Cultura: O valor da memória que permanece num Seminário devoluto (c/vídeo)

Documentário «O Casarão», de Filipe Araújo, olha para a formação «desempoeirada» e a «mundividência» que o Seminário Dominicano de Aldeia Nova trouxe na segunda metade do século XX

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Lisboa, 01 fev 2022 (Ecclesia) – Filipe Araújo, realizador do documentário ‘O Casarão’, que através do Seminário Dominicano de Aldeia Nova, em Ourém, apresenta a importância da memória e o significado paradoxal que aquele espaço representou.

“O que se passa de interessante neste Seminário, que o torna num caso diferente, é, na viragem para os anos 60 e antecâmara do Concilio Vaticano II, na aproximação da vanguarda da Igreja aos problemas da sociedade, acontece uma pequena revolução: há uma geração nova de padres, recém-formados, muito desempoeirados, que chegam ao Seminário, e com eles trazem um frade que chega do novo mundo, numa altura em que o país estava fechado, em ditadura, triste e oprimido”, explica o realizador à Agência ECCLESIA.

“De repente há uma mundividência e um cosmopolitismo que entrou na aldeia, de certa forma perdida no mapa, e para quem lá estava e para quem viveu essa transformação, foi muito importante e marcou muito”, acrescenta.

O contacto com esta realidade deu-se em 2015, quando Portugal estava “na saída da Troika”, “o preço do metro quadrado nas capitais explodia, havia um boom de turismo”, e em Aldeia Nova se sentia “um acabar”, “um tremendo abandono, despovoamento”, com metade da população reformada, outra emigrada.

Filipe Araújo afirma a sua missão, “como documentarista” de “não desperdiçar o tempo presente”, valorizar a memória e propô-la na reflexão e construção social atual e sentiu que este paradoxo não podia ser ignorado.

O projeto de levar ao grande ecrã o significado do Seminário, em especial, na segunda metade do século XX, quer mostrar a “abertura ao mundo” que os seminaristas naquele tempo ali viveram, facto que marcou as suas vidas.

“Sentiram-se como se estivessem numa Universidade. Essa abertura ao mundo e essa ponte ao mundo, num país que estava fechado, é algo muito importante. Até cinema recebiam, vindo das embaixadas, tinham professores que chegavam de vários pontos do mundo. Aqueles muros foram uma ponte para uma certa ideia de liberdade”, indica.

Filipe Araújo chegou a este documentário a partir da vivência do seu pai, Horário Araújo, que entrou naquela instituição com 10 anos, local “fez a sua primeira fase de formação e cresceu como homem”.

“A ideia de trabalhar sobre um Seminário nunca me tinha passado pela cabeça. Estava com outros projetos – tinha acabado um filme duro de fazer, procurava algo mais tranquilo – quando me pediram para fazer uma reunião de bibliografia do meu pai e, nessa procura, encontrei um blog de antigos seminaristas, que ao fim de mais de 40 anos, decidiram reunir-se daquela forma”, relembra.

O realizador entendeu que, mais do que memória e aproximação a uma parte da vida do seu pai, era necessário levar a importância daquela instituição ao grande público, a partir do olhar de um homem que hoje cuida do espaço devoluto, o caseiro António.

“Ao perceber o que o Seminário tinha representado para aquela aldeia e a situação em que aquela aldeia se encontrava (hoje), achei que fazia sentido criar esse diálogo entre este presente e aquele passado, em que um farol que iluminou toda uma população, uma região na verdade, agora emanava uma imensa sombra”, recorda.

De um “farol” que iluminou aquelas gerações, hoje a casa está devoluta, à espera de ser vendida e transformada em algo desconhecido.

“É uma história tão particular e importante de ser recordada, até porque, esta geração, e estes rapazes que ali passaram – foi isso que também me marcou quando vi o blog e li os textos – são pessoas que conseguiram fazer uma síntese muito bem feita da vida. A maioria não seguiu a vida religiosa. Estas pessoas conseguiram peneirar o melhor dos dois mundos e ser feliz com eles”, assinala o entrevistado desta terça-feira no Programa ECCLESIA (RTP2).

Os encontros entre os antigos seminaristas e os dominicanos continuam a acontecer, “com carinho” por relembrarem e agradecerem “esse passado”.

Depois de ter estado em exibição em Lisboa e Leiria, «O Casarão» poderá ser visto em cineteatros, espalhados pelo país, estando também prevista a sua estreia em Espanha e posterior exibição na RTP, que coproduziu o documentário.

LS

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