A ameaça da Fome

Os mais atingidos por esta escassez de produtos de primeira necessidade e pela enorme elevação dos seus preços são os países mais pobres Como é possível que ainda haja, no nosso tempo, quem morra de fome? É uma pergunta lacrimante feita por João Paulo II, na Novo Millennio Ineunte. Um dos últimos Relatórios da ONU sobre o Desenvolvimento Humano refere que mais de 300 milhões de crianças, em todo o mundo, sofrem de fome crónica e que mais de metade do número total de mortes infantis se deve à fome e à subnutrição, provocando ainda, todos os anos, a morte de aproximadamente 6 milhões de crianças. Muitas delas poderiam ver garantida uma refeição escolar pela irrisória quantia de 16 cêntimos por dia. Paradoxalmente, o referido Relatório constata que há alimentos suficientes para alimentar toda a população mundial durante quase meio século. Todavia, esta suficiência deixará de ser uma realidade. Se não forem tomadas medidas corajosas e atempadas, poderá generalizar-se a escassez de alimentos básicos à sobrevivência humana já sentida em alguns países. Por detrás deste anunciado flagelo humanitário está o antiquíssimo problema de não colocar a economia ao serviço da construção do bem comum, mas subordinar-lhe tudo, incluindo os mais elementares direitos da pessoa humana. Com efeito, a escassez de bens alimentares no mercado, decorrente da elevação dos preços dos produtos energéticos, e os preços quase proibitivos a que são transaccionados esses escassos bens, irão despertar o mundo inconfessável dos negócios para novas oportunidades, muito rentáveis, ligadas à produção de bens energéticos com preços mais competitivos. Por outro lado, a lei da oferta e da procura irá fazer que, quando o bem escassear o seu preço suba e aumente a especulação e o açambarcamento. É óbvio que os mais atingidos por esta escassez de produtos de primeira necessidade e pela enorme elevação dos seus preços são os países mais pobres, as classes mais baixas, os desempregados e até os novos pobres que se deixaram entalar por situações de sobreendividamento. O espectro da fome paira assim sobre a cabeça dos mais necessitados, incluindo de muitos portugueses. Se o já dramático flagelo da fome se vier a agravar, para além de ficar em causa a vida de milhões de seres humanos, a insegurança e os conflitos mundiais tomarão proporções incontroláveis. Para que isso não aconteça, os governos devem deixar de apoiar a produção de produtos energéticos a partir de produtos agrícolas para que a produção agrícola se volte a orientar para a produção de bens alimentares, designadamente de primeira necessidade; devem acatar as recomendações do Banco Mundial, da Comissão Europeia, e das Organizações Não Governamentais com vista a minorar ou eliminar as bolsas de pobreza em Portugal e no mundo. Para atingir este desiderato será necessário preparar atempadamente programas específicos e simplificados dirigidos aos mais pobres. Também é imprescindível que a população em geral assuma as suas responsabilidades na luta contra o desperdício de produtos energéticos e de bens alimentares. Glosando António Guterres, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, é necessário olharmos de modo diferente para o Mundo para que possamos chegar mais longe. Eugénio Fonseca

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