Culto ao Espírito Santo

O Espírito que faz a História Em diferentes regiões do país, as festas ao Espírito Santo ressurgem indissociáveis do exercício da solidariedade, explica D. Manuel Clemente Para São Lucas, nos Actos dos Apóstolos, não há qualquer dúvida: quem faz a história é o Espírito do Ressuscitado. É Ele que destaca os apóstolos e missionários, para que a Igreja se difunda, mundo além. É ler, por exemplo, a escolha e envio de Barnabé e Saulo, em Actos 13, 1-2: “Havia na igreja, estabelecida em Antioquia, profetas e doutores […]. Estando eles a celebrar o culto em honra do Senhor e a jejuar, disse-lhes o Espírito Santo: ‘Separai Barnabé e Saulo para o trabalho a que Eu os chamei’. Então, depois de terem jejuado e orado, impuseram-lhe as mãos e deixaram-nos partir”. Não podia ser mais explícito. Como sugestivo é, mais à frente, em Actos 16, 6-7, quando o Espírito conduz directamente os missionários, contrariando até o que estes planeavam: “Paulo e Silas atravessaram a Frigia e o território da Galácia, pois o Espírito Santo impediu-os de anunciar a Palavra na Ásia. Chegando à fronteira da Mísia, tentaram dirigir-se à Bitínia, mas o Espírito de Jesus não lho permitiu…”. Esta consciência da acção do Espírito, foi a par com a percepção do seu lugar na Trindade divina, bem como da sua progressiva revelação. No Concílio de Constantinopla (381) completou-se a formulação que repetimos hoje: “Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai [e o Filho] é adorado e glorificado: Ele que falou pelos Profetas”. E é dessa altura uma sugestiva reflexão de São Gregório de Nazianzo, recolhida pelo Catecismo da Igreja Católica, nº 684: “O Antigo Testamento proclamava manifestamente o Pai e mais obscuramente o Filho. O Novo manifestou o Filho e fez entrever a divindade do Espírito. Agora, porém, o próprio Espírito vive connosco e manifesta-se a nós mais abertamente. […] É por avanços e progressões ‘de glória em glória’ que a luz da Trindade brilhará em mais esplendorosas claridades”. No princípio do século XIII, também o monge calabrês Joaquim de Flora (+ 1202) escalonou a revelação do Espírito. Mas algumas das suas formulações levaram alguns a entender o Espírito como protagonista da última idade do Mundo, quase desligado e em contraste com as idades anteriores, próprias do Pai e do Espírito. Escrevendo, por exemplo, assim (Concordia novi et veteris Testamenti): “Os mistérios sagrados das divinas Escrituras inspiram-nos a convicção de que o mundo evolui através de três estados. […] O primeiro foi a idade do Pai, que é o criador do universo; o segundo é a idade do Filho, que se humilhou e assumiu o nosso corpo mortal; o terceiro será a idade do Espírito Santo, do qual diz o Apóstolo: onde está o Espírito do Senhor aí está a liberdade”. Alguns religiosos, anos depois, consideravam-se agentes dessa nova idade, em dissensão com a Igreja que diziam ultrapassada… Menos polémica foi a arrancada das festas do Espírito Santo, com tanto acolhimento popular na Baixa Idade Média. Em Portugal tiveram grande sucesso, desde os tempos da rainha Santa Isabel, como escreve Pinharanda Gomes (Cultos portugueses do Espírito Santo. In II CONGRESSO DO ESPÍRITO SANTO Actas, comunicações e conclusões. Fundão: 2001, p. 207: “As primeiras e mais importantes festas [do Espírito Santo] tiveram origem na vila de Alenquer, por iniciativa da Rainha Santa Isabel, essa festa constando de rolo de cera (círio) e vôdo. A expansão do culto, mediante festividades análogas, processa-se […] a partir, ao que parece fora de dúvida, de Alenquer, chegando à ilha da Madeira […], aos Açores, […] e também ao Ultramar”. Ou o facto de nas festas do Espírito Santo o seu “império” ser anunciado na figura dum jovem ou dum pobre; ou a lembrança das três personagens que visitaram Abraão, segundo o Livro do Génesis, poderão ter provocado a sua representação como um jovem nalgumas figurações do século XVIII, na Alemanha e não só. Isso mesmo levou o papa Bento XIV a redigir um importante documento sobre a arte cristã, a sua legitimidade e condições (Carta Sollicitudini Nostrae, 1 de Outubro de 1745). Aí se lê, designadamente: “O Espírito Santo figura-se ou descendo do céu sob a forma de línguas de fogo no dia de Pentecostes, ou, noutras circunstâncias, sob a forma duma pomba, separadamente das outras Pessoas divinas também presentes. Foi com essas figurações que aconteceram as suas aparições, lembradas na Escritura. Em parte alguma dela se achará que a Terceira Pessoa aparecesse como um homem ou um jovem fora da companhia das outras duas Pessoas”. Igualmente interessante é verificar que, mesmo em fase de secularização cultural, do século XVIII para o XIX, a alusão à obra do Espírito, na sequência das outras duas Pessoas da Trindade, tenha servido para “ilustrar” a própria história mental da humanidade, como indicou C. Dawson (Progresso e religião, p. 214, nota), notável historiador católico a seguir à primeira guerra mundial: “A teoria mística das Três Idades do Mundo, a do Pai, a do Filho e a do Espírito Santo, […] desempenha papel importante no pensamento de Hegel. Não é improvável, até, que a sua doutrina fundamental da dialéctica tríplice, nas suas aplicações à história e à vida, tenha ido buscar aí a sua inspiração”. Cabe aqui referir a figura do Cardeal Suenens, figura importante do Concílio Vaticano II, grande promotor do renovamento carismático ou pentecostal na Europa. Fê-lo deliberadamente, porque reparava ser assim que o Povo de Deus experimentava o que ele mesmo tinha sentido, com os outros bispos, durante o Concílio; ou seja, a acção do Espírito, renovando a Igreja e relançando a evangelização. Escreveu assim, o purpurado belga (Souvenirs et Espérances, p. 295): “Creio que o Renovamento ‘pentecostal’ – prefiro este termo ao de ‘carismático’, […] pois toda a Igreja é carismática – é uma graça muito preciosa que completa e amplifica, ao nível do Povo de Deus, a graça pentecostal que foi o Vaticano II ao nível dos bispos. Mas, independentemente desta correlação, vejo nele uma actualização preciosa da acção do Espírito Santo no coração da Igreja, incluindo os carismas. Ainda não acabámos de descobrir o Espírito Santo na teologia, na espirtualidade, na pastoral. Temos ainda de progredir para O situar no coração da nova evangelização”. Refira-se, por fim, que a própria piedade popular pode ser entendida como obra do Espírito, quando Ele leva a traduzir na cultura de cada povo o Evangelho de todos. – Não foi essa exactamente a experiência do primeiro Pentecostes, quando cada um ouvia o querigma apostólico “na sua própria língua”?! Di-lo a Congregação para o Culto Divino no Directório sobre a piedade popular e a Liturgia. Princípios e orientações, nº 156: “Exortando à oração e ao compromisso na missão, o mistério do Pentecostes ilumina a piedade popular, pois também ela ‘é uma demonstração contínua da presença do Espírito Santo na Igreja. […] É o próprio Espírito Santo que enobrece as numerosas e variadas formas de transmitir a mensagem cristã, segundo a cultura e os costumes de cada lugar em todos os tempos’ (João Paulo II)”. D. Manuel Clemente, Bispo do Porto Dossier AECulto ao Espírito Santo nas diferentes regiões do País

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