações que tece à volta das “estruturas de corrupção” e da importância “dos cargos políticos serem ocupados por pessoas de mérito, que realmente servem o povo e o país e não a si próprias”.  

O lançamento da obra completa do padre António Vieira, na Aula Magna em Lisboa, foi o culminar de um esforço de dois anos de pesquisa, recolha, interpretação e autenticação de milhares de documentos provenientes de arquivos e bibliotecas portuguesas e estrangeiras.

Cerca de 15 mil páginas foram reunidas, por uma equipa multidisciplinar de paleógrafos, latinistas, linguistas, filósofos, historiadores, teólogos, juristas, cientistas literários, entre outros especialistas, e agora compiladas em 30 volumes.

Antes da sessão de apresentação, Eduardo Lourenço saudou a concretização “em tão pouco tempo” de uma empreitada que já muitos haviam tentado sem sucesso ao longo dos últimos séculos.

O ensaísta e escritor, vencedor do Prémio Pessoa em 2011, classificou o padre António Vieira como “o profeta moderno”, alguém que foi capaz de criar “uma obra sem comparação em nenhuma outra cultura, uma História do Futuro”, o que só comprova a sua “audácia” e “atrevimento”.

“Seria bom que nós tivéssemos um comentador como ele, numa supertelevisão para nos dar um panorama tremendo e ao mesmo tempo profundo daquilo que nos está a acontecer, a Portugal, à Europa e ao mundo”, apontou.

Presente na sessão como orador esteve também o professor Viriato Soromenho-Marques, especialista em História e Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que lembrou o empenho do padre António Vieira na defesa dos direitos humanos, dos escravos e indígenas.

“Ele é um precursor dos direitos humanos fundamentais, numa perspetiva quase constitucional”, sustenta o docente.     

Outro dos oradores convidados para o evento, o professor Carlos Reis, da Universidade de Coimbra, salientou o papel que o padre António Vieira teve na “refundação da língua portuguesa” e o modo como o projeto “Vieira Global” poderá ajudar a educar as novas gerações.

“Ele foi um homem que serviu a palavra e que se serviu das palavras. E nas escolas essa é uma mensagem que pode passar quando tantas vezes vamos descurando a importância das palavras, o rigor das palavras, até mesmo a articulação das palavras e a capacidade para as dizer”, realçou o especialista em literatura portuguesa contemporânea.

O projeto “Vieira Global” vai incluir brevemente a concretização de um Dicionário Multimédia de Vieira, pensado sobretudo para as escolas e para as novas gerações; e a edição e tradução das obras mais emblemáticas do sacerdote e pregador jesuíta em 12 línguas, incluindo o árabe e mandarim.

JCP

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